O Piper Cherokee no Brasil

posted in: Antonio Ribeiro, Textos | 3

*Nota do Autor: Por problemas em relação ao tamanho do artigo, a história geral da aeronave será resumida ao extremo e contada apenas até o ano em que o modelo chegou ao Brasil, mesmo porque faltará espaço para o tema principal dessa semana. 

Pelo meu e-mail ou pelo meu perfil mande sugestões de textos e opiniões, lembrando que não escrevo apenas matérias opinativas, mas também históricas, como esse artigo. Escolher temas não é fácil, o próprio Raul Marinho que o diga. Mas chega de blá-blá-blá e vamos ao que interessa:

Ir ao aeroclube é algo realmente impressionante: dependendo de qual for o escolhido, você encontrará um tipo apenas de aeronaves, sejam jatos, turboélices ou aeronaves a pistão. Não apenas no Aeroclube de São Paulo, mas no país todo, são encontrados vários exemplares de um tipo padrão que formou um número infinito de pilotos de aeronaves: o Piper Cherokee no Brasil.

Sim, nessa semana iremos falar daquele avião cheio de relógios e quase nenhum equipamento eletrônico. Aquela aeronave que possui mais horas de voo do que toda a atual frota da nossa Aeronáutica. Aquele modelo americano, que ficou quase dois meses sem voar após sua chegada dos Estados Unidos. Aquele que quase teve a carreira impedida pelo Governo Federal.

O mercado de aeronaves extremamente leves era dominado pelo também venerável Cessna 172 Skyhawk, da mesma idade que o lendário Paulistinha. A Piper já havia projetado uma aeronave maior, o PA-24 Comanche. Como este não fez um sucesso considerável, devido ao custo de fabricação e peças elevado, a Piper projetou uma aeronave menor, com base no Comanche, para reduzir os custos e popularizar a aeronave. Assim nasceu o PA-28 Cherokee, nada mais que uma miniatura do Comanche.

O modelo entrou em serviço no ano de 1961, inicialmente com duas versões básicas: a PA-28 150 e a PA-28 160. Até aí, a denominação se devia a potência da motorização da aeronave.

Atenta às necessidades de seus proprietários, foi lançada a versão PA-28 180, com 20HP de potência a mais, dando mais segurança a aeronave, que passou a ter um maior limite em suas operações. Logo, a decisão da fabricante provou ser acertada. E para melhorar a operação da aeronave e o conforto de seus tripulantes, o cockpit passou a ter uma caixa de manetes, substituindo os comandos “empurra-puxa”. Mais um sucesso para a companhia.

Antes da caixa de manetes chegarem, chegaram os novos PA-28 235, com um novo motor de 235 HP, competindo favoravelmente com o Cessna 172. E antes da década acabar, chegaram novas opções, tendo como opcionais o trem retrátil e uma cabine maior.

Em 1972, uma enchente alagou as instalações que produziam as referidas aeronaves. Assim, o PA-34 foi descontinuado, enquanto o nosso Cherokee continuou em produção, até o ano de 2008. Uma pena que ainda não se fabrica mais.

Epa! Mesmo modelo, operador diferente

Antes de a Embraer ser criada, o único jeito era exportar aeronaves, pois a Neiva não produzia mais do que alguns Paulistinha, os próprios utilitários Regentes U/L-42 e os robustos T-25, sendo que o último ainda voa a plenos motores na FAB. E comprar algumas dessas aeronaves de origem militar o Aeroclube de São Paulo não poderia fazer. E assim, a história ganhou mais um recorde.

O Aeroclube não possuía dinheiro suficiente para comprar as referidas aeronaves. Passou a anunciar que novos aviões estariam chegando, o que possibilitou uma enorme reserva de horários para voo. E a grana veio igual à água do mar no Titanic.

O presidente do aeroclube, José Augusto Morelli, embarcou para os Estados Unidos, destinado a comprar as referidas aeronaves. A data era outubro de 1973, e justamente essa data daria um enorme prejuízo para a antiga instituição.

Para quem gosta de história do Brasil, mas não se lembra, o país estava na época do “Ame-o ou Deixe-o”. A Embraer estava a todo o vapor com seus valentes Bandeirante, e para estimular a economia, instituiu o “Conceito de Similaridade”: Um produto importado só poderia ser usado na Pátria Amada e Idolatrada (Salve Salve!) se não existisse um produto similar nacional. E por isso, o Governo não queria autorizar a Licença de Importação das referidas aeronaves, obrigando o aeroclube a se desfazer dos modelos ou pagar mais impostos, ou na pior das hipóteses, comprar o recém-lançado bimotor.

Mesmo assim, o “Seu Zé” resolveu comprar 14 Cherokee 140 e seis Cherokee Arrow, sendo que 18 vieram para a instituição do Campo de Marte, enquanto os outros dois foram para o Aeroclube de Bragança Paulista.

Na década de 70, a instituição já possuía uma boa diversidade de cursos, formando vários pilotos privados (PP), pilotos comerciais (PC), Pilotos de Linha Aérea (PLA), já com habilitação para voo IFR, tanto para aviões como para helicópteros. E desses pilotos e associados, surgiram os pilotos que fariam o translado desde a terra de Michael Jackson e Tina Turner (pense em uma cantora boa, veja “Proud Mary” e verá do que estou falando…) até a terra de Elis Regina e Gilberto Gil.

Na verdade, os dois lados saíram ganhando. Os 22 pilotos associados e que foram selecionados pela diretoria (dois como reserva) embarcaram para os United States, com todas as despesas pagas pelo Aeroclube. Uma viagem internacional de graça e horas de voo vieram para esses 22 sortudos. E com as economias feitas no translado, uma aeronave poderia ser comprada. Mas não foi o que aconteceu.

Vinte e três dias duraram essa aventura. Os cinco primeiros dias foram livres aos pilotos, e outros sete foram de espera em Miami. Selecionados pela experiência, os pilotos não podiam correr o risco de acidentar as aeronaves.                             Entregues os exemplares, começou de fato o translado. E sete dias de viagem pelo exterior mais quatro pelo Brasil poderiam se transformar em uma catástrofe, pois 20 aviões juntos não são moles não. Imprevistos sempre vinham, mas contornados com maestria eram.

De acordo com Morelli, o Brasil já era campeão em taxas aeroportuárias e gastos com combustíveis. Algumas coisas já precisavam ser revistas, mas até agora não foram.

Conforme a primeira parte desse texto, o governo não iria liberar de imediato a licença para voo das aeronaves. Controlando tudo o que entrava e saia do país, sempre enfiava um produto “similar” (leia-se imposto a força) ao importado.

Demonstrando sinais de burrice aguda, o Governo Federal indicou os Embraer EMB-110 Bandeirante como similar, pois de acordo com a sua missão original (treinar pilotos e fazer transportes de passageiros e carga, de acordo com a FAB), podia ser muito bem usado para a função. Onde já se viu comparar um bimotor turboélice com capacidade para 18 ocupantes com um monomotor a pistão, com capacidade para no máximo, cinco ocupantes?

O milagre político veio após dois meses, quando finalmente as aeronaves poderiam voar, para cumprir sua nobre missão. Mas os Cherokee logo ganhariam companheiros, não de frota, mas de “primos”, eu uma quantidade surpreendente e inimaginável.

O Importado Nacional

Ozires Silva percebeu rapidamente que o Bandeirante não pagaria nenhuma conta, mesmo com 100% de aproveitamento, e que só era vendido por decreto. E que precisava construir a sua marca, para poder alçar voos mais altos, coisa que ainda não poderia fazer. Por isso, buscou parcerias para produzir novas aeronaves.

A Piper não queria ficar atrás da Cessna em nenhum mercado, e com muita agilidade surgiu um acordo compartilhava a produção dos modelos norte-americanos no Brasil, com algumas mudanças em sua designação. Começava a queda da hegemonia tradicional da companhia de Wichita.

Logo, os modelos foram batizados com nomes extremamente brasileiros e estranhos aos olhos dos norte-americanos: Tupi, Corisco, Carioca, Sertanejo, Carajá, etc. Vale lembrar que apenas os três primeiros nomes se referem aos Cherokee.

Mais de quarenta anos depois, essas aeronaves ainda prestam serviços no país, seja ainda com seu operador original ou como aeronaves ainda civis, mas para lazer. O PT-ITA (Cherokee Arrow) voa como particular, cheguei a ver ele aqui em Guaratinguetá, com o seu ronco a pleno vapor. Mas não é apenas no Aeroclube de São Paulo que esse modelo americano voa: Também em relação à quantidade de aeroclubes e civis operadores da aeronave, não citarei muitos, mas aqui estão alguns que valem a pena recordar, tanto operadores do modelo americano como do modelo brasileiro: Aeroclube de Ilhéus, Aeroclube de Goiânia, Aeroclube de Brasília, Aeroclube de Eldorado do Sul, Aeroclube de Aveiro e o Aeroclube de Fernandópolis.

Fora a frota dos Hercules C-130 da FAB, só existem os próprios Paulistinha e PA-18 civis em operação no Brasil, principalmente na função de treinador. Fica aqui uma homenagem a esse que ainda é a escola prática de vários pilotos, em treinamento ou não.

Frase da Semana

“A única situação em que você pode achar que tem combustível demais
é quando há um princípio de incêndio nos tanques”.

Bons vôos a todos e uma ótima semana.

Alexandre Sales
Redes
Latest posts by Alexandre Sales (see all)