Hoje voaremos para a maior cidade da Europa, riquíssima de cultura e uma referência importantíssima quando se trata da civilização ocidental. Um lugar que foi fundado pelos romanos, resistiu a seguidas tentativas de invasão, tornou-se o centro do poderoso império britânico e se mantém como a cidade mais cosmopolita do velho continente até os conturbados dias de hoje, em que o Reino Unido discute o chamado “Brexit” com a União Europeia.
Quando se trata de aviação, nenhum outro lugar tem tanto tráfego nessa parte do mundo quanto o Reino Unido, e nosso destino, Londres, é servida por diversos aeroportos, mas os principais são Heathrow, Stansted, London City e nosso aeródromo de hoje, Gatwick (LGW/EGKK). Embora a companhia voe seis vezes ao dia para Heathrow, há tanta demanda para Londres que a divisão cargueira vai para Stansted e há mais três voos diários de passageiros para Gatwick, usando Boeing 777 e o nosso querido “heavy plastic”. O primeiro voo entre Gatwick e o Brasil inclusive também usa o Dreamliner, voando direto ao Rio de Janeiro na cores de uma das principais low costs europeias.
Nosso horário de partida do Golfo é um tanto indigesto, mas decolando às duas da manhã, essa frequência específica funciona como uma conexão perfeita para os voos que saíram da Ásia no final da tarde e início da noite anterior – como o Phuket do nosso outro artigo – e o tempo gasto em solo entre um voo e outro é mínimo. É hora do rush na base e temos dezenas de aeronaves na fila. Passamos na frente de um A380 indo para Paris, um A350-900 saindo para Madrid e rapidamente alinhamos e decolamos atrás de um Boeing 777-300ER partindo para Frankfurt. Um A350-1000 indo para Heathrow decolara um pouco antes. Com especial atenção à congestionada fonia e à wake turbulence em meio a tantos heavies, subimos e entramos na FIR Bahrain, que controla praticamente todo o Golfo Pérsico. A subida se dá em steps, uma vez que há muito tráfego cruzando os céus chegando e saindo do Oriente Médio, mas como subimos bem mais que boa parte dos outros modelos graças à nossa flexível e eficiente asa, apesar do peso, pedimos e conseguimos um nível de voo eficiente: mesmo quase lotados, com 250 passageiros, já estamos no FL400 quando entramos no espaço aéreo iraniano.
Com terreno bastante alto, incluindo muitos picos acima de 3 mil metros de altura na região montanhosa de suas fronteiras, passaremos as próximas três horas sobrevoando o Irã e a Turquia, dois imensos países onde surgiram as primeiras cidades construídas pela nossa espécie, muitos milênios atrás. Embora estejamos no auge do verão no hemisfério Norte, ainda há neve em algumas partes, e a vista, conforme o sol nasce, é impressionante. Esse tipo de terreno exige cuidadoso planejamento, e temos rotas especiais de descompressão a serem usadas em emergência para os alternados da região, que incluem as capitais Tehran e Ankara. Após deixarmos Istambul cerca de 100 milhas à nossa esquerda, agora sobrevoando o Mar Negro, entramos em contato com Sofia. As três letras do designativo do VOR de Golyama chama a atenção no navigation display: me lembra da companhia anterior. Deixamos a Bulgária e entramos na Romênia. As trocas de setores tornam-se frequentes, e ganhamos várias proas diretas para os limites das FIRs.
Ao sairmos da jurisdição de Praga, o CPDLC passa a ser nosso principal meio de comunicação com o controle. Rhreim, Maastricht e até London nos enviam, nas próximas duas horas, seguidas instruções via datalink, e a interatividade da aeronave com esse sistema facilita bastante o trabalho. Por exemplo: Rheim deseja que chamemos Maastricht e recebemos a seguinte mensagem de texto: “Contact Maastricht Center: 132.085”. Abaixo da mensagem, temos duas opções: “Accept” ou “Reject”, e ao lado do EFIS control panel três botões: esses dois mais um “Cancel”. Ao apertarmos o botão para aceitar, três coisas acontecem: abaixo da mensagem, a opção “Accept” torna-se verde e em pretérito perfeito, o centro que enviou a mensagem recebe a confirmação de que entendemos e aceitamos a instrução e o mais interessante: no nosso painel digital de frequências de rádio – TCP, tunning control panel – aparece, no scratchpad – a parte da tela onde o que se digita aparece antes de ser executado – a frequência aceita na mensagem do CPDLC. Basta apertar o botão da frequência ativa e o 132.085 vai parar lá. E coisa semelhante acontece com proas, altitudes e até proas diretas a fixos. Uma vez aceitas as mensagens, os valores são transferidos automaticamente para os campos pertinentes: o scratchpad do CDU – control display unit, a interface do FMC – ou para um campo secundário da janela do MCP – mode control panel. No FMC você carrega a instrução e a executa. No MCP, com o botão XFR – transfer – você coloca a instrução no campo principal da janela e aciona. Ou seja, o CPDLC – Controller-Pilot Data Link Communications – diminui a carga de trabalho, descongestiona a frequência de voz e ainda diminui muitíssimo a chance de um mal entendido. É a comunicação do futuro.
Já estamos no ar há quase seis horas quando os preparativos para o pouso começam. Fazem dezesseis graus Celsius e o vento é calmo na ensolarada manhã do verão londrino. Pousaremos com pouco menos de 153 toneladas, e no briefing, especial atenção é dada às velocidades específicas de aproximação exigidas por Londres e aos NOTAM’s das obras no pátio, bem no nosso caminho para o terminal. Algumas taxiways foram restritas para aeronaves categoria E, como a nossa – de 52 a 65 metros de envergadura segundo o aerodrome reference code.
Londres na escala é sempre positivo: tenho vários amigos que moram lá, a cidade é fascinante, e mesmo de Gatwick, em meia hora de trem você está na Tower Bridge. Neste pernoite específico, fui à Boeing store em Crawley, bem próximo de Gatwick, onde há um centro de treinamento, e depois com dois trens e um metrô, jantei com uma amiga que trabalha na Canada Square, perto do aeroporto de London City. Mas há muito mais. Gatwick tem um bom museu de aviação e vários spotting points, e Londres tem museus, lojas, parques, bares e restaurantes, passeios para todos os gostos.
No dia seguinte, a volta é durante o dia. Na decolagem, mantemos 190 nós, o equivalente a flap 1, pois as SIDs no Reino Unido já incluem o abatimento de ruído, então, para não abrir demais a curva – decolamos para oeste com nosso destino a leste – restringimos a velocidade – o ruído é cuidadosamente monitorado e pode gerar altas multas se excedido. A volta é mais ou menos pela mesma rota e, no final da tarde, levando meia hora a menos devido à ajuda dos ventos, pousamos no Golfo. Difícil escolher, entre os muitos destinos que cobrimos no Reino Unido, meu preferido. Edinburgh traz a magia da Escócia; Manchester tem um Concorde e uma churrascaria brasileira; Birmingham tem dois amigos spotters; Cardiff é a cidade britânica mais bonita que já visitei. Mas Londres… bom, é Londres, né?