5 FALSOS motivos para se tornar piloto

Toda profissão possui seus contrastes. Há sempre motivos para tornar, e motivos para não se tornar um profissional de certa área, e na aviação não é diferente. Entretanto, além desses dois extremos, há ainda uma linha nebulosa entre os dois.

Trata-se dos “falsos motivos”, aqueles apresentados em campanhas de marketing tendenciosas, a fim de atrair alunos a qualquer custo. Tais motivos não chegam a ser completas mentiras, mas faltam muito com a verdade, omitindo detalhes em busca do resultado desejado.

Nós podemos encontrar matérias com esse foco em emissoras locais de televisão e sites, principalmente em duas ocasiões opostas: quando o mercado está aquecido, e as escolas querem aproveitar a oportunidade, e quando o mercado está ruim, requerendo novas turmas para a manutenção das atividades.

Não há nada de errado em realizar marketing para trazer novos alunos, apenas requer-se uma mensagem realista e honesta, ao invés de um mundo fantasioso que algumas escolas/aeroclubes propagam em momentos extremos.

Ao invés de começar a lista em uma linha cronológica da formação, vamos replicar a ordem que normalmente é seguida pelas reportagens: Motivos, frutos, e ao final, como ingressar.


Mercado sempre em expansão

Para criar a ilusão de que o emprego nesse setor é garantido, possibilitando assim uma carreira sempre promissora, as reportagens dão destaques aos números positivos da aviação, tais como:

Crescimento da frota nacional na última década
Acessibilidade das passagens ao brasileiro médio
E o número de pilotos formados nos últimos anos

Realmente parece algo 100% promissor. Entretanto, fica renegada a parte de que o mercado da aviação passa por crises cíclicas, de anos em anos.

Sendo assim, há chances reais do piloto recém formado não conseguir seu primeiro emprego imediatamente, e esse é um risco que deveria ser citado mesmo que brevemente.


Ganhe altos salários

A frase é sempre a mesma: “E os salários podem chegar até R$ XX mil reais”

Obviamente um salário de cinco dígitos atrai a atenção de qualquer um, mas é interessante como em reportagens tendenciosas não se dá nenhum detalhe adicional de como e quando esse patamar será acessível.

Não se fala da hierarquia de habilitações, não se fala que tipo de piloto vive essa realidade, não se fala das promoções dentro das empresas, e nem sequer estimativa de anos ou horas necessárias para tal.

É possível atingir tal salário? Sim. Mas há uma considerável estrada (ou aerovia) pela frente.


Viva viajando e conheça o mundo

Esse é um dos pontos comuns no marketing, tanto para pilotos quanto para comissários.

É um fato que os tripulantes viajam a trabalho com uma frequência admirável, e que entre uma folga e outra passam por dezenas de cidades graças às suas escalas. Mas o que algumas campanhas dão a entender é que o tripulante terá todo o tempo do mundo para pagar de turista, em toda cidade para a qual irá voar. Em muitas vezes ele já embarca em outro voo seguinte, e quando se trata de pernoite, é preferível investir o tempo no sono do que no turismo pela cidade do hotel.

Aliás, as campanhas precisam considerar a autonomia das aeronaves, e parar de fazer montagens com um A320 em rotas com a Estátua da Liberdade, Torre Eiffel e Sydney na ilustração.


Forme-se em pouco tempo

O discurso de “Forme-se mais rápido que qualquer aluno de faculdade” é real, mas não generalizável.

É totalmente possível um piloto se tornar aplicável para uma linha aérea em apenas um ano. Eu até fiquei sabendo de um aluno que voou todo o PP dele em apenas doze dias. Com planejamento, tudo é possível. Porém, conhecendo os alunos que ingressam na formação aeronáutica nesse país de contrastes chamado Brasil, podemos afirmar que tais casos são exceções.

Do início da formação ao ingresso no mercado de trabalho, podemos afirmar vagamente que a grande maioria leva mais de dois anos. Há ainda os que são exceções no outro extremo, e levam bem mais.

Esse período de formação depende unicamente de duas coisas: Tempo e dinheiro.

Uma coisa é um filho de 18 anos iniciar a formação aeronáutica sendo financiado pelos seus pais, que haviam desde cedo guardado essa economia para sua possível futura faculdade particular. Outra coisa é um jovem de 23 anos de família mais humilde, que precisa trabalhar não apenas para financiar sua futura formação aeronáutica, mas também para auxiliar sua família.

No fim, todos podem se formar, mas apenas uma minoria irá ganhar asas em tempo recorde.


Custo de formação acessível

Para finalizar, vamos para o ponto mais maquiado de todos: o custo da formação.

Tempos atrás, cheguei a ver uma matéria que me deixou pasmo, tamanha a desonestidade imposta. Após mostrar todos os frutos que vimos ao longo desse artigo, chegou a hora da matéria exibir o investimento necessário. Eis que eles exibem o valor… Apenas do PP!

Para um leigo que está assistindo não há nenhum erro, afinal, eles apresentaram o custo para “se tornar piloto”, mas em nenhum momento explicaram que esse era o valor do curso de Piloto Privado, e que com essa primeira habilitação, ainda nem é possível trabalhar na profissão.

Felizmente vi tamanho joguete apenas uma vez. A maioria das matérias realmente diz o valor do PP + PC, porém, anda são necessários complementos.

Parte das divulgações informam apenas o valor das horas de voo, excluindo totalmente os custos do curso teórico, livros e manuais, CMA, CCT, taxas do voo de check e etc. É uma coisinha ou outra, mas que podem somar até R$ 5.000 nas contas, em valores de 2016.

Medalha de ouro mesmo, são os poucos que se preocupam em citar os cursos seguintes requeridos para os cargos citados, como o IFR, MLTE, Jet Training e ICAO.


Conclusão

“Ah rapaz, mas se as matérias fossem citar tudo isso, iria virar um documentário de uma hora”.

O ponto é que matérias como essa não estão vendendo o tomate da promoção do mercado da esquina. Não é algo supérfluo ou barato. Trata-se de um investimento de milhares de reais, que pode afetar a vida de uma família inteira, e que requer um planejamento muito maior do que dá a entender um video clip bonito de 5 minutos da TV local.

Na última alta do mercado de trabalho, houve um caso de um candidato pensando em vender a única casa, a fim de pagar a formação, ingressar no prometido emprego, e depois recolher os teóricos frutos. Calcule como este teria ficado ao ver seu principal bem material ser dissolvido em busca de uma promessa fantasiosa.

Em resumo: tornar-se piloto é possível para todos, mas requer uma pesquisa realista, fontes confiáveis e planejamento detalhado.

Propaganda por propaganda, até o cigarro já pareceu uma boa escolha.

Alexandre Sales
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