Quinta-feira à noite. Sentados em volta de um celular, quatro pilotos ouvem o briefing de weather pro dia seguinte dado pelo meteorologista da Lockheed Martin Flight Services que recebera o plano de voo. A tempestade tropical Karen ganha força subindo pelo Golfo do México, frustrando nossos planos iniciais de ir a New Orleans. No pátio do aeroporto de Stuart, um belo balneário situado na costa atlântica da Florida a meio caminho entre Orlando e Miami, um Piper PA 28 Archer III repousa, esperando a decisão dos que o levarão pelas 1600 milhas seguintes.
Uma imensa zona de alta pressão mantém o clima estável entre a Florida e Washington DC, nosso destino final. A Oeste uma frente fria com 3mil km de extensão se aproxima velozmente, e com o Karen chegando pelo Sul, sabemos que se não sairmos amanhã da Florida, há boas chances de não fazermos mais o voo.
Rodrigo Anderman, colega de longa data, também comissário de voo no Brasil, está prestes a checar o IFR e iniciar seu curso de Piloto Comercial na Treasure Coast Flight Training, escola que nos alugara o Archer. Eu, formado PC também nos Estados Unidos no ano anterior, aproveitei as férias pra somar mais horas à minha logbook, e esse voo prevê quase duas dezenas delas.
No outro dia pela manhã, pegamos nossas coisas. Pesamos as bagagens, estamos com cerca de 100 libras abaixo do peso máximo de decolagem do Archer, o que combinado às longas pistas onde pousaremos, nos dá uma boa margem de segurança dentro dos limites de performance do avião. Hora de passar no Starbucks, comer alguma coisa e partir pro aeroporto. Entre acertar os detalhes finais e checar o weather mais uma vez, acabamos decolando quase às 11h. Fazemos o preflight, acionamos os motores, pegamos o ATIS de Stuart (KSUA) e pedimos o taxi até a pista em uso. A ideia é decolarmos curvando à esquerda e subirmos acima da camada esparsa que se encontra a 4mil pés.
“Stuart tower, Cherokee niner two five zero zero ready for take off, VFR departure to the North”
A torre autoriza a decolagem da pista 12 e em poucos minutos estamos pedindo nosso flight following com o Miami Center. Duas horas voando a 7500 pés sobre a nossa velha conhecida Florida, subindo a Victor 3 entre o Class Bravo de Orlando e a área restrita do Cabo Canaveral, passamos ao Orlando Approach, depois Daytona Approach, até chamarmos Jacksonville, última cidade grande do norte da Florida. Pousamos por volta de uma da tarde em Craig, onde fica o aeroporto executivo de “Jax”.
Enquanto nosso monomotor a pistão de asa baixa é reabastecido com os 19 galões de AvGas que consumiu na primeira etapa, pegamos o crew car do Sky Harbor, um dos FBO’s de Craig, para irmos almoçar. É bastante comum que os FBO’s (fixed based operations) nos EUA tenham automóveis como cortesia para quem abastece neles. Uma hora depois, estamos de volta. Pago a conta de 114 dólares do combustível e, após uma breve checada do weather, decolamos para a segunda e mais longa perna do dia. Acostumados a voar até no máximo Hilton Head, na Carolina do Sul, essa etapa será cheia de novidades. Rodrigo está como piloto em comando e eu faço as comunicações e navegação, no que lembra muito o esquema “pilot flying/pilot monitoring” de avião multicrew. Já na decolagem, precisamos driblar o Class Charlie de Jacksonville e o espaço aéreo da base naval de Mayport. Uma camada local a 1500 pés nos prende bem próximos ao chão. Embora a aeronave e eu sejamos homologados pra voar IFR, a ideia é mantermos o voo VFR. Alguns minutos na direção nordeste e estamos sobre o mar, livres da camada, e podemos subir agora, já entrando na Georgia e com proa direta para Charlotte, na Carolina do Norte. Com nuvens se formando no final de tarde cada vez mais altas, avisamos ao controle que subiremos para 9500 pés. Nos Estados Unidos, voos VFR recebem vigilância se pedirem – como é o caso do flight following – e o nível de transição do país todo é 18mil pés, e vamos ajustando o altímetro a cada controle que nos assume. Sobrevoamos Savannah, depois Columbia, e seguimos na proa 015 para Charlotte. Três horas de voo depois nos aproximamos de Monroe, cidade vizinha a Charlotte onde fica o aeroporto executivo que atende à cidade mais importante da Carolina do Norte. Avisamos ao controle de Charlotte que temos o aeroporto à vista e que não chegaremos a entrar no Bravo da cidade – que como um bolo de noiva invertido, deixa espaços para que se voe por baixo dele.
“Cherokee five zero zero, squawk VFR, frequencie change approved, good day”
A pista de 6830 pés (2250m) está em obras, e apenas 3500 pés estarão disponíveis para o pouso. Escutamos ao AWOS – espécie de ATIS gerado automaticamente por sensores, bastante comum em aeroportos não controlados – e com vento calmo e nenhum tráfego no circuito ou no TCAS, Rodrigo se aproxima pela cabeceira da 05 e circula para pousar na 23. Gastamos menos de metade da pista para desacelerar, e taxiamos para o pátio. O balizador do FBO nos indica onde parar.
Para diminuir o risco de acúmulo de água por condensação no pernoite da aeronave, pedimos para que já abasteçam o Archer, que ficará em Monroe naquela noite enquanto nós dormiremos em Charlotte. Alugamos um carro ali mesmo no FBO e seguimos para o hub da US Airways. A cidade é simplesmente encantadora, com prédios muito bonitos no seu centro novo, e pessoas muito amáveis e bem humoradas. Sexta-feira à noite, após deixarmos as bagagens no hotel e de banho tomado após o dia todo voando, seguimos eu e Rodrigo a pé para o Epicenter, uma galeria aberta que reúne vários barzinhos e muita gente animada. Na volta para o hotel, ainda fazemos uma escala no Hooters. Lá recebemos a ligação de Paulo e Lucas, que haviam saído na quarta-feira de Stuart em um Cessna 172M também da Treasure, e já estavam há dois dias em Manhattan. Eles nos contam empolgados de como é passar no corredor visual do Hudson – de certa forma semelhante aos nossos no Brasil, e caso raro nos EUA – e das voltas que deram em torno da Estátua da Liberdade – ou simplesmente “the Lady”, como todos reportam na fonia. Combinamos que no dia seguinte eles seguirão para Washington DC e que nos encontraremos lá, em um aeroporto fora da ADIZ (Air Defense Identification Zone), que circunda toda a capital americana por motivos óbvios.
“Qual o designativo?” pergunta Paulo, no que respondo “KRMN”.
Rodrigo e eu voltamos para o hotel, queremos dar uma volta na bela Charlotte de manhã antes de seguirmos para Washington DC. Tanto nós, em Monroe, quanto eles, em White Plains, estamos a menos de 3 horas da capital.
No dia seguinte, acordamos cedo e encontramos a cidade mobilizada numa caminhada, todos de rosa. Acompanhamos o pessoal por um tempo, até chegarmos ao Starbucks. Fotografamos a bela cidade agora de dia. Voltamos para o hotel e fazemos o checkout. Paulo e Lucas estão presos em White Plains: um nevoeiro mantém NY abaixo dos mínimos para VFR. Enquanto esperamos, eu e Rodrigo resolvemos aproveitar o carro e vamos conhecer Charlotte International (KCLT), hub da US Airways e um dos mais importantes aeroportos do país. Visitamos a “Airport Overlook Area”, um grande estacionamento e área com árvores, mesas de madeira e bancos. Um lugar reservado, como o próprio nome diz, pra quem quer passar o dia vendo aviões. Localizado a poucas centenas de metros de uma das 8 cabeceiras do aeroporto, dá uma vista privilegiada do pátio, com a “skyline” de Charlotte ao fundo. Ficamos quase duas horas lá vendo Dashes, Airbuses, Boeings, Embraeres, Bombardieres, e seja lá quais forem os plurais deles. O tempo melhora devagar em New York
City. Voltamos para Monroe e estudamos um plano B: a frente fria está veloz, chegará a Charlotte em menos de 24 horas. Nos resta escolher não para onde voaremos, mas onde ficaremos presos. Asheville, uma charmosa cidade nas montanhas, pareceu uma boa pedida.
Enquanto decidíamos o que faríamos se Paulo e Lucas ficassem presos em New York comendo um delicioso steak, eles ligaram.
“Estamos decolando em 20 minutos!”
Terminamos o almoço e corremos para o aeroporto. Stafford, nosso destino, é um aeroporto regional não controlado, com aproximações RNAV, VOR e ILS, e fica a apenas 5 milhas da ADIZ de Washington DC, e a escolhemos pois não havíamos feito o curso pra voar no espaço aéreo restrito da capital e preferíamos um aeroporto próximo e com boas opções se fosse preciso voar IFR. Como nosso destino ficava a sudoeste de Washington DC – o que faria com que Lucas e Paulo dessem uma volta grande pela Baía de Chesapeake para livrar a área restrita, e nosso Piper era mais rápido que o Cessna deles – sabíamos que mesmo saindo depois, chegaríamos quase juntos.
Não deu outra, após passarmos ao controle do Washington Center, com controladores extremamente cordiais, anunciamos a descida, com cerca de 2 horas e vinte minutos de voo.
Antes mesmo de avistarmos Stafford e nos aproximando da ADIZ a 200km/h, o controlador nos deu “radar services terminated”. Com o auxílio do GPS e da Sectional local (carta VFR), vimos Stafford quando já começava a escurecer. Reportando minha posição, entrei 45 graus na left downwind (perna do vento) da pista 33, fazendo o circuito de tráfego padrão. Pousamos, livramos a pista e enquanto desligávamos o motor, os rapazes se aproximaram, haviam
pousado 15 minutos antes.
“Não tem rental car, o FBO já está fechando, e outros pilotos já pegaram o crew car” – lamentou Paulo.
Sentados nas escadas do FBO com o notebook no colo enquanto um YS-11 acionava os motores no pátio em frente, buscávamos um hotel em Washington DC enquanto esperávamos o táxi. O voo fora bem planejado, o pernoite, nem tanto. O taxista chegou, e por 110 dólares, nos levou de Stafford até o hotel que havíamos encontrado na internet, a 40 milhas dali, próximo às grandes atrações da capital. Acabamos trocando de hotel, mas ficamos pela região.
Para fechar a noite, fomos até Adams Morgan, onde se concentram os barzinhos de Washington DC.
A frente fria vinha veloz, estava a poucas centenas de milhas a Oeste. Mas aquele domingo foi ensolarado, e enquanto decidíamos se iríamos embora antes de ela chegar ou não, alugamos bicicletas e fomos conhecer a capital. Do Lincoln Memorial ao Capitólio, passando pelo obelisco e pela Casa Branca, foi uma passeio inesquecível. A cidade é absolutamente linda. Diferente de outras cidades americanas, tem um ar extremamente europeu, e lembra um pouco Buenos Aires, embora bem mais imponente e arejada. Na volta para o hotel, após o almoço, paramos entre o museu aeroespacial do instituto Smithsonian, que infelizmente estava fechado pelo shutdown – recesso provocado pela negociação do orçamento no congresso americano – e o enorme prédio da FAA. A polícia e o serviço secreto haviam, em questão de minutos, fechado todas as saídas da avenida, e de repente, um comboio de carros típico do transporte de chefes de estado passou à nossa frente. Não duvido que fosse o presidente Obama.
Voltamos para o hotel, checamos as progcharts, imagens de radar e fotos de satélite. O riquíssimo site do NOAA tinha muitos recursos que nos davam uma certeza: em menos de 6 horas a frente fria chegaria. Mas muito provavelmente, provocaria tempo ruim por apenas um dia. Diante deste fato, achamos mais seguro ficarmos do que nos arriscarmos a iniciar a volta, à noite, com mudança de tempo pela frente. Mudamos para um hotel mais barato e até melhor, em frente à sede da NASA, e decidimos que no dia seguinte alugaríamos um carro e iríamos a Stafford: o Archer havia perdido a bomba de vácuo mecânica no voo da vinda e, ainda que não fosse requerimento pra voos VFR diurnos e contássemos com uma auxiliar elétrica, ligamos para a escola que nos apoiou na decisão de trocá-la. Tentamos naquela noite jantar no Harbor, espécie de equivalente da capital americana às Docas de Belém ou ao Puerto Madero de Buenos Aires. Não deu certo, o belo conjunto de restaurantes debaixo da curva base da 19 do Reagan estava fechado para janta. Fomos parar num simpático restaurante no centro da cidade e voltamos a favor do vento caminhando a pé no início de madrugada uns dois quilômetros até o hotel, passando por vários monumentos importantes no caminho.
Na manhã seguinte, a frente fria havia chegado. Alugamos um carro no belíssimo aeroporto nacional Reagan, às margens do Potomac River, e deixando o Pentágono à direita, pegamos quase uma hora de estrada debaixo de chuva torrencial até Stafford. A peça levaria toda a noite para chegar e a mecânica só poderia trabalhar no avião no dia seguinte. Voltamos para DC e jantamos em um espetacular restaurante libanês. Terça deixaríamos o hotel e decolaríamos após o conserto da bomba de vácuo. Ou não.
Na terça-feira o tempo estava bem melhor, com tetos altos, mas ainda havia formações pesadas para o Sul, e pensávamos numa rota alternativa, a Oeste dos Apalaches. Já havíamos devolvido o carro alugado, e estando a pé no isolado aeroporto de Stafford, decidimos ir almoçar de avião. Tiramos as bagagens todas do Cessna 172 para colocá-lo de volta no envelope e decolamos os quatro nele, Paulo e Lucas pilotando e eu e Rodrigo de passageiros. A visão dos Apalaches era incrível, e apenas 20 minutos após a decolagem começamos a aproximação para Front Royal. A pequena pista cercada por vegetação já amarelada do Outono nas montanhas da Virgínia já estava à nossa frente quando um dos flapes subiu. Imediatamente Lucas e Paulo recolheram todos os flapes corrigindo a assimetria e iniciamos a arremetida. Eles decidiram alternar Winchester, poucas milhas ao Norte pelo vale, com uma pista muito maior à nossa disposição. Pousando lá sem flapes, procedimento treinado tanto no curso quanto no voo de checkout, que um piloto faz com um instrutor da escola quando vai alugar uma aeronave pela primeira vez, livramos a pista, paramos no pátio e fomos testar os flapes. O da asa esquerda parecia estar agarrado de alguma forma, e tendo ligado pra escola, decidimos que poderíamos voltar sem eles, uma vez que apenas operaríamos pistas longas e em baixas altitudes. Pegamos o crew car do FBO, almoçamos um ótimo steak por lá, e no fim da tarde estávamos de volta a Stafford. Os dois aviões estavam prontos para o voo da volta. Fizemos três circuitos de tráfego com o Archer, para testar a bomba de vácuo e a GoPro, colocada na asa. Rodrigo, na esquerda, fez o primeiro e o terceiro pouso, e eu, na direita, fiz o segundo, com Lucas atrás como passageiro. Dormimos num hotel a poucos quilômetros do aeroporto, jantamos muito bem no Ruby Tuesday, e no dia seguinte, decolamos em meio a um dia nublado com névoa úmida pouco depois das 10 da manhã.
A volta seria épica, com um voo em formação de mais de 500 milhas. Por causa do teto, mantivemos 2500 pés na primeira hora de voo, e em coordenação com o controle de tráfego, ficamos a cerca de uma milha um do outro. O Cessna à frente fazia a fonia com o centro Washington, e nós, no Archer atrás – escolhemos assim porque voávamos mais rápido e não tínhamos janelas traseiras – mantínhamos a escuta do ATC no radio 1, a frequência livre no 2 para nos comunicarmos com o Cessna, e o transponder em stand-by para não gerar conflito nas telas de radar do controlador em terra – o que nos tirava o TCAS também. Mais para frente, com o tempo melhorando perto de Greensboro, e antenas de 900m de altura na proa, subimos para 6500 pés e pudemos tirar várias fotos ótimas da primeira etapa em formação. Com um vento de cauda nos dando ground speeds de até 130 nós, chegamos em Monroe-Charlotte a tempo de almoçar. O plano era entrarmos na Florida, onde estávamos acostumados a voar, à noite. Seriam duas horas ainda de voo até Stuart, base da Treasure, mas estaríamos num estado que conhecíamos muito bem. Antes de decolar, não resistimos a visitar um Curtiss C-46 que estava sendo pintado por um senhor que voara a imensa aeronave de transporte em 1944, quando era mais novo que nós. Eles nos levou ao interior do avião, e nos contou alguns detalhes sobre a aeronave, que ainda estava operacional e rodava o país em shows aéreos.
Decolamos para Georgia, Brunswick McKinnon (KSSI), destino que conhecíamos bem também, e que serviria perfeitamente como escala no caminho entre Charlotte e Stuart. Nesta etapa, com sol e tempo muito bom, eu pilotando o Archer e Lucas o Cessna, pudemos nos aproximar mais e conseguir tomadas espetaculares de vídeo e foto, num voo que ficará marcado na nossa memória. Pousamos no Sul da Georgia sob um belo final de tarde, com o sol dourando toda a paisagem. Antes de seguirmos viagem, comemos bata doce frita e tomamos sweet tea no Southern Soul, famoso barbecue local.
Na volta pro aeroporto, encontramos um belo Gulfstream pousado em frente ao FBO, cujo piloto, baseado em Las Vegas, era brasileiro. Tendo nossas aeronaves abastecidas para a etapa final de pouco mais de duas horas, o Cessna apresentou problemas nas spark plugs.
Pane comum nos Cessnas 172 e 152, o motor não conseguia produzir o tanto de potência para o qual fora fabricado, algo facilmente identificado no “run up”, check que fazemos antes de cada decolagem. Lucas e Paulo fizeram seguidas vezes o procedimento de limpeza das spark plugs, que às vezes acumulam o chumbo do combustível, em especial se a mistura usada for mais rica do que a necessária. Mas por segurança, como elas não responderam bem, resolvemos cancelar a perna noturna para a Florida. Do nosso lado, um reluzente Diamond-42 da prestigiosa Embry-Riddle também estava com problemas, mas tendo sanado o mesmo e contando com dois motores, voltou para sua base em Daytona Beach naquela mesma noite.
No dia seguinte pela manhã, Lucas e Paulo foram providenciar um mecânico para limpar as spark plugs manualmente, e eu e Rodrigo decolamos no Archer para Stuart.
A chegada em Stuart reservava algumas surpresas. Eram quase uma da tarde quando deixamos Vero Beach e Fort Pierce para trás. Rodrigo deu a ideia de praticarmos uma approach IFR simulada. Pedi ao Miami Center, que coordenando com Palm Beach Approach, nos autorizou a executar, em VFR, a aproximação RNAV da pista 30 em Stuart. Fizemos a aproximação toda, tendo apenas que reportar quando “inbound” para Palm Beach e sobre o fixo “Aross” para a torre de Stuart, que nos autorizou o pouso na pista 30. O vento, naquele momento, era de 010 com 12 nós. Como havíamos combinado, Rodrigo me passaria os controles e eu pousaria na direita, já que era meu último voo no Archer antes de voltar para o Brasil. A cerca de 500 pés, na final longa da 30, assumi os controles. No entanto, o vento de través estava desestabilizando minha aproximação mais do que eu esperava, e não me sentindo confortável, arremeti. A torre me instruiu então a entrar já no left downwind da 34 e pousar nela. Durante a perna base, ela cantou o “winds check”, com ventos de 020, 12 nós e rajadas de 18 nós, e após brigar bastante com os ventos que turbilhonavam em árvores ao lado da pista, estabilizei a aproximação e comecei o flare. Tendo passado a marca de mil já há alguns segundos e na dúvida se haveria pista suficiente para parar já que usava menos flap que o normal e uma Vref maior por causa do vento, arremeti novamente. A torre perguntou se estávamos fazendo “go arounds” e eu disse que tínhamos tido duas aproximações desestabilizadas seguidas, e por isso as duas arremetidas. Um pouco contrariado por não conseguir realizar os dois pousos, pedi para o Rodrigo, que na esquerda estava em posição privilegiada, onde temos muito mais experiência, para que pousasse.
Ele conseguiu negociar a aproximação turbulenta muito melhor do que eu na direita, mas no flare, o vento aprontou mais uma. Uma downdraft jogou nossa aeronave no chão com certa energia, e imediatamente quicamos, voltando a subir e já iniciando a descida com o nariz para baixo, num típico e perigoso movimento de bounced landing, em que se nada for feito, a aeronave quica seguidas vezes até perder o controle. Tendo vivido experiência idêntica apenas uma semana antes pousando um Cessna 152 na chuva, puxei o manche para mim por reflexo chamando o Rodrigo para segurar nosso pitch positivo, na posição normal de pouso. Fomos drenando a velocidade até tocar a aeronave suavemente em segurança no solo novamente.
Após o susto, livramos a pista, e com a missão de voar 1600 milhas em dezessete horas de voo cumprida, desligamos o avião e o descarregamos. No meio da tarde, Lucas e Paulo pousaram em Stuart, e nosso voo, o melhor da minha vida, estava terminado. Rodrigo, que fizera seu primeiro time-share comigo pra Hilton Head e o último, estava com as horas de piloto em comando suficiente para checar seu IFR e mesmo iniciar o PC. Quem também começaria a voar o Seneca logo após esse voo era Lucas, que batera sua meta – o requerimento para começar o comercial é 200 horas, e para checá-lo, 250. Quem ainda tem muitos voos para fazer é Paulo, que tem quase 90 horas de navegação pela frente enquanto cursa o IFR. Ele e outros colegas nossos brasileiros que também estão no curso planejam um voo para a California. E vocês, duvidam que eles conseguem? Eu não.