Exorcizando o “fantasma” da arremetida

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Mesmo tendo apenas pouco mais de vinte horas de voo enquanto lhes escrevo este artigo, posso lhes dizer que já passei pela experiência de precisar arremeter um pouso. E parafraseando uma antiga e famosa propaganda, a primeira arremetida a gente nunca esquece. Lembro-me muito bem de como aconteceu:

No último voo antes da avaliação que me liberaria para o voo solo, estava eu curvando para a perna do vento, logo após a torre autorizar meu ingresso no circuito de tráfego. No mesmo instante, pude escutar na frequência uma aeronave a reação também aproximando-se para pouso, no setor oposto ao meu. Por uma questão óbvia de performance, cedi passagem e dei prioridade de pouso à outra aeronave. Naquele momento, os veículos de inspeção aguardavam o próximo pouso, de qualquer aeronave que fosse, para ingressar na pista e cumprir com sua função. A mim, portanto, coube lidar com essa situação.

Prolonguei a perna do vento, a fim de dar aos inspetores todo o tempo possível para concluírem sua tarefa. Já estabilizado na longa final, era possível ver as luzes dos veículos de inspeção circulando na pista. O fato de ser um fim de tarde tornava essa percepção ainda mais fácil. Naquele momento, algo me disse que os veículos não teriam tempo de finalizar a inspeção antes do meu pouso ser autorizado. Já preparado para reagir, recebi a confirmação da torre quando estava na curta final:

– “PR-EJS, inicie aproximação perdida, reporte na perna do vento”.
– “Iniciando arremetida, reporta na perna do vento, EJS”.

Após cotejar a instrução, apliquei potência máxima, mantive flaps estendidos e luzes de pouso acionadas, confirmei instrumentos no arco verde aos 400ft AGL e curvei para a perna do través aos 500ft AGL, tal como faria em uma decolagem. A segunda aproximação ocorreu sem maiores surpresas, e ao final, fiquei feliz em ver o instrutor satisfeito por eu ter dado conta da situação.

Sejamos francos: não há nenhum heroísmo no que eu fiz. Arremeter é tão comum quanto pousar ou decolar, e essa deveria ser a percepção de todos a respeito dessa manobra. Infelizmente, o procedimento foi tão negativamente explorado pela imprensa que muitos se assustam com ele – inclusive, muitos pilotos em formação, a quem a palavra “arremeter” também assusta. Então, como podemos reverter esse quadro?

Existe algo que todos nós, pilotos e passageiros, precisamos ter consciência: é melhor arremeter do que forçar um pouso. Muitos incidentes de CFIT, excursão de pista e similares aconteceram porque pilotos insistiram em pousar quando não deveriam. Na aviação, como sabemos, tudo que vem após a frase “acho que dá” também não costuma terminar bem. E inúmeros são os casos em que vidas teriam sido salvas se pilotos não tivessem tentado a sorte contra os ventos, a falta de visibilidade ou qualquer outra condição de incerteza.

Vale criarmos uma consciência entre pilotos e passageiros: quando estiver prestes a pousar, esteja psicologicamente preparado para arremeter – e não se assuste se isso acontecer. Como dizem os pilotos mais experientes, “o pouso é apenas uma arremetida que não deu certo”.

Ainda com medo de arremeter? Confira a tranquilidade dos pilotos aos 04:35 do vídeo abaixo:

[youtube https://www.youtube.com/watch?v=T0tZTYR_2JU&feature=youtu.be]

Luiz Cláudio Ribeirinho
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