Não é a primeira vez. Não será a última. Desde o início, a aviação foi duas coisas: intimamente ligada à economia, uma vez que é dinheiro que faz avião voar; e cíclica, já que a própria economia o é.
A primeira coisa que precisamos saber enquanto entramos no aparentemente desconhecido é que isso já aconteceu antes. Várias vezes. Agora, uma coisa é entrar IMC sem ser treinado pra isso. Outra, é fazê-lo voando por instrumentos e com um bom briefing. Não vamos fazer uma análise profunda de números, apenas identificar as tendências, riscos e oportunidades que esta situação traz.
Tudo começou a desandar no final de janeiro quando, após alguma resistência, a China comunicou ao mundo que o novo vírus era, primeiro, novo mesmo; e segundo, que ele precisava ser contido de qualquer forma. O quanto dessa história toda é manipulada ou manipulável, está aberto a debates acalorados, mas o fato é que nas semanas seguintes, com o surgimento de casos mundo afora, as pessoas primeiro foram proibidas de viajar, e depois, elas próprias deixaram de fazê-lo, e isso começou a ter um impacto gigantesco na aviação. A quantidade de passageiros simplesmente despencou em questão de dias, quase tanto quanto o valor de mercado de companhias aéreas e fabricantes, numa histeria não totalmente sem precedentes, mas que resume variações de meses e até anos em poucos dias, num movimento totalmente artificial. Afinal, nada justifica que uma companhia aérea ou fabricante perca metade do seu valor em duas semanas, sendo que sua capacidade produtiva está intacta.
O mesmo se aplica à economia em geral: temos uma freada brusca da produção e consumo que não reflete a realidade. Não é uma questão estrutural: não perdemos metade das fábricas, nem morreram metade dos funcionários. É apenas uma parada gerada por medidas públicas e pela própria desconfiança da população. A desconfiança da população é fácil entender: desde medos infundados de ser sorteado numa espécie de loteria ao contrário da contaminação até receios bem mais palpáveis de ficar impedido pelas autoridades de voltar para casa, ou acabar em quarentena em algum lugar, é relativamente simples compreender esse tipo de decisão pessoal de deixar de consumir, e principalmente viajar. Já as restrições por parte de governos e até organizações privadas tem outro motivo, bem mais objetivo: o problema do Covid-19 não é sua letalidade, que dados recentes mostram ser menor que muitas outras doenças que já enfrentamos antes, mas a taxa de hospitalização dos infectados, que pode chegar a 20%. Como o vírus é altamente eficaz em se espalhar, se o número de infectados for semelhante ao da gripe comum, por exemplo, o sistema de saúde dos países simplesmente não terá como lidar com a quantidade de doentes. Então, a ideia é retardar a epidemia o suficiente para que uma vacina eficaz e um tratamento sejam desenvolvidos. Esse é o motivo da parada nas viagens aéreas, congressos, shows, e portanto, algo que deve acontecer de forma escalonada pelo mundo nos próximos meses. A China, onde tudo começou, parece já ter passado pelo pior, mas boa parte da Ásia, Europa e os Estados Unidos estão só no começo. A favor está o clima, pois é fim de inverno por lá. No Brasil, e no restante do hemisfério Sul, o vírus vai chegar com força junto com o frio, o que não é bom. Mas pode não ser determinante: houve uma epidemia de gripe no verão brasileiro, simplesmente porque a o vírus que se espalhou no país era já uma mutação além daquela que a vacina cobria – e sim, é o mesmo H1N1 que causou tanto alvoroço alguns anos atrás.
De qualquer maneira, este não é nosso foco nesse artigo, mas sim o impacto na indústria da aviação. Diante da queda brusca nas viagens aéreas e das restrições impostas por diversos países, as companhias aéreas tiveram que cancelar boa parte de sua malha. E mesmo o que sobrou, leva cada vez menos gente. Só há uma maneira de conter essa sangria: parando aviões e pessoal. Companhias que já enfrentavam dificuldades já começam a parar de vez, como foi o caso da Air Italy e da Flybe. Há candidatas fortes para juntarem-se a elas em breve, infelizmente, mas por enquanto, não dá para colocar a culpa no vírus. Ano passado quase três dezenas de companhias pararam de operar, e nada indicava que o número desse ano seria muito mais animador. A aviação já vinha, como a economia, aproximando-se de um pico. Os fracos números nas vendas de novas aeronaves já indicavam isso. O que o vírus fez foi, talvez, adiantar algo que era inevitável, e dessa forma, algumas coisas positivas devem surgir.
Sim, não é o fim do mundo, da espécie humana nem das viagens aéreas. Como a China desacelerou enormemente, os preços do petróleo despencaram, e isso vai ser uma alívio enorme para as companhias. No Brasil, com a desvalorização do real, o benefício vai ser menor, mas vai existir também. A exemplo do que foi feito com companhias asiáticas, países que exigem uma frequência mínima para garantia de slot em determinada rota estão estudando suspender a medida na crise, o que com certeza preservará muitos empregos no médio prazo, afinal aviões voando vazios só para manutenção de uma rota não são benéficos pra praticamente ninguém. E o próprio baque na economia pode significar um ajuste saudável na euforia que vinha se somando nos últimos anos, não muito menos descabida que a histeria que se está vendo nas últimas semanas. E isso, tem tudo a ver com a aviação.
Como já dito antes, a crise é conjuntural, não estrutural: tudo que precisamos para produzir e consumir continua existindo, pronto para ser usado. Então, assim que o vírus esteja sob controle – ou descontrolado mas sem maiores consequências, como aconteceu com epidemias anteriores – o mercado vai voltar, e vai voltar forte – afinal, boa parte do dinheiro que as pessoas e empresas pensavam em gastar, está sendo poupado. Apesar da subida íngreme, o nível de ocupação dos voos não deve voltar para onde estava ou acima disso imediatamente, mas para um ponto provavelmente na metade do caminho da queda pelo menos – Fibonacci não costuma errar. E dali, deve seguir retomando civilizadamente o crescimento até níveis próximos dos de antes do Covid-19. Se conselho fosse bom, a gente vendia. Como estamos dando, apenas some essa análise a outras e às que você mesmo está fazendo. Se essa retomada acontecer até o meio do ano, seria o melhor cenário possível para quem já está empregado, pois evitaria muitas licenças não-remuneradas e, em último caso, demissões. Agora, quanto mais ela demorar, melhor para você, que está iniciando sua formação.
A aviação – e as contratações e demissões – acontecem em parábolas. Estávamos no topo de uma, e se a crise durar o suficiente ou for mal administrada, as turmas suspensas e licenças se transformarão em turmas canceladas e demissões. Isso ainda não é o mais provável, mas é sempre possível. De qualquer maneira, em algum momento – possivelmente entre 3 meses e um ano – haverá uma retomada, e como senioridade é tudo na aviação, quem entrar logo no começo dessa retomada tem boas chances de manter seu emprego na próxima queda – que virá, como essa e as anteriores vieram. No Brasil especificamente tivemos períodos bem fracos entre 2002 e 2003, entre 2008 e 2009, e entre 2013 e 2014. Dessa vez, como você pode perceber, demorou mais para termos uma queda acentuada. Foram quase seis anos bons – o que jamais significou que havia empregos para todo mundo, afinal todo campo profissional carece de qualidade mais que quantidade, e cabe a nós nos esforçarmos para não sermos apenas “mais um”, mas sim aquele melhor que outros. De qualquer forma, dá quase para afirmar com certa margem de acerto que teremos um bom período começando em 2021. O quão longo ele será, depende de muita coisa, externa e interna. Mas como donos de nossas carreiras, nós sempre temos que estar prontos para três coisas, conseguir, manter e perder um emprego. É uma tarefa árdua, e você conhecerá muita gente que passou por diversas empresas. Isso acontece em boa parte porque há muitos fatores que não dependem do nosso mérito. Você pode ser o melhor piloto do mundo: se a companhia não precisar de você, ela vai te mandar embora. O contrário não é exatamente verdade, portanto nunca descuide da sua qualidade como profissional. Se você, como leitor do Canal Piloto, está pensando se começa, se continua ou se termina sua formação, bom… é na hora que o mercado está em baixa que você deve mesmo fazê-la. Aproveitar a disponibilidade de aviões, instrutores, promoções de hora de voo, e acelerar sua formação. Para estar pronto na retomada. Porque assim como a próxima queda, ela também é certa.