O piloto brasileiro, o espaço aéreo e o voo controlado

Artigo de Devanir Campos

A internet é uma ferramenta fantástica. Através dos mais diversos blogs e canais no YouTube é possível conhecer detalhes das mais diversas operações aeronáuticas no mundo. Quer saber como é o serviço ATC na Rússia? Quer saber como é um cruzamento da América do Norte para a Europa em um monomotor a pistão despressurizado? Tudo isso está a poucos cliques de distância, para quem é meramente curioso ou mesmo para quem quer aprender algo diferente.

Uma coisa que eu pude aprender bastante com a internet – e aí pode-se incluir, além dos canais de vídeo, os sites oficiais de diversos órgãos regulatórios – é que, no Brasil, os pilotos da aviação geral dão pouca ou nenhuma importância aos espaços aéreos, classificações e, principalmente, como isso pode influenciar a vida deles. Talvez por falta de costume ou mesmo por desleixo regulatório, as diferentes classes de espaço aéreo estão, para a maioria dos pilotos da AG, como os logaritmos estão para a grande população: uma coisa que você aprende para passar na prova, mas não irá utilizar na sua vida depois do colégio.

Vou contar um pequeno “causo” que presenciei que, apesar de iniciar sem qualquer relação com o assunto que trato neste texto, o desenrolar, sim, tem muito a ver.

Certa vez, ao conversar com um INVA que trabalha na região de São Paulo, comentei que nos EUA, mesmo em voos VFR, existe o costume de após a chamada inicial em uma área com serviço radar (que é quase todo o espaço aéreo norte-americano), informar além da sua posição e direção do voo, a altitude que o piloto está mantendo ou passando (caso seja subida ou descida), por exemplo: “PT-ABC posição X, proa de Y, a 3600 pés subindo para 5500”. Nota: Este é um procedimento que auxilia a segurança de voo em uma área de cobertura radar, pois instantaneamente o controlador consegue checar se o transponder da aeronave está transmitindo corretamente a informação correta de altitude. Afinal, podemos fazer alguns voos inteiros sem ter como perceber que o modo C do nosso transponder está com um erro substancial – diga-se de passagem, fundamental em espaços aéreos bem congestionados.

O INVA do exemplo acima me respondeu com um ar bem confiante: “Ora, isso é porque lá nos EUA existe espaço aéreo classe B, no qual os voos VFR são controlados. Aqui em São Paulo isso não existe. O controle não vai vetorar os tráfegos VFR, logo, não precisa falar isso”. Fiquei assustado com a quantidade de erros conceituais que o INVA conseguiu cometer em uma só frase. A única parte que ele acertou é que por aqui não existe espaço classe B.

Em seguidas conversas com outros pilotos, alguns profissionais e outros recreativos, consegui ter a mesma percepção: alguns de nós não estão entendendo o que significam os espaços aéreos que cruzamos todos os dias. Acredito que o fato de termos uma enorme área continental sem cobertura radar para quem voa nas altitudes de voo VFR, e sendo esta área classificada como espaço aéreo não controlado (na maioria, classe G), faz com que uma parte dos pilotos da aviação geral (AG) acabe passando poucas vezes na vida por espaços aéreos controlados.

Para começar, há uma diferença substancial entre voo controlado e vetorado. Muitas vezes um voo (seja ele VFR ou IFR) estará sob serviço de controle de tráfego aéreo e não estará sendo vetorado. Tudo bem, se você não se lembra: o serviço de vetoração radar é aquele em que o controlador de tráfego aéreo assume temporariamente a navegação da aeronave, dando direcionamento de proa, limites e altitudes a serem voados.

Da mesma forma, existem espaços aéreos que são controlados, mas não têm cobertura radar. Nestes, obviamente não haverá a vetoração, porém, os voos continuarão a ser controlados. Vejamos a TMA Londrina, por exemplo. De acordo com a carta ERC, a terminal é espaço aéreo classe D dentro dos seus limites verticais e laterais, porém, lá não existe serviço radar. Os controladores usam separação convencional – baseado em reportes dos pilotos e mantendo uma figura mental do que está acontecendo.

Os voos VFR que passam por espaços aéreos classes C e D (boa parte da TMA São Paulo, por exemplo), estão sempre controlados. O que vemos, no entanto, é que boa parte dos pilotos não entendem a diferença de estar VFR num espaço C e em outro, classe G. A grande vantagem de estar em espaço aéreo controlado é que você tem um serviço à sua disposição que aumenta a segurança do voo e a consciência situacional.

Em primeiro lugar, nos espaços classe C, o controle de tráfego aéreo é responsável por separar os voos IFR de todos os outros, mas também irá separar os voos VFR dos voos IFR. Isso sempre me causou confusão nas aulas de regulamento de tráfego aéreo de PP, pois é difícil entender o que significa na prática. Um piloto em comando de uma aeronave voando VFR sempre será responsável por manter sua própria separação horizontal e vertical de obstáculos e outros tráfegos. Porém, ao voar num espaço aéreo classe C, o serviço ATC irá sempre manter você a uma distância segura de qualquer outro tráfego IFR. Você continua voando visual, continua olhando para fora da aeronave, continua procurando evitar tráfegos, porém, o serviço de controle de tráfego aéreo adiciona um fator considerável de segurança à sua operação.

Somado a isso, você terá informação de tráfego, em relação a todos os outros tráfegos VFR voando naquele espaço aéreo. Isso dá ao piloto VFR um aumento de segurança formidável.

Já num espaço classe D, ainda assim controlado para voos VFR, o piloto deverá manter a sua própria separação de todos os demais tráfegos, porém, por ser o voo VFR controlado, o controlador de voo irá mantê-lo ciente de todos os outros tráfegos no setor, estejam estes voando sob VFR ou IFR. Por simplicidade ou até falta de costume, vejo muitos pilotos brasileiros no dia a dia evitando espaços aéreos controlados. Para evitar a burocracia de ter que se comunicar com um órgão de controle, muita gente acaba preferindo voar em espaços G e, por isso, acaba não usufruindo do grande benefício à segurança que é voar em espaço aéreo controlado. Ao voar VFR de um espaço G e se preparar para entrar em uma área terminal classe D, você é obrigado a chamar a frequência do controle. Não somente porque é uma área terminal ou porque o controle APP gosta, mas sim, por ser um espaço classe D, o que requer comunicação prévia para ingresso.

No sentido de ajudar o piloto brasileiro a entender um pouco melhor o espaço que ele habita com sua aeronave, acredito que o DECEA traria enormes benefícios para a segurança de voo brasileira se adotasse uma medida muito simples: adicionar às cartas de voo visual (as WAC) uma simbologia de espaço aéreo como as utilizadas nas cartas dos EUA, Canadá e Inglaterra. Hoje, nossas cartas de voo visual não possuem qualquer notação de espaço aéreo e, além disso, sequer tem indicações das áreas das TMA ou CTR.

Vejamos um exemplo de um piloto que queira voar VFR de SJGU (Araguatins, TO) para SNRR (Fazenda Aratu, Novo Repartimento, PA), passando pela TMA Marabá. Se o planejamento de voo for feito estritamente pela carta de voo WAC e informações do ROTAER, o piloto que não seja familiar com o espaço aéreo, e que não tenha a perspicácia de olhar as cartas de rota IFR, não saberá que existe ali uma área terminal, quais são os seus limites e que é um espaço aéreo classe D.

Em conclusão, acredito que com a modernização da frota, o aumento do tráfego aéreo e o consequente aumento de pilotos da AG, é muito importante que o centro de cartografia do DECEA revise a simbologia e informações das cartas de voo visuais. O aumento de tráfego aéreo no futuro parece ser uma evolução natural do cenário de economia e desenvolvimento do país. Com o aumento do movimento, é provável que vejamos mudanças que aumentem a necessidade dos nossos pilotos estarem mais atentos aos espaços aéreos, como por exemplo a implantação de espaços classe B, num futuro próximo. Acredito que é só questão de tempo até termos mais cobertura radar no Brasil, aliado ao suporte tecnológico ADS-B, que permitirá que boa parte dos espaços classe G se transformem em classe E, como aconteceu em boa parte dos EUA. Isso trará, simultaneamente, a necessidade de maiores informações para os nossos pilotos nas cartas de voo visual e, também, a necessidade de que os nossos pilotos entendam o que os espaços aéreos significam – o que parece não estar acontecendo hoje.

Devanir Campos

Alexandre Sales
Redes
Latest posts by Alexandre Sales (see all)