Artigo de Devanir Campos
Que o Brasil é um dos maiores mercados da aviação geral no planeta, disso não temos nenhuma dúvida. Um país de dimensões continentais como o nosso tem no avião um aliado importantíssimo para o desenvolvimento. De acordo com dados do anuário da Associação Brasileira da Aviação Geral (ABAG), são quase 15.000 aeronaves classificadas como AG no Brasil, com uma boa tendência de crescimento para os próximos anos.
Apesar da frota considerável, ainda sofremos constantemente com a falta de infraestrutura aeroportuária e de espaço aéreo, deixando os níveis de fluidez do tráfego e, em tempos, a segurança das operações, abaixo do que vemos em países mais desenvolvidos. Além disso, como conhecemos bem o país em que vivemos, também é fácil concluir que nenhuma mudança substancial irá ocorrer num curto prazo. Não vamos ter grandes investimentos em cobertura radar a baixa altitude, nem a criação de espaços aéreos classe B nas grandes terminais. Não teremos aeroportos regionais com mais de uma pista ou aeródromos não controlados com procedimentos IFR RNAV. Isso tudo é coisa que ainda parece estar em outra dimensão.
Porém, alguns poucos exemplos que existem fora do Brasil podem ser adotados por nós, para aumentar a segurança e consciência situacional, sem necessitar investimentos ou grandes mudanças culturais. Não quero parecer aqui um “puxa-saco” profissional dos norte-americanos. no entanto, não é possível negar que lá a AG é muito maior que a nossa e, mesmo assim, a coisa toda funciona de forma mais fluida.
Um destes exemplos, e que foi parcialmente o assunto de um artigo anterior que escrevi, é a adoção de novas simbologias nas cartas de planejamento de voo visual. Na verdade, até o formato das cartas seccionais norte-americanas e canadenses é muito mais prático para o piloto do que as nossas WAC. Desde a forma como as dobras delas são planejadas – o que facilita a abertura de um pedaço destas cartas em voo – até a simbologia, contendo áreas terminais e espaços aéreos. A forma como as seccionais foram concebidas nos leva a crer que o intuito é a praticidade, uso e facilidade de compreensão.
As WAC, em comparação, parecem ser ótimas sobre uma mesa ampla, com uma régua e transferidor. Porém, uma vez no ar, tentar redobrar a carta para ver outro pedaço, enquanto você se adequa a uma indicação do controle de tráfego e luta contra as “pancadas” da turbulência, se torna uma tarefa bem complicada. Nem o seu formato se aproximando de um grande quadrado facilita, uma vez que boa parte dos pilotos da AG acaba usando as pranchetas presas à perna para navegar enquanto voa.
Outro exemplo é com relação às chamadas de rádio de todos os voos que não fazem parte da aviação comercial de linha aérea nos EUA. Pode parecer um detalhe bobo, mas em todos os voos da AG, usa-se o tipo da aeronave na chamada de rádio. Um piloto que esteja falando com a torre de um aeroporto, ou qualquer órgão ATC que venha a falar com um voo de AG, se comunica sempre iniciando pelo tipo do avião; a matrícula vem depois: “Torre Miami, Skyhawk N1234A na perna do vento pista 08R”, “Pilatus N98765, desça e mantenha 5000 pés, curve à direita proa 050”, “Coordenação de tráfego Marathon Keys, King Air N12312, perna do vento pista 07”.
Pare para pensar por um instante no quanto esta simples informação pode aumentar a consciência situacional dos pilotos próximos e na mesma frequência. Quando um piloto fala simplesmente a matrícula da sua aeronave, é quase impossível saber de qual equipamento estamos falando. Um genérico “PT-ABC” pode significar desde um singelo Cherokee 140, sofrendo para alcançar os 90 nós, ou mesmo, um moderníssimo Phenom 300, que em um piscar de olhos salta para mais de 200 nós.
Agora, imagine que vocês esteja se aproximando de um aeroporto não controlado que costuma receber uma gama bem variada de aeronaves. Você, no seu bravo Cessna 150, fazendo toque-e-arremetidas, ao entrar na perna-do-vento, ouve na frequência de coordenação: “Tráfego São João da Boa Vista, PT-CBA, 10 milhas fora, vamos ingressar na perna do vento pista 22 pelo setor sul”.
Se esta comunicação foi transmitida por um AeroBoero AB115, voando a cerca de 70 nós, 10 milhas significam cerca de 8 minutos e meio de voo, ou seja, tempo o suficiente para que você esteja praticamente tocando a pista. Agora, se o PT-CBA for um Citation 2, voando a cerca de 200 nós, as mesmas 10 milhas significam 3 minutos. Ele vai grudar em você se não reduzir praticamente para a Vapp muito rapidamente. Por outro lado, após a chamada do PT-CBA, você resolve alertá-lo que está na perna-do-vento. Se não disser que é um Cessna, a informação também não dá muita ideia para o piloto do PT-CBA se preparar. Saber o tipo de aeronave que vem atrás de você, ou que está à sua frente, faz muita diferença na hora de planejar os seus próximos passos, seja por conta de espaçamento ou, mesmo, esteira de turbulência.
Na maioria dos voos de AG não costumamos levar a esteira de turbulência em consideração, afinal, um Tupi decolando antes de um Skylane não terá um efeito tão relevante. Agora, e se o PT-ABC que já está no circuito for um King Air 350, aí a coisa pode mudar um pouco para o seu Cessna 150.
Acredito que o costume de falar o tipo da aeronave juntamente com o prefixo – o que requer absolutamente ZERO de investimento financeiro pelas nossas autoridades aeronáuticas, e não prejudica em nada a brevidade com a qual os pilotos devem se comunicar em voo – pode ser um bom agregador de segurança de voo, e trazer mais um nível de consciência situacional para os voos da aviação geral do Brasil. Basta apenas que este procedimento seja implementado, sugerido oficialmente pelo DECEA, ensinado nos aeroclubes, e praticado pelos pilotos. Não requer custos, treinamentos caros e nem mesmo mudanças na legislação.
Estes é apenas um pequeno exemplo de que, com simples mudanças, todos podemos contribuir um pouco para melhorar a nossa segurança no ar. A observação do que dá certo em outros lugares e adoção destas boas práticas pode ser um exercício muito bom, tornando o voo de todos ainda mais seguro.
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