Pelo Fim do “Black Cloth”

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Fim_do_Pano

A expressão não existe em inglês, mas no Brasil é bastante utilizada. “Pano preto” é o nome que se dá à prática de muitas pessoas quando o assunto é aviação. Em geral, quem está numa posição mais privilegiada o aplica aos que estão em posições menos privilegiadas. A coisa é tão crônica, que chega ao cúmulo de alguns instrutores fazerem pano preto com os alunos. É um conceito subjetivo, claro, que parte da suposição de que a pessoa que está lhe pedindo algum tipo de informação não tem repertório para entender o que você teria para dizer, ou então, não tem o privilégio para ficar sabendo disso ou daquilo.

Claro, há informações que são confidenciais por questão de contrato de trabalho. Então, nem tudo que você perguntar a alguém que trabalhe numa companhia aérea, por exemplo, a pessoa poderá responder com um nível de detalhes satisfatório. Mas e quando a pergunta é sobre conhecimento geral de aeronaves, operações, formação aeronáutica, e coisas assim? Cabe esconder a informação?
Uma das coisas que fizeram com que eu demorasse tantos anos para me tornar piloto foi justamente a falta de informações sobre qual caminho trilhar. E essa barreira começou a ser rompida por uma comissária – um beijo para você, Petrere – uma década atrás, com quem descobri que ser comissário era algo possível e plausível para as minhas condições financeiras na época. Mais tarde, deduzir como me tornar piloto, vivendo o meio da linha aérea por tantos anos, acabou sendo uma consequência natural.

Hoje, tenho a indizível alegria de trabalhar onde sonhei a vida inteira, na cabine de comando de um dos mais icônicos jatos de passageiros de todos os tempos. E como eu queria ter conversado com alguém na minha posição antes de chegar aqui! Todos os meus livros foram escritos pois eu queria lê-los e ninguém os havia escrito antes. Da mesma forma, cabe a mim passar o que sei para quem ainda não está mas deseja chegar onde eu cheguei. Embora eu ainda tenha toda uma carreira pela frente, já passei a fase mais crítica, de quando você deixa de ser um aluno e passa a ser um profissional. E tive o privilégio de ser aluno na maior aviação do planeta. Com um descompromissado artigo publicado por Raul Marinho no seu blog em 2012, antes mesmo do meu solo do PP, comecei a desenvolver o assunto, que depois foi abordado diversas vezes tanto no Para Ser Piloto quanto nos podcasts e artigos do Canal Piloto. Graças a isso, passei a ajudar todos que me procurem para saber sobre a formação na FAA. Meus últimos dois anos no Brasil têm sido focados muito nisso, ao ponto de este mês estar sendo lançado meu livro sobre o assunto.

A editora Bianchi me convidou a participar da sua série “50 Dicas Sobre Aviação” e foi um prazer fazê-lo com o título “Formação de Pilotos nos Estados Unidos”, que será lançado dia 22 de agosto (R. Dep. Joaquim Libânio, 254 – Vila Mariana, São Paulo – SP, 04120-090 – (11) 5579-0005). Será muito bom encontrar e conversar com tantos amigos e colegas sobre um assunto que nos fascina a todos, a formação aeronáutica, foco inclusive do título que será lançado no mesmo dia, pela mesma série, pelo grande Alexandre Sales, referência no assunto, e com quem terei a honra de dividir a mesa de autógrafos.

Essa semana, no entanto, tive um privilégio ainda mais raro. Embora eu recomende várias escolas para vários perfis de alunos e formação nos Estados Unidos, a escola com a qual tenho a relação mais estreita é a Treasure Coast Flight Training, que passei a representar depois de conhecer e voar lá algumas vezes. Com um clima de escola pequena mas com a organização e estrutura de uma escola grande, a Treasure Coast me surpreende cada vez que volto lá, e me sinto feliz de cada dia mais conhecer alunos que também estão ligados a ela de alguma forma. Essa semana estive na Flórida, após mais de um ano no Brasil, devido justamente à minha transição profissional. Claro que voltar aos Estados Unidos com a minha “missão cumprida” já foi, por si só, um momento de muita alegria para mim.

Exatamente dois anos e cinco meses depois de checar o Commercial na FAA, estou checado como SIC – segundo em comando – no Boeing 737 Next Generation pela ANAC, e não pude deixar de visitar a cidade onde me formei, e o aeroporto onde fiz meus primeiros voos: DeLand, próxima a Daytona Beach. Mas na volta a Stuart é que tive o ponto alto da viagem: um bate-papo com os alunos da TCFT sobre a linha aérea e a operação do Boeing 737. Com uma turma que incluía, além de brasileiros, estudantes da China, Guatemala, Nicarágua e Tchecoslováquia, conversamos sobre a vida após formado, seleção de companhia aérea, operação do 737, semelhanças e diferenças entre voar um Cessna 172, um Duchess e um jato. Foram duas horas extremamente agradáveis que espero que se repitam em breve.

Acredito que um dos maiores legados que alguém pode deixar, talvez o maior, seja justo seu conhecimento. Quanto mais se divide, mais se ganha. Poder fazer essa ponte entre Estados Unidos e Brasil tem me ensinado muito, e poder fazer dela uma via de mão-dupla é algo que sempre busquei. É uma pequena contribuição, para que um dia o “black cloth” seja coisa do passado.