Em um recente artigo, o comandante Flemming escreveu em seu blog um texto no qual ele questiona a necessidade de termos uma subdivisão do controle de tráfego aéreo na TMA São Paulo, exclusiva para os voos visuais. Em respeito total e incontestável à experiência e tempo de voo do comandante Flemming, escrevo este texto para, reitero, respeitosamente mostrar um contraponto à opinião dele.
O espaço aéreo de São Paulo é sabidamente o mais movimentado do país. Cheio de tráfegos VFR e IFR chegando e saindo de vários aeródromos, relevo bem variado, condições atmosféricas das mais dinâmicas… enfim, é um espaço cheio de desafios. Além disso, podemos adicionar o fator da infraestrutura aeronáutica brasileira, que é bem carente de investimentos em equipamentos e pessoal. Todos estes fatores equacionam um ambiente que é potencialmente perigoso se muito cuidado não for tomado.
Antes de falar mais da TMA SP especificamente, vamos nos transpor para o espaço aéreo que consideramos, muitas vezes, como exemplo de excelência em serviço de tráfego aéreo: as grandes terminais dos Estados Unidos. Se observarmos algumas áreas terminais bem complexas, como a área de Nova Iorque ou Los Angeles, veremos que existe uma infinidade de pequenos e grandes aeroportos – muito mais do que em São Paulo – condições atmosféricas bem variáveis, relevo desafiador… enfim, fórmula parecida (apenas parecida) com o nosso espaço aéreo. Lá nos EUA, a FAA adotou uma medida já prevista em todos os livros de regulamentos de tráfego aéreo, para lidar com o enorme volume de aeronaves VFR e IFR circulando nestes ares: o espaço aéreo classe B.
Na Inglaterra, a fórmula foi outra: existem enormes áreas de espaço aéreo classe A, especialmente ao redor dos aeroportos mais movimentados nas grandes cidades. Ou seja, chegou-se à conclusão de que o espaço é tão apertado, e há tantos tráfegos, que somente os voos IFR podem passar por ali.
A resposta é simples e os países mais desenvolvidos nos mostram: quanto maior o número de aeronaves chegando e saindo de um espaço, quanto mais complexa é a operação e quanto maior é o número de aeroportos próximos, deve-se elevar a classificação do espaço aéreo para também aumentar o serviço de tráfego aéreo que é prestado pelos órgãos ATC, a fim de aumentar a segurança das operações.
Ok, sabemos que aqui no Brasil isso não acontecerá tão cedo. Especialmente porque, com defasagem de equipamentos e pessoal, colocar a responsabilidade de separação dos tráfegos VFR entre si, nas mãos dos controladores, parece ser uma tarefa que o DECEA não está preparado para assumir.
Agora, temos aqui em São Paulo o que seria, ao meu ver, o “próximo melhor” nesta questão, que é o espaço classe C na maioria da terminal. Um espaço aéreo congestionado como o de São Paulo não poderia ter um espaço não controlado e confiando a navegação e separação somente aos pilotos, especialmente com a proximidade entre os aeródromos e as rotas de chegada e saída IFR, que os pilotos dos voos visuais ignoram na maioria do tempo.
Ora, o serviço de controle de tráfego aéreo no espaço aéreo classe C não está aí para atrapalhar o piloto, ou burocratizar a vida dele. É, sim, uma ferramenta muito bacana de grande auxílio para o aumento da segurança de tráfego aéreo. O problema é que a maioria dos pilotos voando VFR não sabe ou não utiliza de forma eficiente os serviços que o controlador da frequência 129.50 tem para oferecer.
O serviço de informação de tráfego é um deles, e praticamente nunca é utilizado. A maioria dos pilotos parece agir de forma sempre passiva ao interagir com o controlador, ou seja: espera que o controlador informe que há um tráfego muito próximo. Quase nunca ouço um piloto na fonia tomando uma posição ativa de, por exemplo, perguntar ao controlador se existem tráfegos no corredor à sua frente. Isso é simplesmente a parte do “serviço de informação” que o controlador vai prover entre tráfegos VFR, a pedido do piloto.
Reduzir a classificação dos espaços aéreos dos voos VFR em São Paulo (ora, tirar o controle de tráfego aéreo VFR significa, de fato, reduzir a classificação de espaço aéreo) da atual classe C para, provavelmente, classe G é um desserviço à segurança de voo e uma involução.
Apesar de os pilotos VFR serem sempre responsáveis pela sua própria separação de outros tráfegos e de obstáculos, qualquer ajuda que faça os pilotos voarem de forma ordeira e segura não pode ser descartada. Vale lembrar ainda que um grande número dos tráfegos da TMA SP é dos aeroclubes e escolas de aviação, presentes nas mais diversas cidades. Salvo raríssimas exceções, não existem TCAS ou receptores ADSB instalados nestas aeronaves, para saber quem está voando ao seu redor.
Portanto, não acho que o problema está em ter o serviço ATC para voos VFR, mas sim, em ter uma única frequência de rádio cobrindo uma área tão grande de serviço. Afinal, o mesmo controlador radar estará prestando o serviço de vigilância aos tráfegos no extremo leste, extremo sul, extremo oeste e na porção inicial norte da área terminal. É muita coisa e gera um congestionamento grande na fonia, especialmente no início e final dos finais de semana e feriados.
Em conclusão, acredito que o fato de existir o serviço radar para os voos VFR em São Paulo, como em qualquer terminal movimentada, é um fator muito útil para o aumento da segurança aeronáutica. Por mais experientes que sejam alguns pilotos, não é racional dizer que um par de olhos a mais é descartável e, em especial, se este par de olhos estiver olhando na tela do radar, de cima, todos os tráfegos ao mesmo tempo.
E você, concorda? Discorda? Já foi surpreendido na TMA SP por alguém que sequer sabia das cartas dos corredores? Conte a sua experiência nos comentários abaixo.
* Texto gentilmente cedido pelo colaborador Devanir Campos ao Canal Piloto.
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