A Vida de um Futuro Piloto 13
Texto: Fábio Miguel – Vitrine: Eduardo Godoi
E aí Cmtes, tudo tranquilo? Maravilha!
Trazendo até vocês mais um relato dos meus voos, hoje foi falar um pouco do meu voo pós-solo, o primeiro voo que fiz depois de ter solado. Foi um voo de muitas emoções e sustos, mas no final deu tudo certo e terminei com sucesso a instrução. Segue o relato.
Depois do meu voo solo eu ainda não tinha voado novamente. Meu voo solo foi dia 27/09, terça-feira. Fiquei esperando as ligações para agendar meu próximo voo e eis que na sexta, dia 30/09, recebi a ligação. Voo no sábado, 8h45min da manhã. E desta vez eu estaria voando um avião recém-recebido pelo aeroclube, um C152 Aerobat, matrícula PR-EMK. Bem parecido, se não idêntico ao PR-VIE.
Apesar de ser 15 reais mais caro que os C150, aceitei o voo, afinal, não seria definitivo, apenas para aquele voo. Acordei cedo no sábado, 6h30min. 7h estaria na estrada rumando para Londrina. O dia estava agradável, sem muitas nuvens, temperatura agradável na parte da manhã, apesar do calor excessivo dos últimos dias.
Cheguei no aeroclube e fui fazer a rotina pré-voo de sempre: notificação de voo, peso e balanceamento, NOTAM, TAF, METAR. Finalizada esta parte, voltei para a sala de espera de instrução e confirmei o voo com o EMK. O instrutor do dia seria o Lacerda. Meu voo era o segundo voo da manhã, porém quando cheguei no aeroclube, o avião ainda estava no pátio. Pensei que o voo tivesse atrasado, mas não encontrei o Lacerda por ali.
Foi então que o Fernando me disse que eu poderia ir fazendo a inspeção no avião. Comecei a inspeção e uma das primeiras coisas a ser feita é verificar o nível do combustível. Normalmente usamos uma vareta de medição para isso, pois os liquidômetros do avião não são muito confiáveis. Porém, por ter sido entregue no dia anterior, o EMK não tinha a vareta de combustível pronta e não poderia pegar a de outro avião, pois cada asa tem um volume diferente.
Então fui perguntar para o Fernando se teria algum modo de saber quanto combustível tinha em cada asa. Ele me informou que tinha abastecido full. Voltei pra lá e mesmo assim verifiquei os liquidômetros e depois no olhômetro também. Tudo em ordem, drenei o combustível que também estava em boas condições, isto é, sem partículas ou água.
O check do C152 é praticamente igual o do C150. Terminada a inspeção, voltei para a sala de espera e percebi que havia mudado meu instrutor. O Lacerda teve um problema de saúde e não poderia vir para a aula, então o Bulaty, chefe da instrução, seria meu instrutor para aquele voo. Aguardei um pouco até tudo ser resolver e fomos para o briefing. Seria o primeiro voo do Bulaty com o EMK e meu também. Havia algumas diferenças básicas entre o EMK e os C150, BTW e BLO.
A velocidade do EMK era em nós, assim como no VIE, mas fora isso os demais parâmetros eram os mesmos. No voo do dia, treinaríamos uma decolagem curta, alguns TGLs e uma demonstração de pouso curto. Seria um voo tranquilo pós-solo, só para ter uma ideia das novas manobras. Chegando no EMK, ajustei o cinto, e na hora de copiar o ATIS, o rádio não estava funcionando. Não tinha fones e nem o PTT e o som não estava sendo transmitido pelos alto-falantes.
Avisei o Yuri e a solução foi pegar o PTT do VIE, que está parado para TBO. O problema do alto-falante era apenas um botão no rádio, que deveria apertar. Tudo em ordem, copiei a informação L, e chamei para acionamento. Chamei a primeira vez, nada.
A segunda, nada. Começamos a testar o PTT e descobrimos que estava com uma falha no fio, e por este motivo não estávamos transmitindo. Pegamos dois fones de outros aviões que estavam parados e o problema se resolveu. Agora com eles em funcionamento, chamei para acionamento:
– Torre Londrina, PR-EMK, bom dia.
– PR-EMK, bom dia, torre Londrina.
– EMK no pátio do aeroclube, ciente da informação L, solicito acionamento e autorização para voo de TGL.
– EMK, acionamento a critério, ajuste 0157 no transponder. Chame quando pronto para taxi.
– 0157 EMK. Chamarei para taxi.
Neste momento o Bulaty precisou sair para resolver uma coisa rápida na sala dele e me deu permissão para prosseguir com o acionamento, com cautela, é claro. Fiz todo o check de acionamento, área da hélice livre, partida. Por ser o primeiro acionamento do dia, demorou um pouco para pegar, mas funcionou. Fiz o pós-acionamento e logo em seguida, o Bulaty voltou. Informei que os checks estavam completos e chamei para taxi:
– Torre, EMK pronto para taxi.
– EMK taxi com cautela, reporte ingressando no pátio principal.
– Informará, EMK.
Começamos o taxi e logo no começo eu já percebi algo diferente. O pedal esquerdo estava mais leve que o direito. Avisei o Yuri e ele perguntou se dava para continuar. De fato não estava atrapalhando em nada, só estava ruim para virar, mas como era no solo, afirmei que era possível continuar.
No ar a tendência dos comandos é ficar mais firme e responder melhor. Ingressamos no pátio e fizemos o check de decolagem. Tudo em ordem, chamamos para decolagem.
– EMK pronto no ponto de espera da pista 13.
– EMK, alinhe e mantenha. Aguarde pista livre. Tráfego é um AB11 que acabou de decolar rumo ao setor NE.
– Alinha e matem, EMK. Ciente do tráfego.
Portas e janelas fechadas, taxiamos, alinhamos e ficamos esperando autorização para decolar. Faríamos uma decolagem curta. A decolagem curta é feita da seguinte forma: aplicam-se os freios, manete de potência toda à frente, quando atingir a rotação máxima e os mínimos (pressão e temperatura do óleo no arco verde), se solta o freio e prossegue com a decolagem.
Com isto, para quem se lembra da aula de teoria de voo, tem-se a maior tração possível, que é quando o motor está com máxima rotação e o avião parado. Feito isso, logo atingimos os 50 Knots necessários para decolar e tirei o avião do solo.
Como estávamos muito pesados, full tank, e dois ocupantes grandes (eu com 1,85m e o Bulaty com quase 2,00m), abaixei um pouco o nariz para ganhar velocidade e conseguir subir com maior segurança. Curvamos à esquerda para o circuito padrão. Logo no primeiro circuito, fomos obrigados a fazer um 360 pela direita para aguardar o tráfego da TRIP que iria decolar.
Logo em seguida, novo 360 por conta de outro tráfego que vinha para pouso. Ao reingressar na perna do vento, o PP-GMG estava no PE para decolar. Seria um voo solo. Diante da situação, o Yuri pediu à torre para manter a perna do vento para que o GMG decolasse. Assim autorizado, fiz um CAP para não afastar muito da pista e aguardamos o GMG decolar.
O PP-GMG é um Aeroboero também utilizado para instrução no aeroclube. Assim que ele começou a rodar, entramos na final longa da pista 13. O vento estava até que fraco, porém variando bastante. Nunca tinha pousado com o EMK antes, ele era mais alto que os C150 e por isso sabia que teria que arredondar um pouco antes do que estava acostumado.
Aproximei com 80 Knots, apesar de não ser a velocidade de pouso dele, preferimos usá-la por conta do peso. Toquei suave na pista e arremetemos. Começamos mais um circuito e tudo correu sem problemas. Segundo toque do dia suava também. Já na perna do vento, a torre nos pediu para fazer um novo 360 para dar preferência à aeronave que vinha para pouso.
Passamos sobre o autódromo de Londrina, onde ocorreria a etapa da Copa Montana, se não me engano, naquele final de semana.
Estava todo organizado e pronto para a competição. Efetuamos o 360, superamos o tráfego e seguimos para a final. Após o toque a torre pediu para que curvássemos à direita, a fim de evitar outros tráfegos que retornariam da área de instrução. Curvei à direita e fomos informados de um ATR da TRIP na final.
O GMG estava no través da 13 pela direita quando o ATR pousou. Não sei como, mas o ATR utilizou toda a pista para parar, tendo que fazer o backtrack para livrar via D. Alongamos nossa perna do vento para esperar pelo toque do GMG. Assim que ingressamos na final, vimos o GMG perto do toque.
Quem pilota Boero, Paulistinha ou qualquer aeronave de trem de pouso convencional, sabe como é difícil manter o eixo durante o pouso/decolagem.
Especialmente durante os treinamentos. Reduzimos o máximo possível a nossa velocidade para aproximação, tendo em vista que o GMG dava sinais que iria sair da pista. Na torcida para que ele se recuperasse, ficamos atentos e controlando a aproximação. Já perto da curta final, o GMG arremeteu e prosseguiu com seu circuito. Ainda bem, tocamos e após arremeter o Bulaty perguntou ao aluno do GMG o que tinha acontecido.
Ficamos sabendo que ele tinha pego um passado na hora do pouso e isso tinha desestabilizado e tirado o avião do eixo da pista. Porém, foi só um susto. O pássaro atingiu a asa, mas não causou nenhum dano ao avião. Assim que arremetemos, a torre passou a informação via rádio ao GMG:
– GMG, somente para informação, o vento está variando muito de direção e intensidade.
– Torre, o GMG não percebeu nada durante a aproximação, vai continuar o circuito.
Nossa instrução era que curvássemos à direita novamente, porém naquele momento, a torre informou:
– PR-EMK, teria condições de fazer um 180 e reingressar na base para toque e arremetida pista 31? O vento no momento é de 220/05Kt.
– Afirmativo, EMK.
Eu não tinha entendido como era para fazer, mas o Bulaty pegou os comandos e disse:
– Vamos fazer uma curva aqui para já entrar na final novamente, para agilizar. Mudou a pista em uso.
– Ciente.
Neste momento, começamos a curvar a esquerda e o Bulaty assumiu os controles. Ele já tinha brincado que já que o C152 era modelo Aerobat, isto é, preparado para acrobacias, a gente podia fazer uns tonneaus com ele. Nesta hora ele disse:
– Já que é acro, vamos fazer uma curvinha com um pouco de G.
Neste momento ele entrou numa curva com as asas perpendiculares ao solo, realizamos a volta e já estávamos na final novamente. Foi muito legal, me senti num show de acrobacias. Depois, reassumi os controles e fui para o quinto toque do dia. Foi algo totalmente diferente pousar da cabeceira 31.
Você não está acostumado com as referências da pista e tudo mais, mas ainda assim foi um bom pouso. O único fato é que foi um pouso com uma nova vista, desta vez, sem os prédios e árvores na final, o que ajuda muito na parte final do pouso. Arremeti e seguimos o circuito padrão pela esquerda da cabeceira 31.
Dá um pouco de medo de subir entre os prédios, pois se der alguma falha, você não tem muita opção para desviar deles ali, mas superei-os e na perna do vento, vimos o GMG retornando para o toque na pista 31. Estava tudo certo até que, inexplicavelmente, ele, após o toque, perdeu o eixo e foi “conhecer a grama”.
Não foi nada de grave, apenas perdeu o eixo e parou na grama. Não pilonou, nem bateu a ponta da asa ou da hélice. Foi só uma escapadinha. De qualquer forma, foi um incidente. No instante após o incidente, a torre perguntou ao piloto:
– GMG, tudo certo?
– Sim, tudo ok. Autoriza o GMG livrar via D e E?
– Afirmo, D e E para o GMG. Algum problema GMG? Precisa de acompanhamento até o aeroclube?
– Negativo, está tudo certo. Vou prosseguir via D e E, GMG.
– Ciente.
Fora o susto, aparentemente tudo estava tranquilo. De qualquer forma, foi necessário enviar os veículos da INFRAERO para fazer a inspeção da pista e verificar se não havia nada que pudesse colocar em risco a segurança das outras aeronaves que viriam para pouso. Diante desta situação, a torre nos orientou para ficar em 360 até a liberação da pista.
Fizemos uns 3 ou 4 longos e demorados 360 até a liberação da pista. Após o susto, fomos autorizados a pousar. Como havíamos gasto praticamente 15 minutos na espera, nossa aula havia terminado. Seguimos para pouso completo.
No momento em que ingressamos na final, descobri o possível motivo pelo qual o GMG havia perdido o eixo. Um vento de través bem no momento do toque. Toquei no estilo caranguejo e mantive o eixo. Porém, com aeronaves triciclo fica mais fácil controlar a aeronave no solo. Fomos autorizados a livrar na A, última taxi para quem pousa na 31.
O motivo era deixar a taxiway E para o taxi do TRIP que iria taxiar para decolar da 31. Agilizei o taxi na pista, mantendo 40 Knots até perto da A e reduzi. Neste momento, a torre fez fonia com o TRIP:
– TRIP, copiou que a pista em uso é a 31?
– Afirmativo, só que o trator de pushback entendeu errado.
Quando olhei para o lado, após livrar a pista, o trator tinha virado o EMB da TRIP para o lado errado. Continuei o taxi e livrei o pátio principal. Chegamos no aeroclube e parqueamos a aeronave ao lado das demais, efetuamos o check de abandono e fomos para o debriefing. O GMG estava parqueado por ali, e fomos dar uma olhada nele.
Não havia avarias aparentes nele, entretanto, seria necessária uma revisão para liberá-lo para voo novamente. Entramos e no debriefing a única ressalva do Bulaty foi com relação ao vento cruzado na hora do pouso, que para evita-lo, eu deveria tocar alinhado, efetuando uma glissada frontal.
Tocar com ele caranguejado corre o risco de estourar o pneu e causar algum dano à roda. Fora essa ressalva, no mais foi um bom voo. Bem aproveitado e inaugurado o EMK.