Em décadas passadas nos aeroclubes brasileiros, havia a tradicional comemoração após o primeiro voo solo de um aluno. Os instrutores e alunos se reuniam, e jogavam baldes de óleo usado sobre ele, para marcar esse momento único.
Com o passar dos anos tal tradição foi desaparecendo, e/ou sendo substituída por outras, como um banho de água no lugar do óleo.
Todavia, se compararmos os prós e contras dessa mudança de paradigma, podemos ver que o único lado negativo dessa história é que “perdemos uma tradição”, e ponto. Já no outro extremo, as vantagens aparecem em maior número.
Ausência de processos
Comecemos por uma das teorias motivadoras dessa mudança de tradição. Há a história de que houve um aluno que processou seu aeroclube após passar pelo banho de óleo.
Não foi citado especificamente o que ocorreu de errado para tal consequência, mas coincidência ou não, os tópicos seguintes poderão render alguns motivos válidos.
De qualquer modo, a ausência do risco do aeroclube ser processado, ou do aluno ficar insatisfeito por ter sido (quem sabe) pressionado a participar da comemoração, é uma vantagem para a comunidade aeronáutica.
Malefícios para a saúde
Essa é a primeira vantagem verdadeiramente relevante na transição.
Óleo para motores, principalmente um já utilizado, não é a substância mais recomendada para ser jogada em uma pessoa. Alergia, toxicação por ingestão, e até contaminação por chumbo são alguns dos riscos.
Obviamente não há nenhum registro que aponte quantos, ou se houveram, alunos prejudicados nesse sentido, mas a anulação dessa possibilidade já é algo positivo.
Evolução social
Paralelo à aviação, outro local onde comemorações tão físicas quanto são impostas, são as faculdades.
Todo ano vemos matérias, fotos e reportagens sobre os trotes que os veteranos dos cursos realizam com aqueles que estão começando no primeiro ano, a.k.a. “Bichos”.
Na época em que eu estava no meu ensino médio, e cogitando sobre a escolha do curso e faculdade, isso era um detalhe que sempre me deixava aflito.
Dentre as reportagens sobre o tema, não era raro vermos denúncias de alunos que foram forçados a ingerir bebidas alcoólicas, pedir esmolas, ou fazer outros atos forçadamente, rendendo até danos físicos.
É claro que ninguém os forçou ameaçando suas vidas diretamente, mas apenas a pressão social imposta, o famoso “faça ou você será um excluído”, já é o bastante para o indivíduo o fazer mesmo sendo contra sua vontade.
Retornando para a aviação, vejo isso como algo positivo. Afinal, é possível que existiram alunos que tenham passado pelo banho de óleo não por gosto, mas sim pelo receio de sofrer algo por ter sido aquele que não participou de algo pelo qual todos haviam passado até então.
Parando para pensar, se meu voo solo ocorresse hoje, comemorar com um banho de óleo usado não seria meu primeiro desejo em mente.
Contaminação do solo
Na cidade de São Paulo, o Aeroporto Campo de Marte existe desde 1920.
Depois de quase um século de operações, já é dito que o solo do aeroporto não pode mais sustentar a prática da agricultura, mesmo se um dia o aeroporto for extinto. Apesar da camada superior poder sempre receber novas camadas de terra e grama, a camada inferior já está totalmente contaminada, principalmente devido ao combustível aeronáutico, que vem atingindo o solo em pequenas quantidades durante a operação diária do aeroporto.
É claro que ninguém pensa em abrir uma fazenda no meio da cidade de São Paulo, mas isso serve de exemplo sobre como uma prática rotineira pode prejudicar o meio ambiente do local.
Em todos os vídeos e fotos de banho de óleo que pude ver até então, não me lembro de um onde ele tenha sido jogado em alguma superfície que não o assimilasse, como piso rígido, ou onde pude ter a ideia de que óleo foi recolhido após a comemoração. Pelo contrário. Na maioria das vezes a comemoração é feita em chão de terra ou grama, que absorvem o óleo rapidamente.
A comemoração ainda existe
“Ah, mas esses tempos politicamente corretos estão acabando com a diversão do pessoal” – Paciência, a tradição mudou, mas a comemoração ainda existe.
Como citado na introdução, os locais que ainda desejam realizar uma comemoração física, o fazem com um banho de água, seja pura, ou com ingredientes adicionais, como café e outros.
Paralelo a isso, os churrascos, almoços e festas para comemorar o marco também são populares, geralmente feitas dias após o voo em si.
Em suma, é marcante ver uma tradição sumir aos poucos, mas se pararmos para colocar tudo na balança, é melhor assim.
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