A primeira vez que vi esta expressão foi no filme Armageddon. Embora a expressão em latim seja relativamente popular, a versão escrita sob a plataforma de lançamento da Apollo I, em homenagem aos astronautas que faleceram durante um teste, foi a primeira que conheci, pausando a imagem numa fita VHS, uns 20 anos atrás. Ela expressa que ainda que seja possível, o caminho até as estrelas é difícil, e isso – mais que o tema no meu Instagram – é a realidade de quem resolve fazer da aviação seu meio de vida. Em algum momento 14 anos atrás, eu percebi que a única coisa mais difícil do que galgar os degraus na carreira de tripulante, seria conviver com a ideia de não tentar galgar nenhum. E não tem sido fácil, claro, mas eu não seria mais realizado fazendo qualquer outro trabalho.
Falamos em falta de pilotos há anos, e parece algo sempre distante da realidade brasileira. Mas será que é? E o quanto é? Num mundo cada vez mais globalizado, a borboleta que bate asas no Caribe provoca tufões no Pacífico, e isso deixou de ser teoria do caos para ter uma correlação direta. No meu último livro publicado, sobre formação de pilotos nos Estados Unidos, o primeiro capítulo trata exatamente desse assunto: temos que nos formar olhando o mundo como nosso mercado, e não apenas um país ou uma região. Pilotos são profissionais apátridas por definição: cruzamos fronteiras como um trabalhador urbano cruza esquinas, então ninguém menos que nós pode se apequenar na hora de buscar qualificações e oportunidades.
Estamos, de fato, no melhor momento da nossa jovem profissão – que sim, mal completou um século e dificilmente completará dois. Mas embora os drones estejam dominando alguns segmentos específicos com vantagens inegáveis, a aviação de linha aérea está carente de pilotos como nunca esteve antes, e provavelmente, após uma bonança que durará algumas décadas, nossa profissão estará bem perto de um final melancólico, que é assunto riquíssimo para outro artigo.
Fala-se em dezenas, até centenas, de novos pilotos necessários por dia para suprir a demanda dos próximos dez anos. Quem entrou na brincadeira depois de 2005 pode não se dar conta, mas os mínimos para conseguir o assento da direita numa aeronave da 121 nunca foi tão baixo, mesmo no Brasil, onde os números mostram uma certa sobra de pilotos. Ou seja, se nos momentos de baixa, a frase de Amélie Poulain “são tempos duros para os sonhadores” pode aplicar-se bem, na atual conjuntura, quem se esforça tem boas chances de conseguir o tão sonhado emprego. Sim, boas chances não é ter uma vaga garantida, e talvez seja conveniente relembrar algumas coisas.
Primeiro, assim como toda carreira, a de piloto exige investimentos. São altos? Depende. Quanto um médico ou advogado investe para formar-se e estar apto ao primeiro emprego? E quão difícil é conseguir um primeiro emprego? E após esse primeiro emprego, quanto tempo ele leva para ter um salário realmente bom? Arrisco dizer que as dificuldades e riscos não são assim tão diferentes de quem busca um lugar como piloto. É preciso esforço, e claro, sorte. Tudo na vida é assim. Mas quanto mais se esforça, menos dependente da sorte você se torna. E que esforço é esse? Vai de networking – estabelecer boas relações pessoais – a estudo – saber mais e melhor as coisas que um piloto precisa saber. E aqui cabe outro adendo: tem que gostar de aprender para se dar bem nesse meio. Você vai estudar muito e para sempre. Pode estudar um avião ou uma rota por anos sem nunca saber tudo que há para se saber deles. A sorte é que a matéria é ótima. O inglês? Essencial. Tão importante quanto horas de voo, e em alguns casos, ainda mais. Não são poucos os exemplos de pilotos que conseguiram – ou mantiveram – uma vaga porque tinham o tal nível ICAO, apesar de menos horas que outros que não o tinham. Acontece todo dia, na verdade. E por mais dificuldades que você sinta na língua de Shakespeare, ela só tornou-se a língua franca do planeta porque é simples – e claro, devido ao Império Britânico e à influência dos Estados Unidos sobre o mundo ocidental no pós-guerra. Mas imagine quão mais complicado seria aprender qualquer uma das outras grandes línguas não-latinas do mundo e veja que estamos bem nesse quesito.
E por fim, onde estão as oportunidades? Quando uma companhia de bandeira europeia vai ao Brasil buscar pilotos sem EASA ou cidadania, isso quer dizer muita coisa. Mesmo que você não tenha os mínimos para aquela vaga específica, isso influencia sim nas oportunidades que surgirão para você. A quantidade de pilotos brasileiros no exterior ainda é baixa, e grande parte está no Oriente Médio e na Ásia, lugares para onde muita gente não iria nem por salários cinco a dez vezes superiores aos brasileiros – afinal, dinheiro é importantíssimo mas realmente não é tudo. Porém, para ganhar o mesmo ou até menos, tem muita gente que iria – e até já foi – para a América do Norte ou para a Europa, lugares mais próximos do Brasil geográfica e culturalmente. Quantos é difícil estimar, num negócio em que a decisão é muito pessoal e mesmo familiar. Mas cada vez mais, por conta da escassez de mão de obra qualificada, os contratos no exterior tornam-se mais flexíveis, e portanto, encaixam-se muitas vezes até no gosto de quem não quer deixar o Brasil. Para quem acabou de se formar, isso é positivo pois tira pressão das limitadas vagas disponíveis no Brasil, e mesmo uma discreta recuperação do PIB pós impeachment já gerou centenas de oportunidades nas linhas aéreas brasileiras, muitas como primeiro emprego de diversos pilotos. Obviamente as opções diretas no exterior são poucas para quem ainda está na faixa do combo PC/MLTE/IFR+ICAO e duzentas horas totais, mas não quer dizer que não existam. Muitas companhias no exterior têm programas de cadete, second officer e coisas parecidas, para os quais um piloto brasileiro recém formado possa aplicar com chances reais. Mas qual a garantia de que todo o investimento na formação e seleção vá gerar resultado? Isso não há, nem nunca haverá, não importa quão alto você chegue nesse meio – até creio que a estabilidade de um CEO ou VP seja menor na média do que a de um simples piloto. Com avaliações a cada seis meses e com emprego garantido só até o próximo voo, a carreira na aviação não é para oportunistas. Para começo de conversa, você tem que estar vivo para procurar outro emprego. Enfim, é a velha história sobre encher a bolsa da experiência antes de esvaziar a da sorte.
Se formos pensar friamente, o acidente da Apollo I contribuiu de forma decisiva para que o programa Apollo alcançasse seus objetivos de forma segura nas 16 missões que se seguiriam. Assim como criamos esquemas para memorizar ações de emergência ou limitações da nossa aeronave, é saudável resumirmos conceitos em pequenas frases. E poucas resumem o objetivo, suas dificuldades mas sua real viabilidade quanto a bela passagem que intitula esse artigo. “É árduo o caminho até as estrelas.”