Existe uma teoria que diz que as pessoas se comportam de acordo com o ambiente no qual elas estão inseridas. Será?
Antes de viver essa experiência na aviação, mal imaginava eu, mas teria uma amostra desse efeito de ser assimilado pelo sistema, bem antes do que eu imaginava.
Na escola na qual eu realizei meu ensino fundamental havia um marco. Os alunos da 4ª série para baixo estudavam na parte da manhã, e os da 5ª série para cima estudavam na parte da tarde. Devido a esse motivo, os dois universos de alunos não se misturavam, e portanto não se influenciavam de nenhum modo.
Quando os novos alunos da 1ª série ingressavam na escola, eles se deparavam com turmas organizadas, professores dedicados, alunos esforçados, e regras às quais todos seguiam. Deste modo, o mais natural a se fazer ao ingressar em um ambiente civilizado, é se comportar como uma pessoa civilizada. E assim aconteceu, comigo e com os demais.
Um dia passamos para a 5ª série, e aquela mudança para o período da tarde foi chocante. Onde deveria haver ordem, havia caos. Onde deveria haver respeito ao professor, havia desinteresse. E onde deveria haver autoridade, havia negligência.
Diante desse novo cenário, ao longo das semanas, os então exemplares alunos foram se corrompendo diante do novo ambiente, começando a fazer parte da bagunça e desinteresse demonstrados pelas demais salas do período. Ao fim do ano, a maioria da sala já havia sido assimilada pelo novo sistema. Foi algo triste.
Anos se passaram e eu estava agora começando meu curso teórico de PP no Campo de Marte (SP), onde mal sabia eu, mas iria presenciar esse fenômeno novamente.
Tendo chegado cedo para meu curso teórico, o aeroporto estava deserto no início da manhã. Indo em direção às salas, um piloto uniformizado começa a vir no sentido contrário, e ao passar por mim, eu o saúdo com um “Bom dia”. Ele olha rapidamente, mas segue andando, sem dar resposta.
Eu fiquei surpreso, não pelo fator educação, mas sim por eu sempre ter acreditado que havia um espírito de união, camaradagem, e incentivo entre os pilotos e alunos-pilotos no aeroclube. Com as semanas eu notei que, em uma cidade grande como São Paulo, tal hábito não era um costume entre estranhos, e isso refletia no aeroporto. Outros alunos e eu nos adaptamos nesse sentido.
Meses depois eu retornava ao local no mesmo horário, mas dessa vez para realizar mais um voo de meu treinamento prático. Ao seguir para a sala de briefing, me encontrava no mesmo caminho do piloto uniformizado do caso anterior. No sentido contrário, um jovem com mochila caminha em minha direção, indo para as salas do curso teórico. Ao passar por mim ele diz “Bom dia”. Eu sigo andando, sem o responder.
Percebendo a ironia de eu quase estar me tornado o tipo de pessoa que outrora eu repreendia, virei pouco antes dele desaparecer na curva:
– Bom dia… E boa aula!
O sistema pode tentar lhe assimilar, mas cabe a você ceder ou não.
Abraços,
Sales
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