Atitude Anormal

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Hoje irei abordar um tema que, infelizmente, tem sido fator contribuinte para muitos acidentes aeronáuticos: a imprudência ou deficiência na instrução.

Segundo dados do CENIPA, no período de 2005 a 2014, 20% dos acidentes aeronáuticos que ocorreram tiveram como fator contribuinte a perda de controle em voo. E é sobre isso que vou falar agora, pois acredito que muitos acidentes aeronáuticos são causados por situações como estol em curva, colisão com o solo (CFIT) e desorientação espacial.

Na minha experiência como instrutor de voo, vejo muitos INVAs, além da grande maioria dos alunos, com receio de fazer um estol ou treinar o estol em curva. Vale lembrar que o estol em curva é algo que gera muitos acidentes, e costuma ocorrer na curva base, onde a aeronave está em baixa altura com pouca velocidade. Aliado a uma inclinação maior que a necessária, ou também a um pitch mais alto, pode-se ocasionar uma situação de estol em curva com dificuldade de recuperação, pois se está em baixa altura. Esta situação infelizmente costuma acontecer muito na aviação geral, pois a maioria dos pilotos possuem pouca frequência de voo, geralmente voando apenas aos finais de semana ou na instrução, quando o aluno está aprendendo a voar. Desta maneira, muitos erros acabam sendo cometidos.

Outra situação que muito pilotos encontram é a desorientação espacial, que acontece quando o piloto em um um avião que só possui equipamentos para voar em condições visuais acaba ficando inadvertidamente em uma condição de voo por instrumentos, ou seja, entrar em uma nuvem por muito tempo, popularmente conhecido como “voar guardado”. Voar nesse tipo de condição é fatal, como já mostrado em um vídeo chamado 178 segundos.

Vejo que muitos pilotos se arriscam, seja por pressão do dono do avião, para mostrar ao amigo que se pode voar em todas as condições meteorológicas só com um GPS e sem horizonte artificial, ou simplesmente pela frase: “tenho que chegar”. É possível mencionar diversas situações de colisões com o solo ou com a água em um procedimento de pouso, com condições meteorológicas restritas, baixa visibilidade e teto, além de um aeródromo que só possui operação visual. Tudo isso aliado à máxima do “tenho que chegar” ou “tenho que pousar”, é onde infelizmente o acidente acaba acontecendo.

A desorientação espacial, como já mencionei acima, é um fator extremamente perigoso e que pode ocorrer em situações com baixas condições de visibilidade e teto, ou também durante um voo noturno sobre o mar, onde podemos confundir as luzes dos barcos do mar com as estrelas. Por isso, o ideal é que em condições de baixa visibilidade e teto ou à noite, voe-se em uma aeronave homologada IFR, e o piloto tenha habilitação de voo por instrumento sempre válida.

Como sou instrutor do curso de atitudes anormais e também IFRA, vejo que a situação do estol só acontece quando colocamos a aeronave nessa atitude, e a recuperação é sempre da maneira que foi ensinada durante as lições do curso de piloto privado: colocando a aeronave com o nariz para baixo e aplicando toda a potência, para após cruzar a linha do horizonte ou depois de determinada velocidade, colocar o nariz da aeronave na atitude de voo reto. Foi em não reconhecer essa atitude de estol, por estar à noite e em péssimas condições meteorológicas, que a perda de controle no voo AF447 foi uma das causas que resultou no acidente.

O parafuso e outras acrobacias aéreas são manobras que alguns pilotos possuem o hábito de fazer, porém alguns pilotos não sabem como executar corretamente essas manobras, ou quando o fazem, executam em aeronaves que não suportam a carga G de manobras acrobáticas, o que pode gerar um acidente devido a falha estrutural. Afinal, as aeronaves acrobáticas suportam uma carga de até 6G, enquanto um C-152 suporta no máximo 4.4G. Apenas para conhecimento, um parafuso com duas voltas, sabendo recuperar da maneira correta, gera um fator de carga de 3G. Um tonneau também pode gerar um fator de carga de 3G. Vale lembrar que a carga G é acumulativa, sendo assim, a estrutura que não foi projetada para receber essa carga, em alguns voos de manobras acrobáticas, pode vir a ter uma falha estrutural, resultando em acidente aeronáutico.

Poucas aeronaves entram em uma condição de parafuso após o estol. No entanto, o estol em curva é uma situação com risco iminente de ocorrer o parafuso, como mencionei acima. Por tudo isso, acredito que fazer um curso de recuperação de atitudes anormais, ou UPSET RECOVERY, é muito importante para a formação de um piloto de avião, como o Raul Marinho em seu artigo já mencionou.

Rodrigo Satoshi
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