Um dos sinais mais evidentes da evolução tecnológica da aviação comercial é o automatismo das cabines de comando. Fosse em busca de minimizar falhas humanas ou mesmo de um voo mais padronizado, as fabricantes de aeronaves passaram a delegar cada vez mais funções do voo ao piloto automático e a computadores de bordo. Esperava-se reduzir a carga de trabalho dos tripulantes, e as possibilidades de uma falha humana. No entanto, ao contrário do que se poderia esperar, o aumento do automatismo não resultou, necessariamente, em diminuição de incidentes e acidentes aeroáuticos. Como é possível então explicarmos que, mesmo dispondo de aviões que praticamente voam sozinhos, ainda precisamos dispensar os mesmo esforços nas prevenções e investigações de acidentes aéreos?
Foi propondo essa discussão que, no dia 20 de Setembro de 2016, a EJ Escola de Aeronáutica Civil promoveu a palestra “Automatismo x Proficiência em Voo Manual”, ministrada pelo Comandante João Carlos Medau. E nós do Canal Piloto estivemos presentes, para participar da discussão e trazer nossas impressões a vocês.
A primeira coisa a considerarmos é que não há dúvidas sobre os benefícios do automatismo na aviação. Vivemos em tempos onde cada mínimo aspecto da operação aérea é avaliado criteriosamente, para minimizar custos e maximizar retorno. Cada segundo do tempo de um passageiro é cada vez mais precioso: quando se está longe da família ou a caminho de um compromisso profissional, a última coisa que se deseja é admirar a sala de embarque do aeroporto. Sem os computadores que agilizam cálculos e reduzem a carga de trabalho dos tripulantes, seria impensável atingirmos o grau de eficiência exigido por um mercado cada vez mais competitivo.
Toda essa evolução, no entanto, tem o seu preço. A mesma tecnologia que nos deixa sedentários na vida cotidiana, nos cockpits também pode nos deixar um pouco preguiçosos. Quantas vezes um piloto de linha aérea executa manualmente um circuito de tráfego ou um procedimento de saída, por exemplo? Quantas vezes tem a oportunidade de efetivamente assumir os comandos de uma aeronave pensada para voar de maneira praticamente autônoma?
O excesso de confiança no automatismo tem sido, cada vez mais, um dos fatores contribuintes em incidentes e acidentes aeronáuticos. Na palestra, vimos alguns desses exemplos, como os casos do voo 965 da American Airlines, e do voo 447 da Air France. Nestes, assim como em muitos outros casos, houve aquele clássico momento em que os pilotos observam o piloto automático, e se perguntam: “o que ele está fazendo?”. Em momentos como esse, o mais adequado é assumir manualmente os comandos, até que seja possível consertar a situação. No entanto, o quanto estamos efetivamente preparados para isso?
Talvez ainda não exista uma solução definitiva para esta questão. Algumas companhias têm incentivado que os pilotos permaneçam um tempo maior voando a aeronave manualmente, antes de acoplar o piloto automático. Desacoplá-lo um pouco mais cedo antes de pouso também é uma alternativa interessante. Não por acaso, muitos pilotos gostam de voltar ao aeroclube nas horas vagas, e resgatar o velho prazer de um voo manual. O que parece ser “carregar pedra nos momentos de descanso” pode contribuir para uma operação cada vez mais segura. E se a questão permanece em aberto, um bom debate a respeito do tema sempre será saudável entre pilotos que prezem pela sua segurança e proficiência de pilotagem.
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