Do Virtual ao Real: O Choque da Realidade

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Assim como muitos leitores do Canal Piloto, meu primeiro contato com a aviação se deu através dos simuladores de voo. Foi com eles que aprendi os primeiros conceitos do que hoje vivo em minha formação real. Através dos tutoriais do próprio Flight Simulator, aprendi sobre o uso dos comandos primários de voo, circuitos de tráfego, conceitos básicos de navegação por VOR e NDB, além de inúmeras outras curiosidades. Naturalmente, o contato com esses conhecimentos pode nos dar a falsa impressão de que, a bordo de uma aeronave real, seríamos capazes de salvar o dia, se preciso. E inevitavelmente, o entusiasta se pergunta: será que eu consigo pilotar um avião de verdade?

Os primeiros contatos com uma aeronave de instrução são capazes de despedaçar, para o nosso próprio bem, toda a ilusão de saber pilotar que um simulador de voo pode deixar em nós. Vejamos alguns exemplos que pessoalmente encontrei em minha formação real, pelos quais muitos outros pilotos certamente também passaram:


Sambando na cara da centerline

Por mais que taxiar uma aeronave seja algo relativamente simples, leva algum tempo até pegarmos o jeito, de fato. São necessárias algumas aulas até o que aluno acostume-se com o retardo na resposta dos pedais em solo, e também, com a necessidade de combiná-los com os freios diferenciais em momentos específicos. Basta lembrar-se de que muitos simuladores permitem o uso do manche para esterçar a aeronave, e você entenderá o quanto a experiência virtual é irreal neste aspecto.


A frustração de não cravar os ponteiros

Então o instrutor aplica motor a pleno, faz a corrida de decolagem, e entrega-lhe os comandos após colocar a aeronave no ar. Lembra-se da precisão cirúrgica com que os ponteiros do simulador indicam sua velocidade e altitude? Esqueça-se dela. Principalmente em dias repletos de termais ascendentes, os ponteiros relutarão em ficar parados – e não serão os únicos, o que nos leva ao item seguinte.


A aeronave não obedece aos comandos

É você quem deve dizer à aeronave o que fazer, mas nos primeiros voos, a impressão é de que ocorre exatamente o contrário. Longe da precisão do simulador caseiro, as mãos do piloto virtual não estão acostumadas aos solavancos da atmosfera, e às respostas dos comandos reais. Um dos erros frequentes é sermos tímidos ao aplicar os comandos, antes de nos darmos conta de que manches reais e joysticks têm sensibilidades completamente diferentes.


O primeiro arredondamento

Sim, deste a gente nunca esquece. Principalmente se ele vier acompanhado de uma flutuação, como foi o caso deste que vos escreve. Nenhum voo virtual nos prepara para arredondar um pouso na medida certa, sem flutuar nem tocar o solo com energia, o que inclusive pode levar a um bounced landing. Esta, inclusive, é uma das deficiências mais comuns e mais comentadas dos simuladores.


É bem verdade que um simulador caseiro é um poderoso aliado dos estudos, quando bem utilizado. Com ele, você pode estudar para o seu treinamento IFR, memorizar seus checklists como em um voo mental ou uma hora de nacele, e em alguns casos, treinar até o seu gerenciamento de cabine. Mas nunca é demais lembrar: não permita que a ilusão do voo virtual lhe convença de ser capaz de conduzir uma aeronave real, mesmo sem nunca haver assumido os comandos de uma. É preciso conhecer as diferenças entre uma aeronave real e um simulador, para obter bom aproveitamento de ambos. E principalmente para os papos de hangar, é sempre bom lembrar que humildade nunca é demais. Por mais horas que tenha registradas em sua CIV, um bom piloto está sempre aprendendo.

Luiz Cláudio Ribeirinho
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