Você alinha a aeronave na cabeceira, e a torre autoriza sua decolagem. Correndo ao longo da pista, seu monomotor com propulsão a hélice apresenta uma certa tendência em guinar para a esquerda. A tendência se torna mais proeminente em um ângulo mais acentuado durante a subida, e principalmente, caso você faça uma manobra de perda, onde o ângulo de arfagem pode chegar aos 60 graus. Ao seu lado, o instrutor explica que a tendência se deve ao torque do motor, e que para corrigi-la, você deve aplicar pedal para o lado contrário. Em pleno voo, isso é tudo que você precisa saber para corrigir a atitude da aeronave.
A verdade é que essa tendência da aeronave em guinar para a esquerda, observada inclusive no solo, deve-se a uma série de fatores, geralmente abordados durante a instrução teórica. Além do torque do motor, a precessão giroscópica e o espiralamento do ar impulsionado pelas hélices contribuem para essa tendência. Mas existe um quarto fator, comentado por poucos e ignorado por muitos, que contribui para essa tendência durante os ângulos de ataque mais elevados. Estamos falando do P-Factor, também conhecido como Fator P ou Potência Assimétrica.
Você sabe do que ele se trata?
Para entendermos o Fator P, vamos observar primeiramente o comportamento da hélice da aeronave. Do ponto de vista do piloto, as hélices normalmente giram em sentido horário (para a direita), formando uma espécie de disco à frente da aeronave. Se dividirmos esse disco verticalmente ao centro, teremos uma metade direita e uma metade esquerda. Não é difícil imaginar que, na metade direita, as pás estão em movimento descendente, tendo a gravidade ao seu favor. Na metade à esquerda, ocorre exatamente o contrário. Isso já faz com que, durante o movimento descendente, as pás tenham mais força em seu movimento (rotação + gravidade), gerando uma propulsão levemente maior quando estão na metade direita. Uma força maior na metade direita gera, portanto, uma tendência de guinada à esquerda, apesar dessa diferença ser praticamente desprezível com a aeronave em solo, perpendicular ao seu vento relativo.
O Fator P se pronuncia mais acentuadamente quando o nariz da aeronave se ergue, criando um ângulo entre o disco desenhado pela hélice e o vento relativo da aeronave. Nessa posição, poderíamos dizer que, com relação ao vento relativo, as pás “avançam” quando estão do lado direito do disco, e “recuam” quando estão do lado esquerdo. Desta forma, sua velocidade de rotação soma-se à velocidade do ar do lado direito, equanto é subtraída da velocidade do ar no lado esquerdo. Uma vez que as pás são aerofólios, tal como as asas da aeronave, maiores velocidades geram maior sustentação – ou no caso das pás de uma hélice, maior propulsão.
Os helicópteros não escapam
A questão fica mais fácil de visualizar se imaginarmos um helicóptero em voo reto nivelado, onde suas pás estão a 90° da posição das pás que compõem a hélice de um avião. Em um dos lados do disco, as pás do helicóptero movem-se em sentido favorável ao movimento da aeronave, e do outro lado do disco, em sentido contrário. Ou seja, de um lado suas velocidades somam-se à do vento relativo, e do outro, se subtraem. No caso do helicóptero, isso gera uma assimetria de sustentação, normalmente resolvida com soluções específicas dos projetos de aeronaves de asa rotativa.
No fim das contas, basta ao piloto saber em quais atitudes a guinada se manifesta, e como compensá-la com os comandos de leme corretos. Porém, sempre convém saber que não se trata de uma simples questão de torque. Conforme aprendemos, em aviação todo conhecimento contribui para um voo mais seguro.
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