Fale com o motorista apenas o indispensável | Minha proa: 003

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Ao longo das décadas a profissão de piloto foi associada a um estereótipo, com aspectos positivos e negativos. Está sob nosso poder a chance de mantermos ou mudarmos os pontos que julgarmos necessários.

Há alguns meses fui acompanhar nosso amigo Luiz Ribeirinho para aquele que seria seu primeiro voo de instrução, e como sempre faço, comecei minha jornada de 4 horas até Jundiaí, tendo início na rodoviária da minha cidade.

Pouco antes do ônibus sair, estranhamente eu era o único passageiro esperando para embarcar naquela primeira rodoviária. Observando isso, o motorista e eu começamos a trocar algumas palavras. Minutos depois, ele já havia me contado parte de sua história de vida, o que eu pessoalmente adoro escutar, vendo que considero interessante o fato de que todas as pessoas têm uma história de vida tão rica e fascinante quanto a sua ou a minha, e que porém, nunca teremos a chance de ouvir todas elas.

Em certo momento da conversa, acabamos falando sobre a seca que São Paulo estava enfrentando. Ao mencionar que eu vi em meus voos como os rios e represas estavam baixando aos poucos, ele me perguntou se eu era piloto, e ao confirmar, a feição dele mudou completamente, tendo um ar de admiração e surpresa. Antes mesmo que eu pudesse dizer algo, ele logo completou: “Fico muito feliz em ver você conversando aqui comigo, como uma pessoa normal. Muitos anos atrás passei por vários aeroportos, e eu me sentia rebaixado quando tinha contato com algum piloto. A maioria era tudo nariz em pé, se achavam os melhores. É bom ver que agora as coisas estão mudando”.

Esse comentário me fez refletir durante o restante da viagem, sobre vários aspectos citados no comentário daquele motorista. O primeiro é notar que ainda hoje, época na qual a formação e rotina do piloto não são mais um mistério, as pessoas ainda consideram essa uma ocupação admirável, e por vezes, ainda se surpreendem quando revelamos que somos pilotos, o que sempre nos trás um sorriso ao rosto vendo sua expressão de surpresa. Entretanto, é triste perceber que as décadas passadas da aviação, que nós pilotos conhecemos como a época do glamour, também traziam consigo alguns que formavam o estereótipo do piloto-nariz-em-pé, aqueles que ao invés de retribuir a admiração que as outras pessoas tinham neles, aparentemente preferiam apenas reforçar a teórica diferença de nível que havia entre eles e o restante da população “comum”.

Mesmo que você invista milhares de reais em sua formação, curse diversos módulos de especialização e voe para vários lugares do mundo, isso não faz de você uma pessoa superior a outra que trabalha como motorista de ônibus rodoviário. Se você é admirado por outras pessoas ou por outros profissionais, procure exaltar os motivos de isso ocorrer, e não criar barreiras para que você se sinta ainda melhor do que pensa que é.

Alguns aviadores de décadas passadas podem ter errado neste ponto, mas está em suas mãos a oportunidade de mudar isso, em situações que podem ocorrer até em uma simples rodoviária.

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Alexandre Sales
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