Ainda hoje há muita gente crente de que a segurança de voo é algo pertinente apenas à aviação comercial de grande porte, e provavelmente só notarão que isso é um erro quando for tarde demais.
Certo dia estava eu auxiliando na gravação de algumas vídeo-aulas de aviação, e quando chegamos na parte de Conhecimentos Técnicos, o instrutor começou a falar dos elementos que formam o trem de pouso de uma aeronave. Ao final da explicação, ele começou a dar algumas dicas adicionais de manutenção e segurança de voo. Dentre elas, o conselho de que jamais se deve decolar quando for notado, durante o check pré-voo, que o pneu está murcho.
“Será que não poderíamos cortar esse trecho? Afinal, quem em sã consciência prosseguiria para decolagem com o pneu nesse estado?” – Foi o que pensei ao rever esse trecho durante a edição do material gravado.
Após refletir alguns segundos sobre esse auto-questionamento, e lembrar de alguns incidentes e acidentes dos quais ouvi falar, a resposta foi clara: Nunca subestime o poder das pessoas em subestimar.
É importante termos em mente que as dicas básicas de segurança de voo de que temos ciência, como “sempre cheque a meteorologia antes de decolar”, são algo rotineiro para nós. No entanto, pode ser algo totalmente novo para um piloto que seja menos instruído, e costuma voar apenas analisando o clima visualmente.
Vamos para um exemplo prático, que escutei de um professor durante meu curso teórico.
Várias décadas atrás, quando a fiscalização era quase inexistente, um piloto que havia aprendido a voar com os amigos, e não possuía formação oficial, foi auxiliar em uma mudança com a aeronave que pilotava. Colocou tudo o que podia dentro de seu monomotor, desde malas até televisão, mas ainda faltava algo que era grande demais para isso: um colchão. A solução que ele deu? “Amarra aí em cima da asa”.
O final da história vocês podem imaginar qual foi.
Conheça sua aeronave – É a lição deste caso.
Europa. Um instrutor está dando uma aula de voo em uma aeronave experimental para um de seus alunos. Esse modelo de aeronave possuía um canopy de bolha, comum em aeronaves da categoria, sendo aberto para frente para se entrar ou sair da aeronave. Já em voo, o aluno não estava com seu cinto de segurança. Durante uma forte corrente descendente, a força G fica negativa repentinamente, fazendo com que o aluno seja jogado contra o canopy de vidro, destravando-o, e caindo de milhares de pés de altura. Apenas o instrutor, que estava com cinto, retornou ao solo com vida.
Atar cintos – Dizia o preflight checklist.
Nenhuma dica de segurança de voo, por mais básica que seja, é dispensável. Mesmo que você já esteja ciente delas, poderá chegar um dia no qual seu conhecimento sobrecarregado pelas mesmas dicas venha a salvar uma vida alheia. Portanto, reforce-as e repasse sempre que possível. Afinal, por mais que muitos digam “estou ciente”, sempre haverá aqueles que dirão “eu não sabia.”
Nunca subestime o poder das pessoas em subestimar.
Abraços,
Sales
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