Calculando a performance de subida do Seneca II
Por Enderson Rafael
Se tem algo errado pra se dizer em performance é que esta ou aquela tabela, este ou aquele cálculo, é mais importante que outro. Todos sem exceção estão lá porque são essenciais a um voo seguro. Os regulamentos e padrões de certificação que foram criados e impostos ao longo dos anos, foram forjados a sangue, e o custoso processo de homologação de uma nova aeronave não está lá de enfeite. Mas de fato, poucos cálculos têm a relevância e variam tanto, em qualquer condição meteorológica, de pista, relevo ou peso, quanto o cálculo de razão de subida.
Vimos alguns artigos atrás como se chegar nesses valores em um Piper Cherokee. E vimos naquele mesmo artigo como o simples fato de ter pista suficiente não significa que você consiga subir rápido o suficiente depois de sair do chão para livrar obstáculos ao redor do aeródromo. Com uma aeronave multimotor acontece a mesma coisa, porém com uma vantagem: dois motores, que em cruzeiro significam uma velocidade maior, em subida, significam razão maior. Desde que você mantenha a Vy, claro. Muita gente, mal sai do chão, deixa o avião ganhar velocidade e mantém uma razão de subida de meros 500 pés/min. Ao invés da Vy de 89 nós, subindo a digamos, 1300 pés por minuto, agora você está a 120 nós subindo apenas 500 pés por minuto. Isto pode até ficar plasticamente bonito num vídeo, ou render alguns segundos a menos de viagem. Mas usar o “cruise climb” tão próximo do chão faz o piloto abrir mão da única moeda de troca que ele realmente tem: a altitude.
Sem motor algum, sem potência alguma, altitude pode ser trocada por velocidade: ponha o nariz embaixo e você acelera. Altitude pode ser trocada por distância: use a sua best glide (melhor velocidade de planeio) e você chegará o mais longe possível. Altitude pode ser trocada por tempo: quanto mais longe do chão, mais tempo você tem pra resolver uma pane ou escolher um alternado ou local de um pouso forçado. Mas quem resolve acelerar pra 120 nós a 400 pés do chão ou mesmo abaixo disso, pode ficar sem nada caso perca a potência por qualquer motivo que seja, de falta de combustível a choque com pássaros. Pilotos devem sempre estar alguns minutos à frente de seus aviões. Pense 3 minutos na frente. Se algo der errado, você prefere estar a 4000 pés ou a 1500?
Inclusive vem aí a grande vantagem dos multimotores sobre os monomotores: há bem mais maneiras de fazer um motor só parar do que de fazer todos pararem ao mesmo tempo. Então, vamos aos cálculos de razão de subida.
Estamos novamente com 4mil libras de peso de decolagem. Menos, portanto, que o peso máximo aprovado para o Seneca II. O dia está feio e nublado aqui em São José dos Campos, São Paulo. Temos 25°C de temperatura, com ajuste altímetro de 1017hPa (QNH). Sendo a elevação de campo 2120 pés, temos uma pressure altitude de… Bom, um jeito de calcular é tirando 30 pés por hPa acima da ISA. Ou seja, 4×30, 120. Portanto, com a pressão 4 hPas acima de ISA de 1013, temos uma pressure altitude de exatos 2000 pés em SBSJ hoje. A outra maneira, pra quem está dentro de um avião, é ajustar o altímetro pra 29.92inHg ou 1013hPa (QNE). A altitude que o altímetro mostrar será justamente a altitude de pressão. Mais uma vez, como o gráfico do Seneca II traz os valores em pressure altitude em função da temperatura, não precisaremos calcular a density altitude como faríamos no Seneca I (pra quem ficou curioso, hoje está em 3607 pés).
Jogamos os dados no gráfico, bem semelhante ao do Cherokee. Subindo uma linha reta de 25°C até encontrar a pressure altitude de 2000 pés, seguimos horizontalmente. O primeiro parâmetro a cruzarmos será o de two engine climb, ou seja, a razão de subida com dois motores. Descemos uma linha reta e temos 1580ft/min aproximadamente. Essa razão só vale, lembrando, se mantida a Vy de 89kts (mais cowl flaps abertos, mistura rica, trem recolhido, flaps up e um bom piloto de teste no comando). Se você baixar o nariz e mantiver um climb menor, ganha mais velocidade. Eu não vejo muita vantagem em fazer isso antes de uns bons 2 mil pés de subida, mas você é o piloto em comando.
Agora, interessante mesmo é a segunda linha de parâmetros que cruzaremos: one engine climb. E é aí que fica claro porque vale a pena manter a Vy no começo do voo. Hoje, que é um dia de clima favorável à performance, com apenas um motor, você subirá a meros 300 pés/min. Isso com avião novo, pás do motor embandeiradas, cowl flaps fechados e um bom piloto de teste no comando. Como sempre, espere valores mais medíocres da sua parte. O Seneca II, diferente do I, sequer mostra valores negativos nesse gráfico, mas ainda assim, é fácil perceber que algumas combinações de temperatura e pressure altitude equivaleriam a isso: teste, por exemplo, 3mil pés de pressure altitude e 35°C. Viu? Nem tem como. Mas isso não quer dizer que o avião vá despencar como um monomotor, apenas que vai perder altitude devagar enquanto você o mantém acima da VMCa e o traz em segurança para o pouso. Afinal, como discutido no longo artigo sobre bimotores leves, por certificação, eles não são obrigados a subir caso tenham uma pane mono, apenas a manter controle direcional. Viu o porquê do meu apreço pela Vy? Altitude é a moeda de troca, e quanto mais dessa moeda você tiver no bolso, melhor. Sempre.
Enderson Rafael é Piloto Comercial MLTE/IFR pela FAA e ANAC, Comissário de Voo, escritor e um dos representantes no Brasil da Treasure Coast Flight Training, na Florida – EUA.