Bote umas horinhas de voo no bolso e logo você, eu e todo aviador vai ter suas próprias histórias de sufocos pra contar. Aí vêm as duas principais lições:
1 – como não entrar de novo naquela situação embaraçosa, crítica, perigosa, ou seja lá o nível da coisa em que nos metemos.
2 – o que eu fiz pra sair dela e poder estar aqui pra contar a “aventura”.
Sempre desconfie de quem faz questão de operar mais distante da zona segura. Uma tragédia como a que aconteceu em Santos traz, num primeiro momento, a comoção. Alguém não conseguiu cumprir o principal objetivo de qualquer piloto: voltar pra casa e para o convívio de seus familiares e amigos.
Em seguida vem a pergunta: Qual foi a armadilha que pegou nossos colegas? Essa pergunta é um mecanismo de autodefesa, que cada um de nós carrega para nos proteger de ciladas como as que os pegaram. Cada um tem suas teorias, mas quando acontece uma fatalidade, a grande verdade é a certeza de que os aviadores fizeram tudo o que estava ao alcance deles, pra se livrar daquela enrascada que o destino preparou.
Não vou relacionar aqui os erros e violações que eu já cometi, pra não deixar o texto enfadonho e longo demais. Com o perdão da palavra, cagadas já fiz as minhas, nas diversas fases da minha carreira de aviador. Os anos vão se passando na mesma proporção em que o juízo e a experiência aumentam. Conhecimento não ocupa espaço de bagageiro, e não entra nos cálculos de Peso & Balanceamento. Portanto, dá pra gente adquirir à vontade, sem medo de ser feliz.
Bom saber de tudo que envolve o voo, mas a leitura de Relatórios Finais de Acidentes é sempre bastante útil. Assistir a palestras operacionais e de segurança de voo, e trocar informações com outros aviadores, é sempre aconselhável. Essas precauções, somadas ao treinamento, formam um conjunto consistente de opções que todo aviador deve ter guardado na manga. Afinal, nunca saberemos quando vamos ter que usar.
Um acidente sempre é acompanhado do aumento do nível de alerta. Nada mais saudável que isso. E o que dizer das suposições que fizeram um piloto chegar a uma situação irreversível? Acredito que sejam úteis na medida em que cada aviador imagine que aquilo possa também acontecer consigo, e que lições sejam aprendidas ao mesmo tempo em que o nível de alerta seja aumentado.
Acredito que sejam completamente inúteis na medida em que haja o desrespeito ao aviador que se envolveu no acidente, seus familiares, seus amigos mais próximos. Tem gente competente e com muita experiência fazendo esse trabalho, e a gente vai saber o que aconteceu com boa margem de acerto.
Um bom aviador deve conduzir sua máquina dentro dos padrões operacionais, de segurança e conforto, mas tem que ter certa dose de egoísmo na condução do seu voo. Independentemente de quem ou o que esteja transportando, independente da necessidade de chegar, independente de quem esteja lá embaixo assistindo sua decolagem, ele deve estar sempre focado em fazer o melhor para si mesmo e sua integridade física, ou seja, garantir sempre sua volta para casa. Mesmo que seja só mais tarde.
Bons voos!
Ruy Flemming é Diretor de Relações Públicas da ABRAPHE (Associação Brasileira de Pilotos de Helicóptero) e Tenente-Coronel-Aviador da Reserva.
*Esse texto foi publicado originalmente pelo Comandante Ruy Flemming em sua timeline no facebook e posteriormente no Grupo do Canal Piloto.