“Sully” é um filme que todo aviador deve assistir

posted in: Alexandre Sales, Artigos | 3

No final de 2016 foi lançado o filme Sully, retratando a famosa amaragem (ditching) do US Airways 1549, um Airbus A320, no Hudson River em Nova York no ano de 2009. O ocorrido atraiu atenção mundial pelo fato da tripulação ter feito um toque com perfeição nas águas do rio, salvando todos a bordo. Chegamos a publicar nosso primeiro review sobre o filme na época de sua pré-estreia.


Sobrepondo o exagerado Flight (2012)

“No one could land that plane like I did” – Quando o trailer de Sully foi lançado, de imediato surgiu a comparação com o filme Flight estrelado por Denzel Washington.

Essa outra obra retrata um pouso forçado após um defeito técnico na aeronave. Apesar da tripulação ter salvo boa parte dos passageiros através de uma manobra arriscada, o Comandante da aeronave é alvo de julgamento sobre suas condições físicas durante o voo, o que acaba sendo alvo do restante da trama.

Até então, Flight era o melhor filme no qual era retratado o processo de investigação jurídica após um acidente. Entretanto, apesar de entreter bem o público geral, os entendidos de aviação sofriam com os exageros e clichês do personagem e situações. Afinal, um PLA Top Gun com dependência etílica e química, que faz manobras dignas de Red Tails (2012), não foi a melhor representação que esperamos de um piloto.

Ficamos esperando Denzel proferir o famoso “Gonna show him a little trick I learned!“.


Fugindo do clichê biográfico

Com Flight em mente, não esperava muito ao ir assistir Sully. Por um lado sabia que possivelmente respeitariam a física dessa vez, mas por outro temia que seria um filme com história arrastada, e que apenas no final de fato engrenasse na parte da aviação.

Eu esperava até mesmo que contassem parte da formação aeronáutica do Cmte. Chesley Sullenberger tal qual uma biografia, afinal, como vão preencher um longa metragem em volta de um ocorrido que durou apenas alguns instantes?

(Spoilers do filme daqui em diante)


Retrato da mente pós-acidente

Minha visão mudou já na primeira cena. Ao assistir os primeiros segundos, logo imaginávamos que de imediato a cena do acidente seria exibida por completo. Entretanto, uma estranheza toma conta quando vemos a aeronave planado dentre os prédios.

Sully_2_Canal_Piloto

Ele parou no rio, como ele vai superar os obstáculos para chegar lá? – Em seguida a aeronave se choca com os prédios… e Sully acorda de seu pesadelo.

O filme de imediato subiu em meu conceito ao aparentemente propor que retrataria em muito o conflito que o piloto sofre após um acidente.

Durante uma situação anormal ou de emergência, normalmente mantemos a calma, técnica e profissionalismo, até a resolução final do problema e do voo. Mas após livrarmos nossas responsabilidades, já fora da aeronave, é comum refletirmos sobre as decisões tomadas, e se algo não poderia ter sido feito diferente.


Investigação técnica e jurídica

Paralelo a ótima trama pessoal que envolvia o personagem de Tom Hanks, o auge do filme de fato foi a investigação sobre o ocorrido. Apesar de Sully ter sido um dos principais responsáveis pelo sucesso do ditching, as investigações de causas técnicas e responsabilidade jurídica ainda precisavam ocorrer.

A cena em questão é um ótimo exemplo de como e o que argumentar perante tais acusações. Normalmente um advogado/perito aeronáutico é recomendável para tal defesa, mas aparentemente Sully era auto suficiente nesse quesito.

Esse é o principal aprendizado que um piloto real pode tirar do filme. Por incrível que pareça, muitas das multas e penalidades que os piloto sofrem no Brasil, vão adiante unicamente por eles não saberem como recorrer ou se defender das acusações. Portanto, assim como no filme, monte uma estratégia de defesa (ou contrate alguém que a possa fazer).


Perfeccionismo aeronáutico

Juntamente com o aprendizado técnico, o que fica na memória após o filme é a excelente representação do conflito de perfeccionismo que o piloto sofre após uma situação anormal ou de emergência, mesmo que o desfecho tenha sido o melhor possível: todos sobreviveram.

Houveram feridos? O pouso poderia ter sido mais suave. Todos estão bem? Mas a aeronave ficou avariada. Conseguimos voltar ao aeroporto? Mas deixamos a pista impraticável por tempos. No fim o piloto sempre se perguntará se alguma decisão não poderia ter sido melhor que a já tomada.

Em Apollo 13 (1995), também estrelado por Tom Hanks, podemos ver que a produção de filmes desse gênero tende a dramatizar ao extremo as situações, a fim de nos fazer ficar apreensivos, nos identificar, e torcer pelos personagens. A primeira parte de Apollo 13 apresenta as famílias e o companheirismo entre os astronautas, justamente para termos isso em mente durante a situação tensa que viria a seguir.

O filme Sully também teve esse artifício, mas com a diferença de não ter focado o drama na família do piloto, em sua história de vida, ou na reação dos passageiros. O drama de Sully é focado na mente do piloto, que fez algo tão inimaginável que até chamam de milagre, mas que ainda sim reluta se esse milagre não poderia ter tido um melhor resultado.

Alexandre Sales
Redes
Latest posts by Alexandre Sales (see all)