A indústria da aviação está a enfrentar uma crise sem precedentes num contexto ambiental nada confortável. Não custa repetir, a aviação é responsável por cerca de 2,5% das emissões globais de CO2, e sua contribuição geral para as mudanças climáticas é ainda maior. Isto ocorre porque os aviões não emitem apenas CO2. pela queima de combustível, eles também libertam vapor de água e óxido nitroso, outros gases responsáveis pelo efeito de estufa. A boa notícia é que a indústria da aviação tem tomado medidas muito importantes para lidar com esses problemas, de onde se destaca dois exemplos de construtores de aeronaves.
De acordo com o IPCC1, o impacto da aviação nas mudanças climáticas é de dois a quatro vezes maior do que o efeito simples das suas emissões. Nesse sentido, em 2009, foram definidas metas ambiciosas que incluem o crescimento neutro em carbono a partir de 2020, e reduzir para metade as emissões líquidas dos níveis de 2005 progressivamente até 2050. Todo o setor está comprometido com o combate às mudanças climáticas, investindo em novas tecnologias e infraestrutura, melhorando a eficiência e desenvolvendo combustíveis mais sustentáveis para aviação.
A indústria aeronáutica tem trabalhado em tecnologias disruptivas em engenharia de desenvolvimento, onde sucessos recentes com propulsão elétrica parecem ser a força motriz para a aviação moderna e sustentável. Os aviões elétricos não são uma invenção nova, tendo participado dos círculos da aviação desde os anos 1970. Durante décadas, esses aviões foram apenas aeronaves experimentais com pouco alcance e com capacidade de transportar carga útil de quase zero. No entanto, nos últimos anos o número de projetos de aeronaves elétricas aumentou muito, graças, principalmente, às inovações emprestadas da indústria automóvel. Hoje, a performance das baterias melhorou significativamente, permitindo já autonomias do voo acima de uma hora.
A principal vantagem da propulsão elétrica movida a bateria é o seu impacto mínimo no meio ambiente. Com zero emissões na operação do voo, esta é de longe a maneira mais limpa de operar uma aeronave. Os motores de propulsão elétrica não apenas eliminariam as emissões diretas de carbono, mas também reduziriam os custos com combustível em até 90%, manutenção em até 50% e ruído em quase 70%.
Outras vantagens importantes são o baixo custo da hora de voo e ser muito silenciosa, representando uma solução estratégica para os problemas relacionados com o ruído provocados pelas operações de aeronaves próximas de cidades. Hoje o custo direto do combustível é muito significativo e pode sê-lo ainda mais no futuro, especialmente se for feito algum ajuste na tributação.
Pipistrel
Em junho de 2020, a Agência de Segurança da Aviação da União Europeia (EASA) anunciou a certificação do Velis Electro, da fabricante Pipistrel Aircraft, o primeiro avião elétrico do mundo a receber um Certificado de Tipo (EASA.A.573 TCDS). A aeronave de dois lugares é revolucionária em termos de inovações tecnológicas e eficiência de custos. O Velis Electro pode ser operado comercialmente, e é totalmente aprovado para treino de pilotos, bem como outras operações. Com seus baixíssimos ruídos sonoros, cerca de 60 dBa, pode levar o treinamento de voo muito mais perto das áreas urbanas sem afetar a qualidade de vida das comunidades. A certificação dessa aeronave é considerada um marco importante na busca por uma aviação ambientalmente sustentável.
Desde 2007, a Pipistrel lidera o setor de pequenas aeronaves elétricas, sendo um importante projetista e fabricante de pequenas aeronaves, especializado em modelos de alto desempenho com baixo consumo de energia e preços acessíveis. Convidamos o fundador e CEO da Pipistrel, Ivo Boscarol, para responder algumas perguntas sobre a história do seu negócio e sobre sua percepção da aviação no futuro.
Conte-nos como a Pipistrel se tornou uma pioneira na produção de aviões elétricos?
O nosso pioneirismo foi basilar, pois estamos dedicados a produzir aviões elétricos há muito tempo, e nestes últimos 14 anos conseguimos vender muitas aeronaves elétricas, adquirindo assim muita experiência que nos levou onde nos encontramos hoje. Além disso, contamos com uma equipa qualificada e que acredita fortemente na visão e no desenvolvimento da empresa, e através desse compromisso, podemos produzir tudo internamente.
Quais foram os principais desafios enfrentados pela Pipistrel para obter a certificação Velis Electro?
A certificação do Velis Electro foi um grande desafio. No início, não havia nenhum modelo, nenhum componente, e não havia nenhuma experiência com a certificação de um avião deste tipo. Portanto, considero que a decisão de contribuir para fazer as regras e projetar tudo internamente foi uma decisão difícil para a Pipistrel, mas também a base para o nosso sucesso.
Qual é o interesse do mercado por este tipo de aeronave? E como a Pipistrel está a preparar-se para atender a outras procuras do mercado?
O mercado está muito mais interessado do que tínhamos esperado no início. A Pipistrel produz hoje 11 modelos diferentes de aeronaves, sendo três delas, elétricas. Mas já estamos a receber mais encomendas de aeronaves elétricas do que de modelos com motores a pistão. Estamos, na verdade, a dobrar a produção de aeronaves elétricas a cada 6 meses.
Na sua opinião, qual será a aviação do futuro e como vê a Pipistrel nesse cenário?
A minha opinião é de que a aviação será a cada dia mais livre de emissões. Dessa forma, a Pipistrel segue contribuindo para uma atmosfera mais limpa e mais silenciosa, e estamos a fazer um esforço para adicionar novos modelos de aeronaves livres de emissões ao nosso portfólio.
Falcon Electric Aviation
Em outubro de 2018, um grupo de estudantes da Eindhoven University of Technology, na Holanda, fundou a Falcon Electric Aviation (FEA), uma tartup dedicada a conversão de aeronaves a pistão em elétricas. O objetivo do projeto era influenciar a indústria aeronáutica a emitir o mínimo possível de substâncias nocivas com o desenvolvimento de pacotes de conversão (kits) para todos os tipos de aeronaves e helicópteros, de modo que possam ser adaptados de forma relativamente simples e barata a uma alternativa elétrica.
Atualmente, 16 alunos estão a trabalhar na conversão elétrica de um Cessna 150, um protótipo que significa o primeiro passo para demonstrar que o voo elétrico é realmente possível por meio da adaptação de uma aeronave já existente. Conversamos com Christian Van Erp, gerente de Relações Exteriores da FEA, que explicou um pouco mais sobre o projeto com o Cessna 150 e dos planos futuros para a startup.
Qual foi a principal intenção para a criação da Falcon Electric Aviation – FEA?
A principal intenção do projeto foi mostrar que converter um pequeno avião elétrico é uma opção viável, tanto técnica quanto financeiramente, ao invés de utilizar um avião convencional. Dando este impulso, os responsáveis pela aviação geral (por exemplo voos de negócios, lazer e treino) podem considerar começar a voar eletricamente e, assim, reduzir suas emissões.
Até agora, quais foram seus principais desafios (e oportunidades) no projeto?
Os principais problemas que este projeto enfrenta são a falta de regulamentação no que diz respeito aos aviões elétricos e o desconhecimento geral da equipa sobre as leis e regulamentos nesta área, visto que somos todos estudantes técnicos. Por isso, estamos a tentar recrutar estudantes de Direito que tenham entusiasmo para mergulhar neste assunto, juntamente com um mentor experiente e a nossa equipa técnica.
Qual é a viabilidade de converter aeronaves movidas a motor a combustão (Avgas) em aeronaves totalmente elétricas para o treino de pilotos?
A viabilidade de aulas em aeronaves elétricas é bastante alta, de acordo com nossos cálculos. Ou seja, o cálculo da duração de voo do nosso avião elétrico será de cerca de uma hora, que é semelhante à duração de uma aula de voo. Além disso, a escola de aviação economizará muito dinheiro com Avgas, já que a eletricidade é mais barata.
Por que escolheram o Cessna 150 como protótipo?
O Cessna 150 não é, obviamente, o avião mais novo e aerodinâmico do mercado. Ainda assim, esse modelo foi escolhido como protótipo por ser um avião muito comum, além de também ser frequentemente usado para a instrução nas escolas de voo. Dessa forma, utilizar o Cessna 150 como protótipo é um potencial maior para converter mais aviões existentes do que aviões melhores para a formação, porém, menos comuns hoje em dia.
Qual é o potencial de mercado para o projeto que FEA está desenvolvendo?
Só na Holanda, existem cerca de 70 escolas de pilotagem, portanto, se cada escola decidir
encomendar um kit de conversão de avião elétrico, isso teria um potencial de mercado de cerca de 10 a 14 milhões de euros. Além disso, os aviões elétricos podem ser usados para outros fins, como agricultura, intervenção contra drogas e viagens para e entre as ilhas, mas a maior parte desse potencial está localizado fora da Holanda.
Como vê o futuro da aviação? E quais são os planos da FEA para o futuro?
Com o desenvolvimento atual das tecnologias de bateria e hidrogénio, vemos um futuro em que os voos regionais de curta distância serão feitos totalmente elétricos a bateria, enquanto os voos de média distância e mais pesados serão feitos num avião a hidrogênio. Para voos de longa distância com centenas de passageiros, uma solução pode ser encontrada em biocombustíveis renováveis ou combustíveis sintéticos sustentáveis. Para a FEA, a principal prioridade é concluir nosso primeiro projeto de “eletrificação” do Cessna 150. Em seguida pode ser desenvolvido um novo projeto, por exemplo, para um avião maior transportando mais passageiros em distâncias maiores.
Embora mais de 90 por cento das emissões de CO2 das operações globais de aeronaves comerciais sejam geradas por grandes aeronaves, o uso e a experiência com aeronaves menores podem servir como plataformas de desenvolvimento de tecnologia e ajudarão a definir um caminho de aplicação para aeronaves regionais e maiores. Essas duas iniciativas mostram-nos que o uso da eletricidade como fonte de energia é claramente viável e um grande impulsionador da descarbonização maciça e da transformação tecnológica para o transporte aéreo em geral.
O autor
Pedro Paçó é brasileiro, engenheiro agrônomo, UX designer e apaixonado pela aviação. Atualmente, é estudante de mestrado em Operações de Transporte Aéreo no ISEC Lisboa. Paralelamente, dedica-se aos estudos teóricos para a licença de piloto privado. Interessado pelos temas ligados à sustentabilidade, inovação e ao futuro da mobilidade urbana, dedicou-se a investigar assuntos ligados à aviação elétrica e aos combustíveis sustentáveis da aviação durante o mestrado. Conjuntamente com outros estudantes, desenvolveu um estudo de viabilidade para a substituição da frota de aeronaves movidas a combustão pelo Velis Electro, em um aeroclube de Portugal.
Escute o podcast sobre o tema
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