Vamos comprar um carro! | Minha Proa: 039

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Mesmo que tentemos imaginar, é impossível ter a real noção do quanto as mães estão dispostas a sacrificar em prol de seus filhos.

Minha família é daquelas que se encaixaria em qualquer quadro dramático de programas de Domingo, com uma música dramática de violino ao fundo. Meus pais trabalharam em dezenas de profissões braçais de base ao longo das décadas, em São Paulo e na indústria de Cubatão – desde soldador industrial, no caso de meu pai, até operária em fábrica de sacolas, no caso de minha mãe. Durante os anos 80 e 90, minha família se manteve nesse padrão, trabalhando apenas para sobreviver, sem lugar para ambições ou reserva financeira para planejamentos.

Na década de 90, através de um programa habitacional do governo, meus pais conseguiram nossa primeira casa própria, na qual eu nasci e cresci. Com o passivo do aluguel estando extinto, finalmente pudemos começar a evoluir, e graças a isso tive um infância sem luxos, mas feliz.

No alvorecer da década de 2000, minha mãe planejava realizar um de seus sonhos: um carro. Esse era o grande desejo de boa parte da classe média, e uma prova disso é que, com a facilidade de crédito que começou a surgir na mesma época, foi justamente o carro o objeto de maior foco. Devido a isso, surgiu o personagem do “está cheio de dívidas… mas tem carro”, que é exibido em matérias de TV.

“Vamos comprar um carro!” – Foi a mensagem de minha mãe para a família em uma certa manhã. Mas antes de pensar em comprar o veículo, ela queria saber se estaria apta, e começou a fazer o curso de formação. Durante os meses seguintes, ela se dedicou como nunca. Estudava e revisava os manuais e livros durante quase todo o dia, para finalmente dar mais um passo rumo ao seu sonho de consumo.

Nesse meio tempo ela já havia visto alguns modelos, e decidiu que iria comprar um dos mais básicos da época, e que apesar de hoje parecer esteticamente feinho, ocupava as ruas em grandes números.

Tendo passado no curso teórico com sucesso, ela iniciou as aulas práticas, com horários que eram difíceis de encaixar em sua rotina. Em certa vez, lembro-me dela ter ido me pegar na minha escola, seguirmos para a auto-escola, e eu cair de sono no banco de trás do carro de instrução, enquanto ela tinha sua aula.

Depois de meses ela finalmente conseguiu, e adquiriu sua carteira de motorista. Há tempos ela não ficava tão feliz, foi uma auto realização sem precedentes.

“Mãe, quero ser piloto” – Foi minha mensagem para a família em uma certa manhã.

Ao ver o custo da formação, minha mãe fez as contas e notou o óbvio: caso eu iniciasse o curso, não haveria com encaixar o pagamento de um carro em nossa renda mensal. Por outro lado, se ela simplesmente falasse “não”, ela poderia comprar o carro.

Hoje eu sou piloto, e nunca tivemos um carro.

Obrigado, mãe.

Abraços,

Sales

Alexandre Sales
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