Pois é, acredito que 11 em cada 10 pilotos já tenham ouvido essa pergunta. Então já passou da hora de esclarecermos para os leigos, e mesmo para quem já está iniciando a carreira, a diferença que existe entre essas duas e muitas outras nomenclaturas e funções a bordo. Fiz uma série no meu perfil do Instagram sobre o tema e a recepção foi excelente, então irei dividir com vocês o mesmo conteúdo, porém de forma mais aprofundada do que os stories permitem. Vamos lá.
Primeiro ponto: embora “piloto” todos deduzam com um certo grau de precisão o que seja, fica uma espécie de vácuo quando se fala de um “copiloto”. Ele é menos que um piloto? É um apêndice de um piloto? O que será um copiloto? Por isso, tecnicamente, a palavra é pouquíssimo usada, pois além de não significar muita coisa, pode significar mais de uma. E vamos chegar lá. Em termos de hierarquia a bordo, o famigerado copiloto é o “segundo em comando”. Porém, se a questão for em quem está voando o avião e quem está monitorando a operação, o “copiloto” pode muito bem ser o primeiro em comando. Por isso, é uma má ideia colocar o nome de “copiloto” em um cargo, e algumas companhias no Brasil e a maioria no exterior prefere a denominação “primeiro oficial”. Dito isso, qualquer copiloto é antes de mais nada, um piloto. Antes de ser primeiro oficial num avião de linha aérea, ele certamente foi piloto em comando em um avião menor. Exato: os dois seres humanos que compõe uma tripulação múltipla são pilotos. Na maioria dos casos, de cargos diferentes; e sempre, com funções diferentes. E é isso que vamos destrinchar.
Comandante: nome dado ao cargo do piloto sentado à esquerda em uma aeronave – também chamado “commander” ou “captain”. Geralmente é o piloto em comando (PIC), salvo se houver outro comandante operando mais antigo – com mais tempo de casa – que ele. Geralmente é mais experiente que o Primeiro Oficial, mas não necessariamente: como a promoção à Comandante, embora tenha requisitos mínimos, está mais ligada à necessidade da empresa, diferentes carreiras podem colocar um Comandante mais novo e menos experiente ao lado de um Primeiro Oficial mais experiente e mais velho, mas isso não é comum. Há casos em que as empresas também preferem, geralmente por necessidade, contratar Comandantes diretamente – prática conhecida como DEC (direct entry captain). Nesse caso, os Primeiro Oficiais podem perfeitamente ter mais tempo de casa e naquela aeronave do que o Comandante. Também é norma da indústria que instrutores de simulador e rota, e examinadores, sejam Comandantes, embora seja cada dia mais comum vermos Primeiro Oficiais dando instrução em solo.
PIC: Pilot in Command, ou “piloto em comando”, é o responsável final pela segurança da aeronave, observância das normas e regulamentos, e preposto da empresa no caso de uma aeronave de linha aérea. Ele tem autoridade máxima dentro do voo, e portanto, todas as suas decisões são finais. No caso de uma tripulação múltipla, ele é assessorado pelo segundo em comando (SIC), que, na sua ausência ou incapacidade, assume suas prerrogativas seguindo a cadeia de comando. Geralmente, o SIC é um Primeiro Oficial ou Segundo Oficial, mas pode perfeitamente ser outro Comandante também.
Primeiro Oficial: First Officer, ou como vemos às vezes, “Copiloto”, é o segundo em comando (SIC) na cadeia hierárquica da aeronave. Seu papel é assessorar o Comandante da melhor forma possível, seja operando os sistemas da aeronave, pilotando propriamente ou auxiliando na tomada de decisão. Na ausência ou incapacidade do Comandante, passa a atuar como primeiro em comando. Geralmente é mais novo e menos experiente que o Comandante, mas como vimos, não necessariamente. Após alguns anos e algumas milhares de horas de voo, um Primeiro Oficial está apto a ser promovido ele próprio a Comandante, mas isso depende exclusivamente da necessidade da companhia de preencher seus quadros de comando.
Segundo Oficial: Second Officer, uma figura que não existe na aviação brasileira – onde mesmo com poucas horas, já se contratam Primeiro Oficiais, mas é relativamente comum no exterior. Geralmente é um piloto que tem pouca experiência e portanto não tem os mínimos para entrar na companhia como First Officer. Após passar por um extenso programa de treinamento em solo, simulador e em rota, passa por um check final e passa a ser, ele mesmo, um First Officer. Atua como SIC da mesma maneira que o FO.
Safety Pilot: Em linhas gerais, o papel do safety pilot é servir de backup em caso de incapacidade do Comandante Instrutor de um Second Officer ou First Officer em seus primeiros voos, até que estes alunos tenham proficiência adequada para eles mesmos atuarem como SIC. Obviamente, se necessário, podem substituir os próprios alunos. Em geral, o safety pilot acompanha o voo de um jump seat (assento extra) na cabine de comando, e comumente, o safety pilot é um First Officer.
Pilot Flying: nome dado ao piloto que está efetivamente no controle da aeronave. Pode ser o Comandante, pode ser um Primeiro ou Segundo Oficial. Num voo normal, que não seja de instrução, geralmente cabe ao Comandante decidir quem será o Pilot Flying em quais etapas. Por exemplo, se forem feitos 2 voos naquele dia, uma etapa é do Comandante como PF, e a outra do First Officer. Algumas regras, no entanto, são observadas, uma vez que as políticas internas de cada companhia ou país possam implicar que determinados aeroportos ou condições climáticas adversas só possam ter o Comandante como PF. Essas questões são comumente ligadas ao seguro da aeronave. Não havendo restrição, basta ao Comandante decidir, mas em geral, Comandante e Primeiro Oficial alternam-se em quem voa o avião. Também há companhias e equipamentos onde o Primeiro Oficial pode taxiar a aeronave, e outras onde só tem os controles da aceleração para decolagem à desaceleração após o pouso. Cabe ao PF planejar e executar a navegação lateral e vertical da aeronave, efetuando os briefings e respondendo aos checklists.
Pilot Monitoring: nome dado ao piloto responsável por assessorar o Pilot Flying. Geralmente cabe a ele modificações nos computadores de voo em momentos de alta carga de trabalho, modificações – à pedido do PF – do painel do piloto automático enquanto o PF estiver voando manualmente – e o acompanhamento do consumo de combustível, navegação e comunicação com os órgãos de controle de tráfego. É essencial para a segurança do voo que ambos pilotos estejam em sintonia todo o tempo com relação à operação, e boa parte dessa sintonia vem da efetiva comunicação entre Pilot Flying e Pilot Monitoring.
Bom, este assunto é tão complexo que poderíamos escrever um livro sobre ele, mas a ideia aqui é clarear alguns conceitos básicos que existem na aviação de linha aérea. Lembrando que tanto o piloto sentado à esquerda quanto o piloto sentado à direita têm áreas de responsabilidade nos painéis e sistemas do avião distintas, que se complementam e se alternam em diversas fases do voo ou voos em que estejam de PF ou PM. É um assunto complicado, e por vezes até polêmico, pois muitos se questionam qual o mínimo de experiência que alguém necessite para atuar em uma aeronave de linha aérea. Embora não exista um número mágico que cubra todas as variáveis, é bastante óbvio que não há como se ganhar experiência em um segmento específico da aviação senão começando inexperiente naquele segmento. O que todos parecem concordar, no entanto, é que um programa de treinamento robusto e a dedicação pessoal de cada profissional envolvido foi capaz de produzir recentemente alguns dos anos mais seguros da História, por mais que o tráfego aéreo não pare de crescer.