Obviamente que, em sã consciência, ninguém decolaria de um aeródromo, onde quer que fosse, com previsão ou muito menos visualização de uma nuvem de tempestade como essa, certo? Errado. Justifico a resposta pela própria afirmação ‘’em sã consciência‘’.
Todo piloto – e até mesmo quem não é piloto – sabe que a vontade e o prazer de voar superam o medo, a própria lógica, e até mesmo a condição financeira. É algo simplesmente viciante e realmente muito bom. Pesquisas feitas na aviação mundial mostram que, em voos de aviação geral, quando é percebida alguma falha de equipamento secundário ou algum contratempo entre o taxi e a decolagem (onde são feitos a maioria dos checks), somente 12% a 15% das decolagens são abortadas. Isso se explica pelo dito acima: a emoção do piloto, a vontade e sensação de voar superam qualquer instinto e lógica.
É aqui que entra o nosso tema. A meteorologia muda às vezes em 10 minutos. O céu está em constante movimento, e lidar com esse movimento é o segredo da segurança na aviação civil. Todo piloto precisa avaliar sensivelmente os riscos das condições do tempo antes de decolar, e uma vez no ar, saber lidar com as intempéries, contratempos e situações inusitadas que ocorrem . Durante esta semana, vou abordar como podemos programar um voo tranquilo, prevendo e voando à frente da aeronave sempre, algo que vai muito além de simplesmente olhar a previsão do tempo.
Primeiramente, permitam-me lhes apresentar nosso amigo cúmulos nimbos, também conhecido como CB. É o maior vilão dos táxis aéreos e aviação geral, terror dos alunos do PP e amigo da Anac, não me perguntem por que. O CB começa como uma simples nuvem convectiva num gradiente térmico super-adiabático, em torno dos seus 3,5°c / 100m – algo assustador, visto que o normal seria apenas 1°c. O ar sobe muito rapidamente, a cerca de 60 km/h até o topo, condensando e formando cada vez mais nuvens, até que correntes descendentes começam a aparecer. Neste ponto, a coisa fica séria. Formação de gelo violenta em velocidades acima de 250 kts, neve, ventos que podem fazer o fator de carga chegar a -3 e +3, e o pior: a desorientação magnética.
Sim, esse é o famoso segredo do triângulo das bermudas e daquelas histórias todas! Alguém já parou para olhar por onde passa a Zona de Convergência Intertropical (ITCZ)? Justamente ali estão registradas as maiores formações de CBs durante o inverno no Brasil. Então, muitas das histórias de pilotos que decolaram, se perderam e apareceram em áreas totalmente afastadas de onde pensavam estar, foi justamente por conta da famosa desorientação magnética de bússolas e instrumentos radiogoniométricos – os efeitos conhecidos como bússola louca e inversão de polos.
Mas calma, essa fase do CB dura até 30 minutos, e então começa sua dissipação progressiva e menos danosa à navegação aérea, que pode também levar de 20 a 30 minutos em média.
Nos próximos textos, vou mostrar as melhores formas de previsão “Forecast” e de área (uma ferramenta muito boa que nos é dada de graça, mas infelizmente não a utilizamos muito), as consequências de uma aeronave exposta a este fenômeno, bem como os procedimentos de reação do piloto.
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