Cartas Enigmáticas

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Cartas Enigmáticas

Calculando performance com as cartas da Piper

Por Enderson Rafael

Oscar Lima Alpha, como quem leu o artigo da semana passada viu, hoje refaremos os cálculos de performance, mas de uma outra fabricante: a Piper.

Enquanto avião de instrução de asa alta é em grande parte sinônimo de Cessna – e o Cessna 172 é a aeronave civil mais fabricada da história, com mais de 35mil exemplares entregues – quando falamos de avião de instrução de asa baixa ou multimotor, a Piper vira o jogo. Por isso, hoje veremos como calcular a performace de um ícone da fabricante com sede em Vero Beach, Florida.

Questão presente nas provas escritas da licença de Piloto Privado na FAA, a interpretação das cartas de performance da Piper são uma dor de cabeça pra quem faz seu treinamento inicial num Cessna, e portanto não está familiarizado com as cartas enigmáticas da concorrente. Mas uma vez que se domina a maneira de fazer, fica fácil e prático. Ao invés de trazer tabelas de temperatura e altitude de pressão, como vimos que a Cessna faz no artigo anterior, a Piper traz gráficos em que uma linha fluida atravessa os diversos parâmetros para resultar em dados como climb, VySE, accelerate-stop distance, take off distance, landing distance, endurance, entre outros. Como o peso e balancemanto já foi visto no primeiro artigo, consideraremos o peso máximo de decolagem da aeronave.

Hoje estamos com nosso Cherokee na simpática cidade mineira de Poços de Caldas. Temos três adultos a bordo, mais bagagem e combustível, perfazendo o peso máximo de decolagem do PA-28-140 de 2150lb (977kg). A pista de Poços de Caldas (SBPC) é pavimentada e tem 1250 metros, ou, na unidade que nosso gráfico encontrará, 4100 pés de comprimento. Não é uma pista curta, mas a 4135 pés de altitude de campo, toda atenção a esse item é pouca. E quem vai nos dizer o tamanho do abacaxi é o METAR: apesar de estarmos no outono, é uma da tarde e o METAR de SBPC mostra ventos de 270 graus com 6 nós, CAVOK, temperatura de 27oC, com ponto de orvalho de 10oC, e ajuste do altímetro de 1024. A diferença de temperatura entre a atual e o ponto de orvalho já dá a dica de que pelo menos a umidade está bem baixa, o que sempre ajuda na performance – e no voo VFR. Mas 27oC a esta altitude… Bom, não dá pra saber antes de fazermos algumas contas rápidas. Podemos sem problemas calcular a altitude de pressão: altitude de pressão é igual (pressão padrão – pressão atual) x 30 + elevação do campo. Logo, temos: altitude de pressão = (1013 – 1024) x 30 + 4135. Ou seja, 4135 – 330, que é igual a 3805ft. Bacana, a pressão alta nos ajudou. Mais fácil que calcular assim, só colocando 1013 (ou 29.92) no ajuste de altímetro. O valor que aparecerá no altímetro vai ser praticamente idêntico a esse.

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Mas hoje estamos de Cherokee, e a Piper usa nestes gráficos a altitude de densidade, que é a altitude na qual o avião se sente, e ela é uma função de temperatura e pressão. Também tem fórmula, bem marota até.

Altitude de densidade = altitude de pressão + [120 x (OAT – ISA Temp)].

Bom, ISA é a temperatura da atmosfera padrão ao nível do mar: 15oC. Pra cada 1000 pés, ela cai 2oC as a rule of thumb (expressão que os americanos usam pra dizer de uma regrinha que se você decorar te ajuda em cálculos simples). Logo, em Poços de Caldas, a ISA é de 7oC. OAT é temperature do ar externo (outside air temperature). Hoje está em 24oC, segundo o METAR e como mostra o termômetro do seu avião também. Aplicando na fórmula esses dados e o que já tínhamos calculado antes, temos que altitude de densidade = 3805 + [ 120 (17)]= 5845. Ou seja, seu avião pode estar em Poços de Caldas, mas está se sentindo mais alto que em Monte Verde. Por favor, gente, não se acanhem diante das fórmulas: dá pra calcular tudo isso com a EB6 ou outro computador de voo, mas não duvide que saber essas coisas pode ajudar numa seleção tanto quanto se você esquecer o computador de voo em casa.

E então, quanto de pista precisaremos? Segundo o gráfico, aplicando tudo que descobrimos até aqui, 1550ft de pista e mais que o dobro disso para livrarmos um obstáculo de 50ft. Ou seja, temos uma margem boa aqui, mas que demanda atenção, afinal, com a altitude sugando forças do seu motor e da efetividade das pás da sua hélice, sempre é importante ter em mente os cálculos de performance.

Se estivéssemos no verão, por exemplo, com pressões mais baixas e temperaturas mais altas, decolar de Poços de Caldas poderia tornar-se uma aventura. E não há outra maneira de se descobrir isso de antemão a não ser fazendo os cálculos de performance. Vamos chutar aqui condições de um verão: 35oC, com ajuste altímetro de 1013 pra facilitar a conta: teríamos uma altitude de densidade de incríveis 7285 pés. Volte lá no gráfico e veja o que ele diz sobre altitudes de densidade como essa…

Há muitos outros gráficos no manual do avião que permitem que calculemos tudo nele relativo ao nosso voo. É sempre um exercício interessante e saudável ler e reler o manual da sua aeronave, afinal, já que nunca saberemos tudo, quanto menos desconhecermos, melhor. E é importante ver a relação de cada uma das peças: por exemplo, gastamos só 450 metros pra sair do chão, mas passaremos a cabeceira oposta da pista 27 ainda raspando as árvores. Como esse gráfico abaixo, do “rate of climb” nos mostra: que me desculpe seu lindo Cherokee, mas sua razão de subida nessas condições é mais sofrível que a de um Cessninha 150 ao nível do mar.

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Portanto, sempre considere decolar de aeroportos altos em horas mais frescas do dia, como de manhã e à noite, como a tripulação de um Boeing 737-800 da Copa Airlines precisou fazer dia desses em Porto Alegre e muitos passageiros não entenderam. É possível que seus passageiros não entendam também, portanto explique. Conhecimento é sempre um aliado do piloto, até para acalmar patrões e passageiros.

Bons voos e até a próxima, quando veremos algumas coisas sobre a performance do Seneca!