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Como calcular a performance de decolagem de um Cessna 152

Por Enderson Rafael

Oscar Lima Alpha, senhores aviadores, como diria meu amigo Sales. No último artigo vimos qual a importância e como fazer o Peso e Balanceamento de um Cessna 152 utilizando tanto a técnica de calcular os momentos a partir da linha datum quanto usando o gráfico presente no manual do avião. Embora estas não sejam as únicas maneiras de fazê-lo – quem teve a oportunidade de fazer o P&B de um jato sabe disso – são as mais simples e difundidas para a aviação “pequena”, por assim dizer.

E se há algumas opções de P&B, quando o assunto é cálculo de Performance, são mais opções ainda. Sem entrar no mérito das matérias de PLA, onde outros aspectos bem mais complexos são abordados, veremos neste artigo como calcular a performance de um Cessna 152. Como o assunto é extenso, neste artigo, falaremos dos cálculos apenas de decolagem. Numa outra oportunidade, falaremos também da performance em rota – que está bastante ligado à navegação e ao planejamento de voo.

Vamos começar pelas coisas que influenciam na performance de uma aeronave: além da própria aeronave (peso e balanceamento), entram na conta fatores como temperatura, altitude e vento. A maneira como estes elementos interagem ditam quanto de pista um avião vai precisar para decolar e pousar. Duas velocidades chave para lembrarmos aqui são a Vy e a Vx. Vy é a velocidadede “best rate of climb”. É a velocidade que nos dá maior ganho em altitude em um determinado espaço de tempo, e a velocidade que devemos usar normalmente. Vx é a velocidade “best angle of climb”, e nos oferece o maior ganho de altitude em uma determinada distância, e é a velocidade que usaremos para decolagens em pistas curtas (“short field take offs”).

No caso específico do Cessna 152, a Vy é de 67 KIAS (velocidade indicada) ao nível do mar. A Vx é de 54 KIAS, considerando as técnicas de short field take off – flaps 10o até 50ft (no treinamento usamos 200ft), acelerando pra Vy depois e recolhendo os flaps.

Mas as velocidades indicadas – e que são as que temos no airspeed indicator – pouco têm a ver com o nossa ground speed, que é influenciada totalmente pelo meio: vento, temperatura e pressão. Para facilitar a nossa vida, ao invés de colocar na carta de performance a altitude de densidade, que é a altitude na qual o avião “se sente”, a Cessna coloca nas cartas de performance a temperatura e altitude de pressão. O gráfico que a Cessna usa para este cálculo é o que veremos a seguir.

Lembremos do nosso artigo anterior: temos um Cessna 152 com tanque cheio e peso total de decolagem (Take Off Weight) de 720Kg, ou seja, 1584 Libras. Completamente dentro do peso máximo de decolagem permitido da aeronave de 1670lb, ou 756Kg. Ao contrário do Peso e Balanceamento, onde você deve usar valores exatos, para performance, é permitido que você arredonde para valores mais conservadores. Ou seja, poderíamos até calcular a performance exata para 1584lb de peso de decolagem, mas ao considerar valores maiores, estamos na verdade nos dando uma margem extra de segurança.

Portanto, com relação ao peso, consideraremos o peso máximo de decolagem da aeronave: 1670lb – note que este gráfico está em libras, graus celsius e pés, então, para voar no Brasil, precisaremos converter algumas unidades.

Outra coisa a ser observada é que a tabela traz os valores para Short Field Take Off Techniques, ou seja, os consideráveis com Flaps 10º, decolando com potência máxima a partir do “brakes release” mantendo Vx até 50ft. O próprio manual recomenda: para o “normal” take off, você deve utilizar os valores na linha acima – que são mais conservadores ainda.

Estamos nós em Viracopos, Campinas. São 2170 pés de elevação de campo. A pista tem 3480 metros de extensão, ou seja, cerca de 10500 pés de comprimento. Hoje está uma temperatura amena, temos 21oC e um vento de 150 graus com 9 nós e QNH de 1003. Sendo 30 pés para cada milibar, nossa pressure altitude é de 2470ft (300 acima da ISA), e sendo -2oC para cada 1000 pés, temos uma ISA de 11oC a 2170 pés, ou seja, hoje temos 10oC acima da ISA. (Pra quem ficou curioso, uma altitude de densidade de 3732 pés é a referência que a Piper usa nas suas cartas, como veremos num outro artigo sobre a forma peculiar de se calcular performance nos manuais da fabricante do Seneca e do Cherokee).

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Basta usarmos a linha seguinte: para o peso de 1670lb (já conservador, pois estamos mais leves que isso), usaremos 3000ft de pressure altitude e 30oC de temperatura (destaques em vermelho). Teremos portanto um ground roll (corrida de decolagem) de 1080 pés e livraremos 50 pés a 2020 pés do ponto de brake release. Mas faltou considerar o vento: 9 nós de vento de proa (head wind). O manual diz para tirarmos 10% dos valores encontrados para cada 9 nós de headwind e para adicionarmos 10% para cada 2 nós de tail wind (vento de cauda). Logo, nos nossos cálculos teremos 1080-108=972 pés de ground roll, ou seja, aproximadamente 320 metros de corrida de decolagem, tudo isso para decolagem curta. Numa decolagem normal (flaps up, aceleração normal), usamos a linha seguinte: 4000 ft/40oC (destaques azuis).

Descontado o vento de proa, ground roll de 1157 pés (381 metros) livrando um obstáculo de 50 pés 2200 pés (726 metros) após iniciar a decolagem. Na própria tabela dá pra perceber a enorme diferença que a temperatura faz nessa conta. Se fossem 10oC, gastaríamos quase 100 metros a menos para decolar do que se fossem 40oC. Numa pista longa como a de Campinas, isso faz pouca diferença. Já numa pista curta, ou de grama, ou com obstáculos próximos, isso pode fazer toda a diferença do mundo. Não preciso nem lembrar do quão temeroso fica se estivermos com mais peso do que podemos, num dia mais quente do que de costume, numa pista mais alta do que a média, como o vídeo do Cessna caindo após a decolagem na Colômbia nos mostra, não é?

Bons voos e até a próxima!