A “micareta da aviação”

posted in: Raul Marinho | 4

O amigo Alexandre Sales, do Canal Piloto, me enviou um questionamento recebido de um leitor (ou, no caso, de uma leitora), com a sugestão de fazermos uma publicação conjunta de sua resposta, lá (no Para Ser Piloto) e cá (no Canal Piloto) simultaneamente. Trata-se de uma pergunta interessante, pois permite que se comente como está a verdadeira situação do mercado de trabalho para pilotos, tema que nunca é demais repisar – e é claro que aceitei a proposta do amigo Sales. Então, vamos lá, primeiro reproduzindo a pergunta da leitora:

Gostaria se possível uma matéria sobre a contração de pilotos ou copilotos, pois ultimamente só vejo crises, e pilotos sobrando, existe a busca pela carreira em ritmo acelerado, porém não existem vagas, logo sobram pilotos, comissários e etc. A afirmação procede?

Agora, a resposta, que ao invés de ser técnica, como usualmente faço, achei melhor recorrer a uma alegoria para torná-la mais interessante:

Imagine que o mercado de trabalho para pilotos seja uma grande micareta, em que as mulheres estejam representadas pelas vagas de trabalho, e os homens sejam os pilotos em busca de emprego. Para todos os efeitos de raciocínio, vamos admitir que todo mundo nessa festa seja heterossexual, solteiro(a), e a fim de arrumar um par; e não vamos entrar no mérito do “machismo da sociedade brasileira” e outras considerações de correção política: isso aqui é uma mera alegoria sobre o mercado de trabalho, não um tratado de Sociologia.

Pois muito bem. Essa micareta, em sua edição de 2010, na era do “apagão de pilotos”, tinha umas 2mil mulheres e uns 1.800 homens – e as notícias eram de que dobraria o número de mulheres em breve, daí as histórias sobre o tal “apagão de pilotos”, digo, “de homens”, que corria na época. Na micareta daquele ano, um rapaz não precisava ser extremamente bonito, rico ou bom de papo para descolar uma mulher na festa. Lógico que, para pegar as mais gatas não era moleza; mas se o sujeito não fosse muito seletivo, era relativamente fácil sair dessa micareta acompanhado. Sim, tinha mulher que preferia voltar para casa sozinha a ceder às cantadas de determinados sujeitos; e mesmo havendo mais mulher que homem, teve marmanjo que saiu da festa desacompanhado. Mas, em média, se o rapaz não fosse horroroso ou falasse muita bobagem, não era difícil que ele se desse bem na festa daquele ano, mesmo estando de ônibus (muito embora, para estes, as chances de sucesso diminuíssem bastante).

Agora, vejamos como está essa micareta na sua edição 2013. Por causa das notícias de que haveria ainda mais mulheres nas edições futuras, aumentou o número de homens, que hoje são 3,5mil micareteiros. Mas, ao contrário do que se previa, as mulheres diminuíram bruscamente, caindo para somente 500 senhoritas. Então, o que está acontecendo é o seguinte:

  • O bonitão que chegava na festa de Porsche Cayenne Turbo em 2010 e fazia o maior sucesso com a mulherada, continua pegando todas em 2013 – o pior que pode ter acontecido é que as gatas que ele leva embora não sejam mais tão gatas assim;
  • O sujeito boa pinta, que chegava de Civic/Corolla novinho, e que fazia muito sucesso em 2010, hoje em dia não pega quase ninguém, pois há uma fila de caras de BMW/Camaro na sua frente, que estão suando a camisa para levar a gordinha embora (e, geralmente, não conseguem nem isso);
  • Já o cara que ia prá Micareta de ônibus… Bem, por incrível que pareça, um ou outro ainda se dá bem, pelos mais insondáveis motivos, mas em termos estatísticos, a chance de um cara desses sair acompanhado é zero.

Fazendo um paralelo com o mercado de trabalho da aviação, o cara do Porsche é o piloto com um super-QI “big white shark” (o piloto que realmente tem alguém com poder para influenciar na sua contratação). Em 2010, esses caras só atrapalhavam porque eram eles que pegavam as mais gatas; mas em 2013, a turma do Porsche pega mais da metade das mulheres disponíveis na festa – como havia mais mulheres em 2010, eles pegavam menos de 10% do total naquela época, já que a quantidade de donos de Porsche praticamente não varia.

E o pessoal com um bom QI (mas não ‘super’: aquele piloto que tem alguém para levar o currículo para o RH e, eventualmente, “dar uma força”) e boa formação, que seria quem chega na festa de BMW/Camaro, acaba pegando a gordinha, se tanto. Já o pessoal do Civic, que são os PC-IFR/MLTE+ICAO+Jet+faculdade (mas sem QI), que dificilmente saíam sozinhos da festa de 2010, hoje em dia tem poucas chances. É este pessoal que mais se prejudica, em termos relativos, pelo fato de a festa estar com tão pouca mulher como hoje – mais até que o pessoal do ônibus (aqueles sem MLTE, ICAO, Jet, e faculdade), que já estava em situação desfavorável no passado: enquanto estes tiveram sua situação agravada, aqueles inverteram o sentido de sua perspectiva.

O problema é que a festa de 2014 deverá ter ainda menos mulheres (e, possivelmente, mais homens) do que a deste ano. Talvez, de 2015 em diante, é que a situação possa começar a se inverter novamente, se os planos de incentivo à aviação regional realmente vingarem (e a economia não degringolar de vez). Daí que, se você não tem um Porsche – ou, pelo menos, uma Mercedes usadinha –, é bom saber que as chances de você sair da festa de 2013/14 de mãos abanando são muito altas. Por isso, talvez seja melhor repensar a estratégia de formação, de modo a estar pronto num momento mais oportuno – e, se possível for, conseguir um bom QI – para ingressar no mercado em uma situação mais favorável. Já para quem pode participar do Grande Baile Asiático e Árabe que está ocorrendo neste exato instante, o momento é dos mais propícios. Dá até para chegar de ônibus (em termos de QI), basta ter a beleza de uma licença de PLA e o charme de uma habilitação de TIPO de jato de grande porte, que você se dá bem!

Renato Cobel
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