Quer que eu lhe espere para voar? – Uma reflexão sobre os Aeroclubes

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Há alguns meses li no Para Ser Piloto um artigo onde o Raul Marinho citava um link exibindo os costumes e ambiente dos Aeroclubes americanos, onde ainda são comuns reuniões, eventos e revoadas, coisas que acontecem cada vez mais raramente nos Aeroclubes brasileiros.

Comentei no mesmo post que, pelo que posso observar, os clubes de aviação desportiva acabaram assumindo esse “ambiente clássico” dos antigos aeroclubes brasileiros, e atuais aeroclubes estrangeiros.

Por experiência própria e através dos vários amigos, experientes ou novatos, que fiz na aviação, vejo que quando se trata de “aeroclube”, uma pessoa leiga pode imaginar um lugar onde vários pilotos e proprietários de aeronaves se reúnem, para passar o tempo, conversar, fazer novos amigos, e é claro, voar.

Porém, hoje em dia, o máximo de interação em um voo compartilhado que há nos aeroclubes geralmente, é quando dois pilotos se reúnem para voar um rota mais longa, no acordo de “você pilota na ida, e eu ganho a hora na volta”, ou ainda quando um grupo de 3 ou 4 amigos se reúnem para fazer um voo de lazer e rachar o valor daquela hora, coisa que também eu fiz.

É claro que ainda existem aqueles proprietários que fazem voos com amigos em suas aeronaves, mas de fato é raro, e certamente, essa pessoa que o irá acompanhar geralmente não é um estranho, sendo assim amigo de um amigo em comum, ou alguém já habilitado e conhecido que voa nesse mesmo aeroclube há tempos.

Ou seja, essas interações entre os frequentadores vem se retraindo ao longo do tempo, e as que acontecem, se limitam por vezes a poucos amigos em específico através de outros que possuem aeronaves. Muitos aeroclubes ainda restringem o voo de seus pilotos formados com passageiros, mesmo estes tendo sido checados PP e PC no local, e nesses casos, a possível boa vontade do piloto é sobreposta pela falta de aeronave para levar um amigo para voar.

Já nos Hangares, Clubes ou Escolas de Aviação Desportiva (Aviação Ultraleve/LSA), a situação é contrastante. Depois do primeiro contato que tive com o pessoal da ‘Looping – Escola de Aviação Leve’ através da entrevista do CP Cast 24, passei a frequentar o local no Aeródromo de Atibaia/SP, e pude perceber o ambiente acolhedor e familiar característico dos aeroclubes de décadas passadas.

Os proprietários das aeronaves hangaradas no local são em sua maioria profissionais de sucesso em áreas distintas e não relacionadas com a aviação, além do que não pretendem seguir carreira e por vezes se limitam à habilitação de CPL (Piloto de Aviação Leve), portanto, toda a interação que existe entre os frequentadores do local é puramente instintiva, sem competição ou pressa para “ganhar horas”, e é comum ainda muitos deles organizarem com certa frequência revoadas para eventos, shows aéreos e seminários de aviação.

Neste último Domingo estava indo com parte da equipe do CP à mais um churrasco de comemoração de voo solo, que fazem sempre que um aluno atinge esse marco, e no caminho recebo a ligação de nosso amigo Eduardo Gomes, com o qual já havia voado desde a primeira vez em que visitei o local:

– Sales, me disseram que você está vindo pro churrasco, está por onde agora?

– Acabamos de sair de São Paulo, mais 1h e chegaremos ai

– Eu não vou ficar para o churrasco, mas vou voar hoje, quer que eu lhe espere para voar?

Sendo pego de surpresa pela frase, durante aqueles segundos antes de confirmar o pedido, me perguntei:

“Ora, ele vai ir embora antes do churrasco, não costuma cobrar pelos voos que faz com os amigos da Looping, e como trabalha em uma área fora da aviação, eu nem se quer poderia oferecer algo vantajoso à ele através do Canal Piloto, além do que, ainda farei ele esperar 1h a mais até eu chegar lá, então, o que ele ganharia com isso, porque a preocupação em me ligar e oferecer o voo?”

E é nesse mesmo segundo que lembro de todas as diferenças e contrastes que citei neste artigo até o momento, e a resposta para minha pergunta acabou sendo outra pergunta:

“Ora, e porque ele não convidaria?”

Deste modo, essa se tornou outra prova da boa vontade e camaradagem, não apenas do Gomes, mas de todos os outros pilotos que vivem pelo local, pois pelo tempo que o frequento, posso notar que tal prática é mais do que comum, caracterizada pela frase que já escutei por lá:

– Hoje fulano está indo voar sozinho porque não tinha ninguém pra levar

Portanto, é interessante vermos como através dos anos os atuais aeroclubes brasileiros se tornaram em suma “Escolas de Aviação” que ainda são denominadas aeroclubes, e os Clubes/Escolas de Aviação Desportiva, no sentido da palavra, se tornaram os verdadeiros “aeroclubes” com todas as interações sociais características destes.

[youtube https://www.youtube.com/watch?v=ptHYQeWQjCE]

Alexandre Sales
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