A Vida de um Futuro Piloto 14

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A Vida de um Futuro Piloto 14
Texto: Fábio Miguel – Vitrine: Eduardo Godoi

E aí Cmtes, tudo tranquilo? Maravilha!

Depois de quase uma semana sem voar, consegui um horário para fazer a minha 21ª hora de voo. Demorou um pouco para sair também, sendo que durante essa semana que passei sem voar, meu voo foi cancelado duas vezes e adiado uma vez. Os motivos dos cancelamentos foram os mesmos: aeronave na manutenção. E o do adiamento foi por conta do horário do instrutor.

Bom, problemas com o avião resolvidos, horário do instrutor tudo certo também, voo marcado para sexta-feira, dia 07/10, às 10h30min. Inicialmente estava marcado para as 8h45min, como de costume, porém, por conta do horário do instrutor, adiaram para as 10h30min, o que foi muito bom. Com o voo às 8h45min, eu teria que acordar 5h e ir de van até o aeroclube.

Como já disse em um relato passado, não pretendo mais ir de van, uma vez que ela me deixou lá em Londrina uma vez, pois atrasou em 30min o meu voo. Até tentei arrumar outra van, mas ninguém quer fazer o esquema que preciso para ir para Londrina, e também por estar no fim do ano já.

O adiamento para o horário das 10h30min foi bom, pois além de poder dormir 1h a mais, eu não teria que ir de van, porém o meio de transporte secundário é o metropolitano. O ônibus metropolitano, para quem não sabe, é aquele ônibus tipo urbano, com acentos de plástico e ferros para que as pessoas se segurem, que faz viagens entre cidades próximas a um custo mais baixo que o ônibus de linha.

O metropolitano também é conhecido como intermunicipal em alguns locais. Enfim, é o meio de transporte utilizado pela população de baixa renda ou até mesmo por pessoas de renda média para se deslocar até uma cidade próxima, gastando pouco. O problema, como devem saber, é o tipo de pessoa que frequenta esse ônibus. Lá encontramos de tudo, mas de tudo mesmo.

Desde pessoas “porcas”, que não sabem o que é um banho ou um desodorante na vida, até algumas figuras alcoolizadas e com química nas veias, se é que me entendem. Não vejo problema nenhum nisso, nem discrimino tais pessoas por conta disso, porém, acho que todos deveriam ter um senso mínimo seja de higiene, seja de educação.

Enfim, para maiores detalhes sobre o assunto, escrevi um post sobre isso no meu blog desativado, #DEIXAPENSAR, podem dar uma olhada para conferir o texto. O horário que peguei o ônibus foi às 7h da matina. Era o único horário que coincidia com o horário que eu tinha que chegar no aeroclube, 9h30min. A viagem é feita em duas partes. Um ônibus até a cidade de Rolândia, e outro até Londrina. Cada perna desta viagem leva 1h, pois o ônibus vai parando em todo lugar.

E sim, vocês leram certo, a cidade se chama Rolândia. Vários humoristas já fizeram piada sobre essa cidade, inclusive Rafinha Bastos. O horário foi propício para conseguir um ônibus vazio e um lugar para sentar, tanto na primeira perna, quanto na segunda. Chegamos no horário em Londrina. Desci no ponto em frente ao terminal onde pegaria a “circular” até o aeroporto.

A “viagem” até o aeroporto é rápida, coisa de 10min. Chegando lá, fui até a sala de instrução para ver a aeronave que voaria naquele dia e o respectivo instrutor. A aeronave seria a mesma que voei da última vez, o PR-EMK. Agora o instrutor foi uma novidade. Seria o primeiro voo dele como instrutor no aeroclube.

Ele já trabalhava na parte de operações do aeroclube, agendando voos, fazendo a escala das aeronaves e instrutores, abastecimento e tudo mais, e aquele seria a primeira instrução que ele daria na vida. Eu ia “desvirginar” um instrutor. O instrutor em questão é o gente boa do Corchelli. Rapaz simples, inteligente, esforçado e engraçado.

Peguei as fichas de peso e balanceamento e notificação de voo e parti para a “sala AIS” do aeroclube, onde contamos com computadores para pesquisa de TAF, METAR, NOTAMs, ROTAER, AIP e tudo o que se pode imaginar.

Preenchi a ficha de peso e balanceamento e a notificação, consultei a meteorologia, avisos de aeródromo e NOTAMs. Tudo em ordem. A única coisa que estava mais fora do padrão um pouco era o vento. Naquele dia ele estava literalmente de través, 060/08 no METAR. Levando em consideração que a pista em uso era a 13, é possível perceber que o vento estava literalmente perpendicular à pista.

Enfim, anotadas todas as informações, fui atrás do Corchelli para realizarmos o briefing e aguardar a aeronave chegar. Ele estava ajudando a Jaque a mostrar os aviões às crianças de uma escola de Londrina. Não preciso comentar a euforia deles ao ver as aeronaves, preciso? Tirei o Corchelli daquela confusão e fomos fazer o briefing.

– Então Fábio, já olhei a sua ficha e o que os instrutores disseram sobre você e está tudo em ordem. Pelo que vi e ouvi, você voa muito bem, seguro na fonia e nos procedimentos, o que é muito bom. No voo de hoje, vai ser só TGL, com uma arremetida na final, nada de diferente.
– O EMK, como você sabe, tem a velocidade graduada em nós, porém, como estaremos com full tank, vamos usar as mesmas velocidades que em milhas para este voo. No mais, tudo na mesma. Não liga se eu ficar cobrando muito ou ficar falando o voo todo, mas sabe como é, primeira instrução. A gente fica meio nervoso. Então é só esperar o avião chegar, já faz a inspeção externa e a gente decola
– continuou o instrutor.
– Tranquilo então Corchelli, vamos aproveitar sua primeira instrução então.

E assim terminamos nosso briefing. Alguns minutos depois o EMK apontou no pátio do aeroclube. Ajudei a manobra-lo para o estacionamento e comecei o check externo nele enquanto ele era abastecido. Inspeção completa, hora de pegar a chave e o diário de bordo e partir para o voo.

Avisei o Corchelli que estávamos prontos para partir e já fui para a aeronave copiar o ATIS e chamar para acionamento. O vento permanecia na mesma ainda, céu CAVOK, sem restrição de visibilidade, informação L. Coloquei na frequência da torre, 118.40 e chamei para acionamento:

– Torre Londrina, muito bom dia. PR-EMK.
– PR-EMK, torre Londrina, bom dia. Prossiga.
– EMK no pátio do aeroclube, ciente da L, solicito acionamento e autorização para voo de instrução TGL.
– EMK, aguarde. Estamos verificando sua notificação. Já estamos em contato com a sala AIS para confirmá-la.
– Ciente, aguardando. EMK.

Para agilizar o procedimento, já fui efetuando o check de acionamento. Cerca de dois minutos depois, a torre nos chamou:

– PR-EMK, na escuta?
– Afirmo.
– EMK, notificação recebida, acionamento a critério. Acione 0166.
– 0166, EMK.– EMK, cotejamento correto, chame para táxi.
– Chamarei, EMK.

Como o check já estava pronto, foi só dar a partida no motor e aguardar para fazer o check pós-acionamento. Tudo dentro dos conformes no check, hora de chamar para o taxi.

– Torre, EMK pronto para táxi.
– Autorizado táxi, reporte no pátio principal EMK.
– Autorizado táxi, reportarei ingressando, EMK.

Prosseguimos com cautela no táxi. O EMK parecia estar com os pedais desregulados, pois para virar para a direita, mesmo apertando todo o pedal, o avião não respondia como deveria. Somente quando usava os freios é que ele respondia corretamente. Avisei o Corchelli e ele testou. Disse que estava normal e prosseguimos com o táxi. Pelo jeito era só do meu lado então.

Bom, como conseguia virar usando os freios, continuei no táxi. Na nossa frente havia um ATR da TRIP, pronto para decolar. Fizemos os checks de motor e chamamos pronto. Foi solicitado que aguardássemos a pista livre e o tráfego que vinha na final. Após a passagem do tráfego na final, ingressamos na pista, alinhamos e aguardamos autorização. Ela foi nos dada e começamos a rodar. Estava difícil manter o EMK alinhado por conta do pedal direito, mas segurei-o até a hora de decolagem.

Começamos a subir e mesmo mantendo a velocidade de 70kts, estava difícil de fazer ele subir. Logo percebi também que o vento seria um problema adicional no voo. Estava chacoalhando demais, principalmente sobre a cidade e os prédios na final da 13. Chegamos à perna do vento e no través, informamos a torre.

Ela pediu para que prolongássemos nossa perna por conta do tráfego que estava na final. Solicitei então um 360 pela direita para não afastar demais do aeroporto. Porém, ela não concedeu tal autorização. Resumindo, praticamente atravessamos Londrina de ponta a ponta até ela nos liberar para girar base e entrar na longuíssima final.

Procurei manter 3000ft na final até passar a parte dos prédios para sofrer menos com o vento, mas mesmo assim foi complicado. O vento de través estava ruim e empurrando o avião para fora de pista.

No primeiro pouso, vim caranguejando até o toque, segurei o bichinho na pista, aumentei a velocidade e subi novamente. Lembrei então do que o Bulaty tinha dito sobre a glissada frontal e pedi para que o Corchelli me ensinasse a manobra. Realizamos o circuito novamente e viemos para pouso. Desta vez ele me explicou a glissada e eu tentei fazer.

Joguei a asa para o lado do vento, mas pouca coisa, e dei pedal para o lado contrário, controlando para manter o eixo da pista. Mais um toque, arremeti e voltamos para o circuito. Novamente logo fomos autorizados a realizar o TGL. Mais uma glissada e o toque. Arremetida e motor para subir até os 2900ft do circuito.

Já no través, a torre pediu para que alongássemos novamente a nossa perna do vento por conta de outro tráfego na final. Assim que o superamos lateralmente, aguardamos a separação e giramos base. Viemos na final aguardando a pista livre e já na curtíssima o Corchelli disse, arremetida no ar.

Fechei o aquecimento, apliquei potência e subimos. O vento estava ficando mais forte a cada pouso e cada vez mais complicado de pousar. Realizamos novo circuito, e viemos para o último toque do dia. Tudo correu sem problemas, arremetemos e entramos no circuito. No través, a torre nos pediu um 360 pela direita.

A princípio não vi motivo nenhum para a manobra. A fonia estava livre e não havia nenhuma aeronave no pátio para decolar. Obedecemos a manobra e assim que terminamos, ela pediu outro. No segundo, ela informou o motivo. Uma viatura de INFRAERO estava fazendo uma vistoria na pista, e por conta disso ficamos em 360.

Após completado o segundo, ela pediu para que seguíssemos para o Estádio do Café, localizado próximo ao aeroporto, no setor noroeste do aeródromo.

Prosseguimos para lá e ao chegar, ela nos mandou prosseguir para o setor nordeste e chamar o controle Londrina em 129.70. Achei muito estranho isso, porém obedecemos.

– Controle Londrina, bom dia. PR-EMK.
– PR-EMK, informe a área de sobrevoo.
– EMK está sobre os silos, na área de S e 8.
– EMK, mantenha-se afastado do aeródromo em 5 a 10 NM. Atento ao tráfego do GMG na área de instrução.
– Ciente, EMK.

Ficamos por ali até que ouvi na fonia.

– … está sem motor.

Olhei para o Corchelli e perguntei:

– Eu ouvi errado ou disseram sem motor na fonia?

Ele olhou para mim e afirmou com a cabeça. Aparentemente tínhamos uma aeronave em emergência que pousaria em Londrina, e por isso fomos mandados para a área de instrução. Por conta do horário, pensamos que fosse o voo da TAM, que chega mais ou menos nessa hora em Londrina. Ficamos apreensivos e atentos na fonia.

– Controle Londrina, GAB está sem motor, cruzando agora o FL180.
– Ciente GAB, tem condições de informar o local que está sobrevoando?
– Negativo.

Bom, se a fonia estava sendo feita pela matrícula da aeronave, já descartamos o voo da TAM. Ficamos sobrevoando a área de instrução por praticamente 15 minutos. Neste tempo, o GAB já estava preparado para pouso em Londrina e todo o esquema de segurança estava armado no aeródromo.

Ficamos escutando as duas frequências, a da torre e a do controle. Felizmente o pouso aconteceu sem problemas e ninguém ficou ferido e nem houve danos materiais, apenas o susto. Era possível perceber na voz do piloto do GAB a tensão do momento.

Apesar disso, ele aparentava estar bem tranquilo e consciente dos atos. Assim que o GAB pousou e ouvimos na frequência da torre a autorização para táxi, solicitamos o retorno para o aeródromo para finalizar o voo, que já ia para 1h30min. Chamamos a torre e ela nos pediu para ingressar no início da perna do vento.

Tínhamos condições de entrar direto na perna base e adiantar o pouso, porém ainda havia as viaturas de INFRAERO fazendo a vistoria final na pista. Voltamos e ingressamos na perna do vento. Assim que a viatura liberou a pista, fomos autorizados a pousar. Vim para pouso normal, e na hora de desfazer a glissada e tocar na pista, o vento nos jogou para a lateral da pista e flutuamos mais do que devíamos.

O pouso ainda foi suave, mas totalmente desalinhado. Deixamos o avião correr para livrar na D, última taxiway da pista. Quando no táxi, outra aeronave havia pousado, um Baron 58. A torre nos pediu para ceder passagem para que ele livrasse na C. Assim o fizemos e fomos retribuídos com um “obrigado aos Cmtes pela gentileza”.

Durante o táxi, passando pelo pátio principal, visualizamos a aeronave que tinha tido pane no motor. O PR-GAB é um SOCATA TBM 850 (700N). Ao passar próximo à aeronave, percebemos que todos estavam bem. A princípio havia uma família inteira dentro da aeronave, inclusive com crianças a bordo. Mas graças à destreza, calma e habilidade do piloto, todos estavam bem. Parabéns ao Cmte pelo belo trabalho.

Também não poderia deixar de parabenizar os controladores da torre e do controle Londrina pelo ótimo trabalho também. No fim das contas, a primeira suspeita da emergência foi que o motor teve um superaquecimento durante o voo e o piloto desligou-o para evitar um problema mais grave. Entrou em voo planado e pouso em Londrina.

Por conta do vento, algumas testemunhas relataram que ele religou o motor na final para uma maior segurança no pouso, uma vez que o vento estava muito forte. Após o pouso, ele taxiou até um dos portões onde todos saíram ilesos. Só lembrando que essa é apenas uma suspeita, baseada nas conversas da fonia e do que algumas testemunhas disseram, nada confirmado ainda.

Terminamos o táxi, parqueamos a aeronave e fomos para um rápido debriefing. A única ressalva por parte do Corchelli foi com relação ao fim da glissada, onde após terminar a glissada, a tendência do vento é jogar o avião para fora da pista, assim como no último pouso.

Para corrigir isto, basta controlar o eixo com o pedal para o lado do vento, mantendo o alinhamento. Fora isso, um voo relativamente tranquilo apesar da turbulência mais forte um pouco e do susto do pouso de emergência. Ao final, o Corchelli pediu desculpa por qualquer coisa que tenha feito e pelo nervosismo do seu primeiro voo de instrução, mas não havia nada a se desculpar.

Tudo correu tranquilamente e tenho certeza que ele vai ser um ótimo instrutor. Sucesso! Agora só me resta pegar o intermunicipal de volta e aguentar aquelas famosas pessoas que citei no começo do post. Até o nosso próximo relato ;)

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Chegando ao fim mais um post da série e eu espero que vocês estejam gostando. Algumas pessoas me disseram que os posts estão muito extensos, mas a proposta é passar com uma rica quantidade de detalhes os procedimentos e a situação do voo, para que os futuros pilotos vão se acostumando com o ambiente. Ah, abaixo segue a foto do GAB:

 

Imagem: AIRFLN Aviation Pictures

Em breve voltarei com mais relatos para vocês ;)

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Fábio Miguel
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Renato Cobel
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