Aeroclubes e suas histórias: ACJF

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Série “Aeroclubes e suas histórias”
Aeroclube de Juiz de Fora – MG 

A aviação nos proporciona momentos únicos, associados ao prazer de voar. Viajamos para outras cidades, outros estados e até mesmo países, sempre buscando crescer profissionalmente e buscar aprender mais sobre os lugares onde ficamos por uns tempos. E nesses lugares aprendemos a fazer novos amigos e a amar mais ainda essa incrível arte de voar.

Nessa matéria de hoje, falaremos um pouco sobre o Aeroclube de Juiz de Fora (MG), aeroclube esse que tive a oportunidade de visitar na semana passada, após fazer um voo de translado a bordo de um Cessna 152. Essa aeronave passou pelo processo de TBO (Time Time Between Overhaul), de maneira simplificada, é uma revisão geral do motor do avião, onde ele passa por uma abertura, fechamento e verificações importantes que atestarão sua vida operacional.

 Hoje nossa ênfase estará na dinâmica de um aeroclube, como funciona, como opessoal fica instalado, como são feitas as revisões das aeronaves. Contamos com a colaboração de alguns alunos e instrutores que conheci por lá. Tive a oportunidade de conhecer o Marcelo Rocha, nosso colega de profissão, que exerce desde 1999 a profisão de mecânico de aeronaves, profissão que aprendeu com o saudoso Sr. Adair Ribeiro (lendária figura do aeroclube).

Aeroclube de Juiz de Fora (MG) – Um pouco de sua história

Sua história tem início com uma reunião realizada em 26 de fevereiro de 1938 no Clube Juiz de Fora. Já em 5 de março foi publicado um edital no Diário Mercantil convocando a Assembléia Geral de constituição definitiva da instituição. O estatuto foi aprovado, e a criação do Aeroclube de Juiz de Fora oficializada.

O aeroclube operou inicialmente no Campo de Benfica, anteriormente utilizado para pouso e abastecimento de aviões militares em treinamento. Sua primeira aeronave foi um Porterfield, de fabricação estadunidense (o prefixo da aeronave era PP-GAN), A aeronave foi cedida pela Aeronáutica Civi, e permaneceu em serviço por 28 anos.

Em 1958, com a inauguração do Aeroporto de Juiz de Fora na região antes conhecida como “Serrinha” (atual bairro Aeroporto), o aeroclube mudou-se para o local. No lugar da antiga pista de pouso em Benfica, foi construído o Colégio Militar de Juiz de Fora.

Instalações

Atualmente o aeroclube conta com uma excelente estrutura interna,fornecendo aos pilotos alunos, instrutores e demais funcionários um agradável ambiente de trabalho, sem contar com a belíssima paisagem que pude contemplar ao nascer e por do sol.

Realmente Juiz de Fora é um belo lugar para quem desejar voar: A região da cidade é dona de um cenário perfeito para aulas de voo, que se tornam ainda mais agradáveis devidos suas serras e morros cercados com algumas vegetações da Mata Atlântica.

Os alojamentos são arejados e providos de banheiros bem arrumados e limpos. Os pilotos podem utilizar a cozinha para prepararem suas refeições, já que ela conta com geladeira, fogão, pia e dispensas. Ainda podem-se usar os armários individuais, mesa para estudos, ou mesmo a sala de tv; que nas horas vagas dá para jogar o velho Playstation.

O aluno ainda conta com beliches individuais muito bem arrumados ao longo do quarto, o espaço é meio apertado, mas consegue-se acomodar bem as coisas pessoais. Na parte superior do Carandiru (sim, esse é o nome que o prédio é conhecido), quem precisar de mais privacidade pode reservar uma suíte individual com armário e banheiro, basta reservar com antecedência, pedindo a direção do aeroclube.

Logo na entrada dos alojamentos, foi construído um local onde são realizados os famosos churrascos. Ali se pode pagar uma taxa e ter acesso ao mesmo. É um ótimo local, pois se tem uma belíssima vista da mata atlântica, e de uma parte baixa da cidade.

Numa área localizada no prédio administrativo, foi instalado um salão de festas. Lugar bem localizado, sendo a área externa bem iluminada e gramada. Podendo ser alugada para eventos ou confraternizações.

Localização e atrações

Por estar numa área nobre da cidade, o aeroclube de Juiz de Fora proporciona aos seus alunos um ambiente prazeroso e muito agradável de estar. As facilidades de se morar num aeroporto e a proximidade com o centro da cidade facilitam as coisas para quem gosta de sair ou mesmo para comprar algo.

 Nos fins de semana a área externa do aeroporto fica lotada de pessoas que vão passear e ver as aeronaves: Foi um dos poucos locais que percebi a vista privilegiada que temos do hangar e da pista.

As pessoas podem ver de perto os aviões estacionados, tendo mais proximidade com os pilotos, instrutores ou mesmo paraquedistas, podendo assim tirar suas duvidas.

Uma das atrações para a criançada é o antigo simulador de voo, que fica estrategicamente exposto na entrada principal. Quem quiser pode também levar a criançada para brincar no parquinho na entrada do aeroclube. O aeroclube disponibiliza voos panorâmicos pela região, podendo dividir o valor da hora para até três pessoas.

Opinião dos pilotos

Num bate-papo informal com os pilotos Pedro Orsi Vieira, João Vitor e o Inva Leonardo Lupatini, percebi o apego que eles tem ao aeroclube. Nessa conversa, demos muitas risadas de historias engraçadas que ocorreram por lá, muitas até impublicáveis, mas que não deixam de ser engraçadas.

O que mais pesou, na opinião dos pilotos alunos, na escolha do aeroclube foi o custo beneficio. Segundo eles fica mais confortável morar num aeroporto em vez de um aeródromo. As facilidades vão desde a proximidade com o centro as facilidades de ser ter uma boate muito bem frequentada nas vizinhanças.

Outro ponto que os pilotos fizeram questão de frisar é acordar sentindo o cheiro de combustível queimando e a incrível façanha de se encontrar um litrão de cerveja for meros R$ 3,50.

O fator segurança no voo e confiança nos instrutores pesaram bastante na escolha. Isso trouxe tranquilidade aos alunos e familiares, já que a aviação ainda é erroneamente taxada de atividade de risco. Um fator importante que é a temática da nossa matéria é a manutenção dos aviões utilizados na instrução, pude comprovar na pratica cada etapa desse processo.

Tive a oportunidade de voar com o Thiago (explorador de aeronave) no voo de traslado a Juiz de Fora, e eu mesmo participei da estocagem, preparação e montagem do motor de um Cessna 152 de prefixo PT-TEA. Pude observar o cuidado na escolha das peças, e a sua preocupação quanto à montagem do motor. Falaremos mais sobre as aeronaves mais adiante, onde abordaremos os critérios de manutenção das mesmas.

Figuras estranhas e fatos engraçados

Segundo informado, o Ozzoi foi o cara mais bizarro que se tem noticia no ACJF. Ele se transformou quase que numa lenda, isso se dá pelo simples fato de andar despenteado, barbudo, e passar semanas com três peças de roupas, duas cuecas e duas meias. A definição é essa feita pelos colegas: Simplesmente bizarro!

Um fato curioso e comigo ocorreu uma época no Carandiru. Um aluno passava todo tempo trancafiado dentro do alojamento, e saia apenas para voar em instrução. Passava a maior parte do tempo fixado no laptop, e logo descobriram que ele usava aquelas salas de bate papo do Uol. Veja a narração deles:

“Entramos na sala de bate papo se passando por uma mulher, e logo criamos um msn falso com uma foto de uma garota comum. Puxamos assunto e logo marcamos um encontro na porta do aeroporto, porem, a suposta garota disse que era “quase homem, e que não tinha feito cirurgia de retirada. Ele não digitou nada, e esperamos, a seguir pensou e aceitou sair mesmo assim.

Ficamos esperando por ele dentro de um carro, enquanto os outros colegas se esconderam e ficaram observando de longe. Como combinado, dissemos antes para ele acenar e piscaríamos os faróis, ele veio caminhando em direção ao carro. Ao se abaixar no vidro do motorista teve uma pequena surpresa, todos os envolvidos no trote estavam dentro do carro e foi a maior algazarra fazendo com o nosso amigo saísse sem ter o que falar.

“Ele passou três dias trancado e sem falar nada com ninguém. Passado um tempo, ele nos confessou que curtia uns lances diferentes…”.

“Quase matamos um angolano de susto no Carandiru depois que soltamos uma bomba. Ele achou que o botijão de gás tinha explodido”.

“Trocamos o velho óleo queimado, usado após um check, por várias misturas de coisas fedorentas como leite azedo, ovos podres, salsichas velhas, feijoada, farofa Yoki estragada e até vinho. Misturamos tudo num pote de suplemento alimentar, deixamos umas duas semanas tampado. O pote inchou de tal forma que explodiu tudo na dispensa, o negocio fedia tanto que ninguém teve coragem de lavar”.

O panorama atual da aviação segundo os alunos

Todos nós sabemos que a ANAC tem prejudicado bastante tanto os futuros quanto os antigos aeronautas. As novas regras aumentaram os custos de formação básica, e trouxe ainda mais burocracias ao meio. Segundo os pilotos Pedro Orsi e João Vitor, o ICMS aumentou o combustível, que já era elevado, alterando o custo da hora-aula.

O fechamento da oficina, segundo eles, contribuiu para essas alterações já o que as aeronaves são levadas para fora para atender uma manutenção mais especializada.

A centralização da ANAC trouxeram prejuízos para os interessados da região do entorno de Belo Horizonte. No caso de Juiz de Fora, o pessoal utiliza os serviços do Rio de Janeiro.

Outro ponto negativo na opinião dos alunos é o fato de que todas as horas devem ser feitas exclusivamente com INVA’s. Antes das mudanças, o futuro piloto voava as 25 horas com alguém que pudesse dar essas instrução em aeronave particular. Hoje é obrigatório as trinta e cinco horas em aeroclubes, ou com instrutor de voo.

O que mais pesou em relação às dificuldades na formação como piloto são os fatores de reprovações no CMA, nesse caso, são problemas que a junta médica pode dar um tempo para o interessado resolver.  Mas a maior barreira, por unanimidade, são as questões financeiras, pois está cada vez mais caro se tornar piloto no Brasil.

Manutenção das aeronaves do ACJF

A historia do nosso amigo Marcelo Rocha é algo que podemos tomar como exemplo de uma pessoa vencedora, que soube aproveitar as dificuldades de inicio de profissão e transformá-la em algo que o forjou num excelente profissional da aviação. Durante nosso bate-papo de inicio de domingo pude perceber a simpatia e carisma, típico dos mineiros do interior.

Tive a oportunidade de conhecer um pouco mais sobre a vida desse respeitado e responsável mecânico aeronáutico, figura simples, de sorriso fácil, e muito bem humorado.

Álvaro Lemos: Há quanto tempo você trabalha no ACJF?

Marcelo Rocha: Desde os 21 anos de idade, em 1999. Eu trabalhava num supermercado aqui e Juiz de Fora, daí eu pai conversou com o diretor do aeroclube e entrei como serviços gerais. Com a saída do Carlejoub, que foi trabalhar na Pantanal Linhas Aéreas, passei de serviços gerais a ajudante do Seu Adair e o Joãozinho (ambos falecidos).

AL: Qual a aérea de manutenção você mais gosta?

MR: Grupo moto propulsor.

AL: Qual foi o momento mais embaraçoso que você já passou aqui?

MR: No começo de carreira, fui abastecer um Boerão e esqueci-me de tampar o tanque. O avião decolou sem ela.

Outra vez, fui taxiar um avião e acabei batendo a ponta da asa numa coluna. A lâmpada de navegação foi quebrada, e fui duramente reclamado pelo Sr. Adair.

AL: Qual foi o maior susto que você já tomou aqui no aero?

Marcelo Rocha: Um vez, um piloto estava ‘P’ da vida e decolou muito chateado. Por algum motivo alguém o tinha reclamado de algo que ele fez fora do padrão, fazendo com que ele saísse fumegando de raiva. Ele veio com um Paulistinha em direção a porta do hangar, tive que sair correndo pois achei que ele entraria de uma vez aqui dentro.

Terminada uma revisão e liberei o avião pra voar, feito o taxi, tudo normal. De repente o piloto aborta a decolagem no meio da corrida, achei que tinha feito algum procedimento errado. Ele retornou, estacionou, e depois retirou a capa do pito que ele mesmo havia esquecido de remover em sua inspeção. Quase morri de susto.

AL: Qual foi a historia mais mentirosa que você já ouviu de um piloto?

Marcelo Rocha: Um piloto contador de historias que vinha aqui, um dia nos surpreendeu com o recebimento de uma placa comemorativa entregue pela Esquadrilha da Fumaça. Eles vieram para um evento aqui no aeroporto, e logo procuraram o Cmte Fulano de tal. Ficamos muito surpresos pois ele quase não tinha voado nada, porém, soubemos que ele enviava várias cartas com fotos, textos e cartões para o escritório da esquadrilha. Ele se dizia comandante, e que fazia parte do aeroclube e tal. Com certeza, essa foi a maior historia de piloto mentiroso que conheço.

AL: O que você acha da formação do mecânico atualmente?

Marcelo Rocha: Acho o tempo de formação excessivo, pois levei um ano e meio para fazer o curso teórico e mais três anos de período preparatório. Tenho a experiências de anos de vivencia na oficina, sei manejar as ferramentas e conheço os procedimentos legais para realizar o serviço; tudo isso aprendido com os anos de trabalho com profissionalíssimo Seu Adair Ribeiro.

AL: Qual a sua maior dificuldade como mecânico?

Marcelo Rocha: Com certeza é passar nos exames da Anac, pois fazemos três provas nas quaistemos que fechar.

AL: O que você mais gosta daqui do ACJF?

Marcelo Rocha: Gosto das amizades que faço de todos os lugares, inclusive de outros países. Eu sinto prazer em trabalhar com aviação.

Ouvi uma frase de um professor que tive na Fly Escola de Aviação que diz : Com o tempo, você vira amigo do avião.

A minha meta pessoal aqui no ACJF é seguir os passos do meu mestre, o Adair Ribeiro. Ele dedicou todo sua vida ao aeroclube. O nosso hangar leva seu nome, dado ainda com ele e vida.

Para quem está começando fica a dica: Tem que gostar da profissão, e nunca pensar somente no fator financeiro.

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Agradeço aos amigos Romeu Fernandes Lenz, Pedro Orsi Vieira, Marcelo Rocha, Leonardo Lupatini, Arruda, Thiago e ao Aeroclube de Juiz de Fora pelas fotos gentilmente cedidas.

Obrigado pela visita, semana quem vem tem mais sobre o Aeroclube de Juiz de Fora MG.

Alvaro Lemos

Mecânico de Manutenção Aeronáutica

Renato Cobel
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