Como pode um piloto se destacar dos demais?

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Este artigo é uma resposta à mensagem abaixo reproduzida, encaminhada pelo amigo Alexandre Sales do Canal Piloto, que foi quem a recebeu originalmente, e me concedeu o privilégio de respondê-la. Digo privilégio porque não é todo dia que nós, blogueiros da aviação, temos o desafio de responder a questionamentos tão bem feitos quanto este.

Então, vamos lá: primeiro, a mensagem do leitor, e depois a minha resposta.

(Obs.: Este artigo está sendo publicado simultaneamente no Canal Piloto e no Para Ser Piloto, mas para facilitar o acompanhamento dos eventuais questionamentos dos leitores a mim dirigidos, peço que concentrem estes tipos de comentários no Para Ser Piloto, por favor).

“”Sabemos que em qualquer profissão sempre tem aquele que se destaca dos demais, seja por conhecimentos, habilidades, atitudes, etc. Minha dúvida é a seguinte: como pode um piloto se destacar dos demais? O que fazer para se ter um diferencial com relação aos colegas? Como ser reconhecido?

Hoje vemos alguns pilotos que ficaram “famosos” e tiveram suas habilidades reconhecidas devido a situações de emergência e que conseguiram “se sair bem”, como o caso do piloto que pousou com sucesso no rio Hudson em NY, entretanto, cá entre nós, não queremos passar por situações de emergência para provar nossa proficiência na arte de voar, certo? Então, o que se deve ser ou ter para se tornar um piloto acima da média?””

Gostaria de começar a resposta a este questionamento relembrando um conceito que publiquei logo no início da existência do Para Ser Piloto, que é a “escalabilidade” – quem desconhece o assunto, peço que leiam este artigo e este outro antes de prosseguir. Com base na escalabilidade, podemos diferenciar duas maneiras distintas de definir o que é um “piloto de destaque”:

A) De maneira altamente escalável, seria, por exemplo, o caso do Cmte. Rolim Amaro, que se tornou um dos homens mais ricos do país; ou

B) De maneira pouco escalável, gostaria de citar o exemplo do meu amigo Rafael dos Santos*, que é comandante, instrutor e checador de Boeing 777 na KAL-Korean Airlines.

Fazendo um paralelo com o mundo dos negócios, profissionais de destaque do tipo “A” seriam, por exemplo, os publicitários premiados com o Leão de Ouro no Festival de Cannes, ou os gênios das finanças que alavancam milhões de dólares em bônus com tacadas certeiras na bolsa de valores.

Já os ótimos contadores, responsáveis pela boa ordem fiscal das grandes empresas, seriam os profissionais de destaque do tipo “B” – que, de maneira alguma, são reconhecidos como tal no universo corporativo.

Mas, na aviação, são os profissionais do tipo “B” os que realmente têm destaque, e é sobre eles que iremos falar, pois a atividade de piloto é tipicamente pouco escalável, e são tão raros os profissionais do tipo “A” nos cockpits que nem vale a pena comentar. 

Assim como um ótimo contador, um excelente piloto não precisa ter sacadas geniais ou agressividade desmedida para obter destaque, pelo contrário: tanto contadores quanto pilotos precisam ser pessoas com elevada disciplina e dedicação, grande atenção aos detalhes, e muita, mas muita integridade de caráter mesmo.

O próprio Sullenberger (o piloto que pousou o Airbus no rio Hudson) é, ao contrário do que possa parecer, um exemplo deste tipo de comportamento. A decisão de “alternar” para o rio Hudson não foi fruto de uma sacada genial, e sim resultante de incontáveis horas no simulador, e de uma fidelidade canina aos manuais. É o mesmo tipo de comportamento que se espera de um bom contador, se a gente pensar bem.

Por isso, o que posso recomendar ao leitor que quer se destacar como piloto é que ele tenha um comportamento análogo ao que se poderia esperar de um excelente contador: que ele siga à risca as normas da companhia em que trabalha e a regulamentação em vigor; que se mantenha muito bem atualizado tecnicamente; que respeite os colegas e demais profissionais com quem interagir no dia-a-dia; e, não menos importante, que tenha uma conduta ética irrepreensível. Não é preciso aprender a dar um salto triplo mortal carpado aeronáutico para ser um piloto de destaque; mas é preciso ser muito bom em disciplina, dedicação e humildade.

(*) O Cmte. Rafael dos Santos será um dos palestrantes do I Seminário de Segurança de Voo Contato Radar que ocorrerá amanhã. Indo ao evento, você poderá conversar pessoalmente com ele se quiser.

Renato Cobel
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