Formação de Piloto Comercial 05

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A aviação é uma área cheia de chavões e ditados. Todos os que já fizeram cursos teóricos ou práticos já devem ter ouvido uma dúzia deles. A maioria soa como clichê e as vezes não damos a atenção devida aos significados implícitos ou mesmo aos explícitos, mas cada um deles sintetiza a experiência de dezenas (ou mesmo centenas) de casos de pilotos, engenheiros e mecânicos. 

Alguns exemplos que me vem à mente agora são:

  • Velocidade é vida.
  • Altitude é seguro de vida.
  • Pista, dinheiro e combustível, quanto mais melhor.
  • Se você tem dois, tem um. Se tem somente um, não tem nenhum.
  • Aprenda com os erros dos outros. Você não poderá cometer todos eles.
  • Melhor estar no chão querendo estar no ar, do que no ar querendo estar no chão.

Sobre esta última frase, para quem é apaixonado por aviação parece soar sem sentido, mas eu mesmo já tive uma experiência a respeito que me fez não só acreditar, como também senti-la.

Comando de Magnetos
Imagem: Reprodução

Era um voo de adaptação em uma aeronave que ainda não tinha voado. Como todos os meus primeiros voos em um novo avião, apesar de todo estudo do manual, saber decoradas todas as velocidades, pesos, comprimentos, procedimentos normais e de emergência, sempre me sinto um tanto quanto “perdido”.

Um painel diferente, checklists mais detalhados, outros procedimentos de acionamento, maior ou menor precisão dos comandos de freio e táxi, a (ins)estabilidade da corrida de decolagem e comandos  de voo mais ou menos sensíveis, e por aí vai. Pequenas diferenças que somadas, acabam por tornar estes voos semelhantes a alguns dos primeiros voos que fiz ainda durante o curso de PPA.

Feito o acionamento, e depois de apanhar dos freios durante o táxi, tive alguma dificuldade em testar os magnetos também por não conseguir usar os freios adequadamente. Minha atenção precisou estar dividida entre o tacômetro e a marca de espera pintada na pista de táxi, para saber se o avião estava se movendo ou não.

Apesar de não termos notado nada fora dos limites especificado no checklist, a atenção desviada em dois pontos diferentes pode ter feito com que eu e o instrutor não prestássemos atenção a itens que normalmente estão fora da maioria dos checklists, tais como a posição da manete onde foi atingida a RPM de 1800 (usada para o teste de magnetos) estava à frente do normal, ruídos levemente diferenciados, sendo estas apenas duas das várias hipóteses que formulei posteriormente.

 

Tacômetro à 1800 RPM
Imagem: Reprodução

Feitos os testes do checklist sem que notássemos nada errado, taxiamos e alinhamos na cabeceira e em poucos instantes iniciamos a corrida de decolagem.

Ainda sob o efeito da novidade, não tive a destreza suficiente para conferir todos os instrumentos de motor com a devida atenção, em especial ao tacômetro próximo à velocidade de rotação, estando mais preocupado em manter a reta na corrida.

Após rodar o avião, preocupado agora com a velocidade de subida, depois de alguns poucos segundos, começamos a perceber que não estávamos ganhando altura como deveríamos. 

Notamos então que a rotação máxima estava oscilando entre 50 e 100 RPM’s a menos do máximo que deveria manter para a decolagem. Nessa hora, o instrutor começou a fazer testes de mistura e magneto, enquanto eu me concentrei nos comandos para ganhar míseros 100 pés por minuto.

Para os 60 nós de velocidade que mantínhamos, daria metade do gradiente mínimo da maioria dos procedimentos de subida por instrumento (ainda bem era um voo visual com condições totalmente VMC). O fato do horário próximo ao meio dia e aos tanques cheios também deve ter contribuído para a diminuição da razão de subida. 

Depois de serpentear para longe dos obstáculos mais altos, ingressamos na perna do vento com uma defasagem de 45º, a não mais de 500 pés de altura, fizemos uma perna base com aproximadamente 200 metros de afastamento da cabeceira, e acabamos a curva para a final a menos de 50 da cabeceira. Feito o pouso, taxiamos até a oficina e para reportar o ocorrido, e demos o voo por encerrado.

Passados alguns instantes, depois de acabar o efeito de piloto em comando (aquele que deve manter o número de pousos igual ao de decolagens!), comecei a perceber o risco que estávamos passando.

Primeiramente, aprendi algumas lições práticas e operacionais sobre esta aeronave especificamente, tais como evitar operar full tank, com 2 tripulantes nos horários mais quentes  e/ou com pouca componente de vento de proa na decolagem.

Em segundo lugar, e não menos importante (muito pelo contrário), vejo lições ainda mais profundas. Vejo este caso em particular como um evento aleatório, que provavelmente já deve ter ocorrido com a maioria dos PCA’s checados ao menos uma vez.

Tenho a plena convicção de que eventos de menor potencial de risco/perigo, que acontecem fora do controle ou da antecipação dos tripulantes, involuntariamente contribuem para a elevação da percepção de risco, ampliando a atenção a elementos que antes dávamos menos importância, e ainda entender os motivos da existência de cada ponto do checklist tem uma razão de existir.

E quando falo de menor potencial de risco, digo isso porque a experiência de investigações de acidentes traz evidências que desconformidades mais sérias vêm acompanhadas de sinais mais ostensivos, que permitem aos tripulantes tomar atitudes que evitem incidentes e acidentes, já que todos estes são evitáveis.

Depois desse dia passei a verdadeiramente entender e sentir o significado do referido ditado,  e nunca mais me deixei ficar triste quando um voo era cancelado por motivos mecânicos, por menores e mais insignificantes que sejam.

Aprenda sempre e verá essa paisagens como essa inúmeras vezes
Imagem: Reprodução

Cada ditado repetido por seus instrutores carrega várias lições. Reflita e aprenda com cada uma delas.

Pedro Santos
pedropk@gmail.com

Renato Cobel
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