Formação de Piloto Comercial nos EUA 07

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Formação de Piloto Comercial nos EUA 07
Texto: Roger Marcellus – Vitrine: Eduardo Godoi

Saudações Aviadores do Brasil,

Eu sou Roger Marcellus e essa é a coluna Formação de PC nos EUA

Todos sabem que  inverno nos EUA é por muitas vezes rigoroso, no outono temos dias frios e chuvosos aqui na região o que deixa o voo muito interessante. Em uma dessas manhas de outono eu iria fazer um voo de VKX para FDK no veterano Cessna 172P N..497 da GT Aviation.

A meteorologia não era nada favorável ao voo naquela manha, a temperatura estava cerca de 5ºC e o ponto de orvalho estava em 1ºC. Decidimos checar a meteorologia em rota, para isso conectamos ao serviço DUATS que fornece o briefing meteorológico padrão para todo o país e vimos que em nossa rota para aquela manha a mensagem que aparecia na tela, em vermelho, era: “VFR NOT RECOMMENDED”.

Isso porque o teto estava tão baixo em alguns pontos que tornaria impossível para o piloto manter a separação vertical mínima de nuvens, exigida pela FAR 91.

Como eu estava iniciando meu curso de IFR, decidimos que essa seria minha primeira navegação IFR. Aqui nos EUA, você aprende o básico de navegação IFR já no PP, muitas questões do knowledge test (banca) são sobre navegação usando NDB e VOR, sendo que não raro você utiliza de VOR’s para fazer suas navegações no PP.

Fizemos um plano de voo para decolar de VKX seguir direto para a posição KANT seguir na aerovia V265 até o VOR de Westminister e depois disso iniciaríamos o procedimento ILS para FDK. Uma rota fácil, porém deveríamos ter muita atenção pois iriamos sobrevoar a cidade de Washington D.C. que por razões óbvias é cheia de áreas de voo proibido.

Plano de voo pronto, e já enviado para o ATC vamos para o aeroporto e no meio do caminho começa a chover. A maior preocupação do Scott era a de formação de gelo, durante o caminho ele foi me explicando muita coisa sobre a formação de gelo em aeronaves, inclusive me ensinou uma técnica que eu uso até hoje: Se a temperatura que você está voando for menor ou igual a 5ºC fique longe de nuvens pois a chance de encontrar gelo nelas é enorme.

Quando chegamos ao aeroporto percebemos que a aeronave não tinha gelo formado nas asas, decidimos decolar o mais rápido possível para evitar que isso acontecesse. Check efetuados, acionamos os motores taxiamos até o PE da pista 06 fizemos o runup check e  ligamos para o TRACON Potomac (APP Potomac) para solicitar nossa autorização para partida e nosso código transponder.

A primeira coisa que o APP nos solicitou foi uma partida VFR. Tinhamos um teto de 500ft naquela manha por essa razão não aceitamos a sugestão do APP e solicitamos partida IFR.

Nesse ponto, o APP mudou nosso plano de voo para uma rota que evitasse a congestionada região de DC. Iriamos decolar, voar até o VOR de Nothingham (OTT), ao sul de VKX e de lá partir para o VOR de Westminister (ao norte de VKX).

Isso iria nos fazer voar mais alguns minutos, o que no fim das contas foi bom pois meu logbook ganhou mais um tempinho de instrumento real. Além desse desvio, nossa decolagem deveria ocorrer nos próximos dois minutos, o que não era nenhum problema já que estávamos no PE da 06.

Decolamos e logo entramos na camada de nuvens, instrumento real. Posso dizer que a sensação de estar dentro de uma nuvem é uma coisa muito legal. Para evitar uma desorientação, o foco da minha atenção foi para o painel da aeronave, estava nas minha primeiras aulas de IFR e ainda tinha a mania de olhar para fora.

Preparamos nosso GPS para indicar a posição de OTT, apesar do GPS nos dar uma indicação de nova proa o ATC nos dava uma instrução diferente nos levando para o leste ao invés do sul. Isso foi bom pois passados 5 minutos de voo o ATC nos chamou e nos autorizou subir para 2000ft e voar direto para Westminister.

Fizemos o que nos foi orientado e pouco tempo depois uma nova solicitação do controle: Subir para 3000ft. Começamos a ficar preocupados com a possibilidade da formação de gelo pois ainda chovia. Ver a chuva de dentro de uma nuvem acho que foi um dos pontos altos do meu treinamento por aqui.

Fiquei atento aos sinais de formação de gelo, mas nada tinha aparecido. Voamos tranquilhos por mais vinte ou trinta minutos, sendo passados de um controlador para o outro, quando uma controladora nos dá a autorização para interceptar o procedimento ILS de FDK e nos mando subir para 4000ft.

Subimos, porém quando estávamos nivelados a visão que eu tinha mudou completamente. Pela janela da porto do Cessna percebi que ficou todo distorcido, parecia que alguem havia dado uma martelada na janela. Vimos isso acontecer com a parte da frente também. O Scott chamou o APP e disse:

– Potomac Approach, Skyhawk 497, we have light ice at 4000ft, request 3000ft (Potomac Approach, Skyhawk 497, nós temos uma formação leve de gelo a 4000ft, solicitamos 3000ft).

A resposta veio seca por parte da controladora

– Skyhawk 497, stand-by.

Esperamos menos de um minuto e chamamos novamente

– Potomac Approach, Skyhawk 497, we need to descend now to 3000ft ice emergency (Potomac Approach, Skyhawk 497, temos que efetuar a descida para 3000ft imediatamente, emergência com gelo).

“Skyhawk 497, turn left heading XXX”

Estavamos solicitando uma descida e ela nos manda fazer uma curva a esquerda, fizemos a curva e começamos a considerar a possibilidade de descer sem autorização. Iríamos quebrar uma regra porém seria em nome da segurança do voo, o problema era: será que tem outra aeronave voando a 3000ft?

Discutimos por alguns segundos enquanto o gelo ia se acumulando. Desci 100ft para tentar melhor a situação, não obtive sucesso. Nesse momento a controladora nos chama:

– Skyhawk 497, descend and maintain 2000ft, expect vectors to final ILS rwy 23 ( Skyhawk 497, descer e manter 2000ft, aguarde vetoração para final do procedimento ILS da pista 23).

Descemos e nos preparamos para o ILS, acertamos a frequência para o ILS no NAV1, e o VOR de FDK no NAV2, no caso de aproximação perdida. Fizemos o briefing de descida, e como ainda estávamos nas nuvens deixamos bem claro que quando quando estivéssemos cruzando 700ft, deveríamos ter a pista no visual.

Recebemos a vetoração e fomos transferidos para a torre de FDK que nos informou que eramos a  única aeronave conhecida dentro do espaço aéreo, estávamos autorizados a pousar na pista 23.

Mantive as duas barras do ILS cruzadas o tempo todo e fiz uma aproximação mais rápida que o normal, por orientação do Scott. Quando cruzamos 1000ft (aproximadamente) saímos da nuvem e a pista estava lá nas nossas 12 horas.

Fui fazer o GUMPS check (Gas,Undercarriage, Mixture, Propeller, Switches). Quando olhei para o pneu do meu lado vi gelo nos pneus, pedi para o Scott verificar o lado dele e foi a mesma coisa, tínhamos gelo nos pneus.

Avaliamos a situação e chegamos a conclusão que o gelo não oferecia perigo para nosso pouso, porém eu iria utilizar o máximo possível do efeito solo e tocar a pista o mais gentil possível.

O pouso foi tenso mas deu tudo certo, livramos a pista na última taxiway e taxiamos para o pátio da AOPA, cortamos o motor e eu fui amarrar a aeronave. Percebi que ainda tínhamos gelo em alguns pontos da aeronave.

Preenchi meu logbook e fui andar um pouco pelo aeroporto, porém  estava tão frio que eu preferi ficar dentro do 497 e estudar um pouco o manual da Jeppesen de IFR e depois do almoço na sede da AOPA, eu voltei pro 497 e descansei um pouco antes de iniciar a preparação para o voo de retorno, que seria IFR também e que ocorreria, sem maiores problemas, naquela tarde.

Até a próxima.

Roger Marcellus
roger.marcellus@icloud.com

Renato Cobel
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