Instrução e Aprendizagem

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Instrução e Aprendizagem
Texto: Franco Rovedo – Vitrine: Eduardo Godoi

Uma das profissões que se tornou expoente, em termos de implantação de novas tecnologias, é a aviação. Esta emprega, de forma maciça, a informática, eletrônica e materiais complexos nas operações e no gerenciamento de aeronaves cada vez mais extraordinárias. Existem inúmeras instituições de ensino e universidades que preparam metodicamente desde pilotos até engenheiros espaciais.

Mas não foi sempre assim. Os pioneiros do ar aprenderam as técnicas necessárias para voar de forma bastante diversa. Enquanto alguns foram científicos e acadêmicos, outros foram completamente empíricos. Todos ousaram de alguma forma. Alguns pagaram esta ousadia com a vida, outros sobreviveram para repassar lições importantes para que outros pudessem desenvolver a atividade com mais segurança.

Ao rever o século passado, percebemos que a aviação não foi fruto de uma iniciativa apenas. Centenas ou até milhares de situações foram cruciais para o homem sair do chão e conquistar o espaço, porém passa facilmente despercebida, a forma que foi utilizada para aprender ou ensinar os conhecimentos e habilidades necessárias para fazê-lo.

Uma releitura deste centenário, buscando uma perspectiva diferente, aflora uma linha de exploração que parece não ter fim. Homens e máquinas, projetos e iniciativas, sucessos e fracassos foram observados procurando-se a perspectiva do ensino e absorção do conhecimento de algo tão antinatural para o homem como voar.

Em um devaneio, me perguntei como teria acontecido o treinamento do jovem Ícaro tendo seu pai Dédalo como instrutor de voo. Esta pergunta apenas estimulou minha curiosidade sobre o treinamento dos aviadores pioneiros.

Através de uma modesta pesquisa bibliográfica e uma análise sob a ótica dos métodos de ensino e formas de aprendizagem na história da aviação, pretendo iniciar uma série de artigos sobre o binômio ensino/aprendizagem no meio aeronáutico.

A famosa lenda de Ícaro é o cenário para iniciarmos uma série de estudos que olhem a aviação pela perpectiva do instrutor e do aprendiz.

A parte curiosa deste estudo já começa com o personagem principal da lenda. No nosso caso, não será Ícaro, o aluno, e sim Dédalo, o instrutor. Vamos a ela então.

A Lenda de Dédalo

A lenda de Dédalo começa com o significado do seu próprio nome que significa em grego “engenhoso, hábil ou criador”. Dédalo era precisamente tudo isso. Notabilizou-se desde muito jovem na arquitetura, nas artes e na engenharia, sendo protegido por reis que o acolhiam com carinho e admiração pela sua capacidade inata de resolver os mais difíceis problemas demonstrando uma engenhosidade ímpar. Frequentemente, ao resolver estas questões, as pessoas se admiravam:

“Como é que nunca alguém pensou nisto? Afinal era tão simples!”

Foi por isso que o rei Minos, senhor da ilha de Creta, resolveu chamá-lo para encomendar um serviço especial. Antes, porém, contou-lhe sua trágica sina.

A rainha Pasifae, sua mulher, havia se apaixonado perdidamente por um deus em forma de touro. Desse amor nasceu o Minotauro. Um pequeno monstro que era homem da cintura para baixo e touro da cintura para cima.

Sem poder eliminá-lo, pareceu-lhe que o ideal seria aprisioná-lo em um lugar de onde fosse impossível escapar. Chamou então o famoso Dédalo e pediu-lhe que construísse a tal prisão.

Dédalo aceitou, mas não era homem de se encantar com soluções fáceis e triviais do tipo “paredes grossas e grades nas janelas”. O inventor concebeu uma série de caminhos que se cruzavam e entrecruzavam, de modo que quem entrasse lá, jamais sairia.

O Minotauro foi então encerrado no labirinto. Mas alimentá-lo não era tarefa fácil, pois exigia carne humana. Decidido a não sacrificar os súditos do seu reino, o senhor de Creta exigiu que a cidade de Atenas fornecesse o alimento. De tempos em tempos, deveriam enviar sete moças e sete rapazes para saciar a fome do monstro. Caso recusassem, o exército de Minos invadiria e destruiria a cidade de Atenas.

Certo dia, o filho do rei de Atenas foi um dos rapazes sorteados para o sacrifício. Em grande segredo jurou ao seu pai que pretendia matar o monstro devorador de gente. Além de corajoso Teseu tinha sorte, pois quando ele e as outras vítimas desfilavam perante os habitantes de Creta, a linda filha do rei Minos, Ariadne, apaixonou-se por ele.

Desesperada, procurou Dédalo e implorou que o salvasse. Mais uma vez o arquiteto encontrou uma solução bastante simples. Era um simples novelo de lã.

Pacientemente, o hábil instrutor treinou o rapaz para a tarefa passando todos os conhecimento indispensáveis para sua segurança. Teseu devia atar uma ponta na entrada e ir desenrolando o fio pelo caminho. Quando quisesse voltar para trás, bastaria seguir o fio desenrolado.

Agora seguro com as recomendações e experiência do velho, sabia que não ficaria para sempre naqueles caminhos cruzados e foi em busca do Minotauro. Novamente a sorte acompanhava o ateniense. Ao chegar ao centro da prisão encontrou o monstro dormindo. Teseu matou-o, saiu do labirinto e salvou os companheiros. Na volta para Atenas, passou por Creta e levou consigo Ariadne, a filha do rei.

O rei Minos ficou furioso. Quem poderia ter ensinado os atenienses a escapar do labirinto? Imaginou que só poderia ter sido Dédalo, o arquiteto. Para castigá-lo, prendeu-o e atirou-o no labirinto, juntamente com o seu filho, Ícaro.

Este, muito aflito, reclamou:

– E agora? Ficamos aqui enfiados nesta prisão que tivestes a triste ideia de inventar?

Dédalo sorriu.

– Não por muito tempo. O rei mandou vigiar as saídas que dão para o mar e para a terra. Mas o céu está livre. Vou construir asas para mim e outras para ti. Escaparemos voando. O rapaz ficou delirante. Voar? Que maravilha! Contando com a engenhosidade do pai, executaram o plano.

Porém, antes de partir, o pai e instrutor de voo preveniu:

– Tem cuidado, Ícaro. Não voes alto demais e nem próximo das ondas!

– Por quê?

– Porque as penas das asas estão coladas com cera. Se te aproximares muito do Sol, o calor derrete a cera e as asas soltam-se. Se te aproximares muito das ondas, a umidade tornará as penas encharcadas e pesadas, encerrando o voo.

Ele concordou e lá foram. Mas a sensação de voar era tão inebriante que Ícaro depressa esqueceu as recomendações do instrutor e “achou que dava”. Subiu em direção ao sol, e tal como Dédalo previra, a cera derreteu. O pobre Ícaro caiu ao mar e morreu afogado.

Desgostoso o pai seguiu para outra ilha do Mediterrâneo, a Sicília, onde foi muito bem acolhido pelo seu rei. Minos perdeu-lhe o rastro, mas não desistiu da vingança. Sabendo que ele não resistiria a um desafio que pusesse à prova a sua inteligência, arranjou uma estratégia para localizá-lo. Anunciou que daria grande recompensa a quem conseguisse passar um fio por dentro de um búzio.

Sem saber quem havia proposto o desafio, Dédalo resolveu a questão. Fez um pequeno orifício no búzio, atou o fio a uma formiga e introduziu-a lá dentro com muito cuidado.

A formiga percorreu a espiral do interior do búzio no seu passinho vagaroso e paciente, e saiu pelo outro lado, arrastando a linha minúscula.

Ao saber do sucesso, Minos já imaginou quem havia resolvido o problema. Levado pela sede de vingança avançou com os seus exércitos para exigir que os sicilianos entregassem Dédalo. O rei da Sicília recusou perder um experiente instrutor e houve guerra. A luta foi terrível e Minos morreu no campo de batalha.

Sem mais inimigos, Dédalo continuou a viver na Sicília, rodeado de carinho e admiração de seus novos aprendizes.

Moral da história: “O instrutor viveu bem e o aluno espertão morreu.”

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franco.rovedo@gmail.com

Renato Cobel
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