Tema da semana: O caso do Marcelo
Caros leitores do Canal Piloto, Oscar Lima Alpha!
Na coluna desta semana, vamos tratar de um caso específico de coaching de formação aeronáutica, sobre a situação de um jovem chamado Marcelo (é pseudônimo), que me escreveu na semana passada pedindo orientação sobre a carreira de piloto de avião. Achei conveniente discutir esse caso aqui porque o Marcelo tem um perfil bem definido como um sujeito completamente de fora da aviação, que adquiriu interesse pelo assunto muito recentemente, influenciado pelos bons ventos que estão soprando no setor nos últimos anos. Esta é a situação de muita gente, daí o interesse em esmiuçar este caso em especial aqui, pois muitas outras pessoas poderão se beneficiar com as informações que serão apresentadas a seguir. Então, vamos lá.
Para entender o caso, eu vou reproduzir abaixo alguns trechos dos e-mails que o Marcelo me mandou.
A história toda começa assim:
(…)
Queria que você me passasse sua perspectiva tanto acadêmica (estudo) quanto profissional (emprego) disso [da carreira de piloto]:
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Quais cursos vou ter que realizar?
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Quais provas vou ter que realizar?
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Qual custo médio disso?
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Qual prazo para concretização de cada etapa até o inicio de atuação no mercado de trabalho?
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Qual é o nivel de oferta de emprego do mercado?
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A empregabilidade dessa área é tão fácil como dizem? (Dizem que depois que se conclui tudo, é muito fácil conseguir um emprego, que se da por uma falta de profissionais no mercado).
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Quais são os nichos salariais de um piloto? Inicial? Experiente?
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Como se é classificado um piloto? Jr, Pleno, Senior??? Ele é pago de acordo com seu nível ?
(…) atualmente sou Analista de Sistemas em uma Telecom, sou muito novo, tenho somente 22 anos, creio que pela minha idade terei maior oportunidade de aprendizado/emprego. Sou cru, nunca tive nenhum tipo de conhecimento sobre piloto. Não conheço nenhum piloto, portanto eu não tenho como me embasar em nenhum para saber como realmente é essa profissão. Pelo que me chamou bastante atenção é que parece que o grande filtro dessa profissão é o investimento alto no estudo. Sou uma pessoa de classe média, por ter começado a trabalhar bem novo tenho um patrimônio que poderia converter no investimento para a qualificação. Porém tenho a incerteza se seria realmente o certo investir tudo que já conquistei nisso. Se o retorno seria realmente certo e efetivo… Não sei se consegue compreender minha perspectiva.
Depois desse e-mail inicial, eu troquei várias mensagens com o Marcelo, que complementou algumas informações.
Inicialmente, eu perguntei de onde ele havia tirado a idéia de ser piloto, já que sua realidade era tão distante da aviação, e ele me respondeu o seguinte:
Na verdade foram duas diretrizes que me levou a cogitar tal profissão.
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A irmã de um grande amigo meu é Comissária da Gol, e pelo que ele me contou a mesma ganha um salário muito bom e fala muito bem da profissão.
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O irmão de um grande amigo meu é Piloto, ele trabalhava nesses jatinhos particulares dessas pessoas mais ricas, recentemente recebeu uma boa proposta da Gol e virou piloto da mesma, e pelo que meu amigo me falava, ele não trabalha muito, e ganha muito bem, e sempre tem oportunidades de conhecer lugares legais por causa das viagens.
Outra coisa que eu também estava contando como uma entrada legal de mercado é que, aqui na minha cidade de Xinxerê da Serra [cidade fictícia] temos grandes empresas, não sei se você conhece o Patatipatatá e o Tatibitati [empresas ficitícias]. Pois então, meu Pai é amigo de infância dos proprietários de tais empresas, e possui um relacionamento com eles muito bom (grande amizade), por tanto acho que seria uma boa “porta de entrada” para me candidatar a ser piloto dessas pessoas, pois os mesmos possuem jato particular. Ou até mesmo na questão de influencia profissional mesmo.
A seguir, eu comecei a investigar por que ele quer abandonar a carreira em que está atualmente, em TI.
Primeiro, ele me falou o seguinte:
Eu desde muito pequeno sou uma pessoa totalmente focada/interessada em tecnologia, tudo que tem haver com tecnologia é do meu interesse. Então consequentemente cai na área de TI.
E depois, como aquilo me pareceu ser uma afirmação contraditória para quem queria abandonar a carreira de TI, eu pedi mais explicações e ele disse o que segue abaixo:
(…) eu gosto muito de TI, mais gosto de qualquer área ligada a tecnologia, considero Piloto uma delas. Eu diferente de muitas pessoas, não tenho nenhum “Sonho” profissional, digo por exemplo, eu quero ser um grande empresario de computadores. O maior motivo da cogitação de abandono da minha profissão atual para virar Piloto, pelo que pude ver ao longo de depoimentos pela internet, o mercado de trabalho paga/reconhece muito melhor um piloto, do que um analista de TI. A profissão de piloto me passa a impressão de exclusividade, que o mercado de trabalho tem uma falta de funcionários, e por isso paga muito bem.
Finalmente, eu perguntei a ele sobre sua condição financeira, expectativas para entrar no mercado de trabalho como piloto, experiência em voar aviões de pequeno porte, e condições de saúde. Ele me disse dispor dos recursos necessários à sua formação; que achava ser razoável um prazo de dois anos para entrar no mercado; informou ter tido somente uma experiência com avião pequeno (uma vez em que voou num jatinho); e que possuía boa saúde, embora sofresse de alergias e de uma asma que está assintomática no momento.
Muito bem, este é o Marcelo, acho que deu para entender bastante bem como ele pensa, e como ele entende a aviação e suas possibilidades profissionais. Trata-se, como eu disse, de um perfil bem típico do momento atual, quando praticamente todo dia sai uma nova matéria na imprensa falando do tal “excelente momento por que passa a aviação brasileira” (não que eu ache adequada a cobertura que a imprensa está dando para o assunto, pelo contrário, vide este post-desabafo aqui). Mas sem querer me repetir (embora já me repetindo), tem muita gente assim hoje em dia, e apesar de achar que é preciso gostar muito da aviação para conseguir ser um piloto profissional, não se pode cobrar paixão por voar de quem nem conhece direito o que faz um piloto – caso do Marcelo e de muita gente que se interessou pela aviação recentemente. Por isso, uma recomendação prévia para os Marcelos da vida é ler esse post aqui, onde eu explico as principais possibilidades que a aviação oferece.
Mas vamos passar às orientações profissionais para uma possível mudança de carreira (no caso do Marcelo, de TI para aviação ), por que se ficarmos falando sobre paixão de voar nós nos estenderemos demais aqui. O Marcelo não me pediu que utilizasse um pseudônimo, mas eu achei melhor não chamá-lo pelo nome real – e, inclusive, utilizei nomes falsos para a cidade em que ele mora e as empresas citadas, de modo a não haver risco de ele ser identificado –, devido à primeira orientação que vou lhe dar.
Marcelo, se você disser o que escreveu nesses e-mails que a gente trocou para o pessoal do aeroclube (os instrutores, especialmente), você vai ser estigmatizado de saída, e tudo vai ser mais difícil para você, tanto na instrução, quanto na tentativa de conseguir um emprego de piloto – coisa que, inclusive, talvez você nem consiga tão facilmente (mesmo com a aviação em alta) em função do estigma que você vai carregar. Meu prezado, antes de qualquer coisa, você tem que mudar sua postura. Se você vier com esse papo de que quer ser piloto porque trabalha pouco e faz turismo de graça, ou de que está considerando se um investimento em instrução aeronáutica pode trazer um retorno adequado, você não vai longe. Aliás, não tem nada que irrite mais um piloto profissional do que perguntar “Compensa/Vale a pena ser piloto?” – entenda por que neste post aqui.
Por incrível que pareça, os pilotos são gente simples, em sua maioria – um pessoal que vem de baixo, e que em geral lutou muito para conseguir realizar o sonho de se formar aviador. No meio aeronáutico, a humildade é uma característica muito observada, e se você se portar como você se portou nas trocas de e-mail que tivemos, sua reputação vai ser, certamente, a do mauricinho que quer entrar na aviação para pegar as aeromoças. Como disse, os aviadores são pessoas que realizaram um sonho, por isso soará de maneira ofensiva e arrogante o que você falou sobre as razões que o levaram a entrar para a aviação. Entenda bem: eu mesmo não me senti nem um pouco incomodado com o que você escreveu, inclusive te achei um cara legal, de verdade. Eu sei que você é um sujeito que trabalha desde cedo, etc e tal, mas a maneira com que você colocou o seu entendimento sobre a aviação não vai pegar bem. Só estou te falando isso por conhecer como o pessoal da aviação pensa, não estou fazendo nenhum juízo de valor sobre a sua pessoa.
Na realidade, a percepção equivocada que você tem sobre a profissão de piloto é bastante comum. Um piloto voa pouco – de fato, existem limites legais que impedem um piloto de voar muito. Um piloto de avião, por definição, viaja o tempo todo, e conhece muitos lugares diferentes por dever de ofício (alguns, bem legais, é verdade). Mas um piloto trabalha em solo muito mais do que voa, nem sempre realizando tarefas agradáveis, e não é raro encontrar pilotos que trabalham bem mais que as 44h/semana da maioria dos trabalhadores. E isso em condições frequentemente insalubres, perigosas, iniciando jornadas de trabalho às 4:00h da manhã, passando dias enfurnado numa fazenda, e demais programas de índio. Na aviação executiva, não é raro os patrões tratarem seus pilotos como empregados domésticos, e na aviação comercial os pilotos são os peões das companhias aéreas (ganhando bem, eventualmente, mas peões de qualquer forma).
Eu penso, inclusive, que pode ser que o problema seja mais grave, e a aviação não seja o que você está pensando. A vida de um comandante de A330 de uma linha internacional da TAM até pode ser glamourosa (pelo menos, em parte), e o trabalho desse profissional se resume, no fim das contas, a controlar sistemas informatizados na maior parte do tempo. Mas para você chegar lá (se chegar, pois é uma minoria que consegue), sua rotina vai ser repleta de atividades bem pouco glamourosas (para falar o mínimo), sem contar que você vai passar muito tempo na “aviação de arco e flecha” antes de ver o seu primeiro painel digital. Então, já que você tem conhecidos que possuem avião, peça para eles te autorizarem a ir conhecer o ambiente em que ficam os aviões deles. Vá para o hangar, e passe um dia lá, observando o que os pilotos fazem, conversando com os aviadores mais novos, assim como com os veteranos. Sinta o clima, perceba como a coisa acontece, especule sobre como era o dia-a-dia deles antes de eles chegarem aos jatinhos. Não vai demorar muito tempo para você entender como a coisa funciona, e aí você vai poder tomar uma decisão mais acertada sobre se vale a pena mesmo ou não mudar de carreira. Mais para a frente, vou te dar outras orientações para que você entenda a realidade da aviação antes de abandonar a sua carreira atual.
Ainda em relação a esta sondagem prévia, eu acho que você precisa fazer duas coisas. A primeira é voar num avião pequeno – e quando falo em “avião pequeno”, estou me referindo às aeronaves utilizadas na instrução, como um Cessninha, um AeroBoero, etc. – para ver se você se adapta ao voo neste tipo de aeronave (se não passa mal, ou tem ataque de pânico, etc.). Isso não tem nada a ver com voar de jatinho como passageiro; o ideal é você sentar-se na direita do cockpit, e pedir para o comandante permissão para sentir o voo no manche e nos pedais; e se ele topar fazer algumas manobras típicas da instrução (curvas de média e grande inclinação, pré-estol, glissadas, etc), melhor ainda. Qualquer aeroclube presta esse tipo de serviço para você, às vezes de graça (é o chamado “voo de incentivo”), mas mesmo que você tenha que pagar um voo panorâmico, vale a pena.
A outra coisa que você precisa tomar muito cuidado é com a sua condição de saúde. Existe um documento chamado RBHA-67, que trata de todos os exames e condições mínimas de saúde para que um piloto possa ser aprovado na inspeção médica. Leia tudo, e veja se você consegue passar no exame. Já vou te adiantar que a asma é um problema sério para pilotos, e eu acho que seria interessante você marcar uma consulta com o seu pneumologista e levar o texto do RBHA-67 que fala sobre asma para ele avaliar se você teria condições de ser aprovado – e, em caso negativo, se haveria algum tratamento que permitisse você corrigir o problema para ser admitido no futuro.
Se você fizer tudo isso que eu recomendei – tiver passado um dia no hangar, sentindo como é o dia-a-dia de um piloto; tiver feito o seu voo de incentivo; e tiver realizado a avaliação preliminar de sua condição de saúde –, você terá condições de ter uma idéia mais precisa se vale a pena iniciar os estudos para a aviação. Agora, sim, é o momento de você se preocupar com as perguntas que você me faz inicialmente. Vamos a elas:
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Quais cursos vou ter que realizar?
Existem três licenças possíveis para pilotos: PP-Piloto Privado, PC-Piloto Comercial, e PLA-Piloto de Linha Aérea, sendo que é preciso ser PP para obter a licença de PC, e é preciso ser PC para obter a licença de PLA. Para cada uma destas licenças, existe um curso teórico equivalente, mas só o curso de PC é obrigatório – nos casos de PP e PLA, você pode estudar sozinho e fazer a prova. Além disso, existem habilitações que requerem cursos teóricos também. Por exemplo: para obter a habilitação de INVA-Instrutor de Voo/Avião, existe um curso de INVA obrigatório; para obter a habilitação específica para pilotar um Airbus A320 ou um King Air C90, você também tem que fazer os cursos de cada avião. Você encontra mais detalhes sobre esses cursos aqui.
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Quais provas vou ter que realizar?
Você vai ter que ser aprovado em diversas provas teóricas e práticas. Quando você faz uma prova teórica nas dependências da ANAC, ela se chama “banca on-line” (“on-line” porque você faz a prova em computadores que ficam numa rede privada, não vá pensando que você faz a prova em casa, pela internet); e quando você faz uma prova prática, ela se chama “cheque” (ou “recheque”, se você já checou no passado, e está somente revalidando a habilitação). Fora isso, você também vai ter que fazer as provas dos cursos que você freqüentar, lembrando que para os cursos de PP e PLA, por não serem obrigatórios, não vai importar se você for reprovado. Você vai ter que fazer as bancas on-line de PP, PC, PLA, e das habilitações que requerem banca, como INVA e as habilitações de TIPO, para cada modelo de avião mais sofisticado que você for voar. Também vai ser preciso fazer a banca de Regulamentos de Tráfego Aéreo para renovar sua licença de CLASSE (para pilotar aviões mais simples). Nas provas de PP e PC, são cinco matérias: Regulamentos, Navegação, Teoria de Voo, Conhecimentos Técnicos e Meteorologia; e para PLA só são duas matérias: Regulamentos, e uma outra que engloba Performance e Peso & Balanceamento. Em termos práticos, além dos cheques de PP, PC e PLA, você vai ter que checar todas as habilitações que pleitear: IFR (voo por instrumentos), INVA, MLTE-voo em aeronaves multimotoras, etc. E também há os recheques destas habilitações, quando elas vencerem. No link acima você também encontra mais informações sobre isso.
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Qual custo médio disso?
O PP vai te custar cerca de R$15mil para a parte prática (não há necessidade de curso teórico, mas se você o fizer, vai gastar por volta de R$2mil). O PC vai depender da modalidade que você escolher, com ou sem as habilitações de IFR e MLTE. Na prática, as opções são: PC básico (sem IFR e sem MLTE), que custará cerca de R$30mil; PC-IFR (sem MLTE), que vai custar por volta de R$45mil; e PC-IFR/MLTE, que vai sair por cerca de R$55mil – mais o curso teórico, também por volta de R$2mil. Fora isso, você pode agregar outras habilitações, sendo a mais comum a de INVA, que vai sair entre R$10mil e R$15mil. As habilitações mais sofisticadas, como a de TIPO para pilotar Boeing e Airbus não são pagas pelo piloto, mas pela empresa que o contrata, que também pagam o cheque de PLA na maior parte das vezes. Além das licenças e habilitações, também é recomendável agregar alguns outros itens ao currículo – os famosos “penduricalhos” – como a certificação de inglês ICAO, e o Jet Trainer, que é um curso de transição pára voar os grandes jatos das companhias aéreas. Sobre os custos do curso de PP, veja isso; sobre quanto você vai gastar no curso de PC, veja isso; e sobre os “penduricalhos”, leia essa coluna.
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Qual prazo para concretização de cada etapa até o inicio de atuação no mercado de trabalho?
Depende de vários fatores: da relação alunos/avião de onde você for voar (e também da disponibilidade de instrutores do aeroclube/escola), da meteorologia, da sua capacidade/disponibilidade, da ANAC (um grande problema, atualmente), e até da eficiência administrativa do aeroclube/escola, dentre outros fatores. Mas, regra geral, considere o prazo de dois anos razoável para você fazer o PP e o PC-IFR/MLTE, se não houver falta de dinheiro – a menos que haja algum contratempo, como algum problema de saúde a ser corrigido, por exemplo.
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Qual é o nivel de oferta de emprego do mercado?
Para pilotos com um bom currículo – isto é: bastante experiência, habilitações para pilotar os aviões mais procurados, proficiência em inglês, etc. –, o mercado está excelente. As companhias aéreas estão adquirindo muitos aviões (principalmente a Avianca, a Trip, e a Azul), e os operadores privados estão trazendo muitos aviões executivos do exterior, devido aos baixos preços destas aeronaves no mercado internacional devido à crise financeira global. E há que se considerar a situação dos helicópteros, ainda mais favorável que a dos aviões – sobre a asa rotativa, recomendo que você dê uma olhada nisso aqui. Com isso tudo, a relação pilotos/vaga se alterou bastante nos últimos anos, tanto na asa fixa (aviões) quanto na rotativa (helicópteros), e o nível de oferta de emprego está francamente favorável aos aviadores.
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A empregabilidade dessa área é tão fácil como dizem? (Dizem que depois que se conclui tudo, é muito fácil conseguir um emprego, que se da por uma falta de profissionais no mercado).
Apesar de tudo o que eu disse no item anterior, para um piloto recém-formado, a vida não é nada fácil. Conseguir os primeiros empregos na aviação é um desafio: ninguém contrata um piloto recém-formado porque ele não tem experiência; e obter experiência é difícil porque ninguém o contrata – é um “Dilema de Tostines” (o biscoito que vende mais porque está sempre fresquinho, e está sempre fresquinho porque vende mais), só que ao contrário. A maneira clássica de vencer essa barreira é tornando-se instrutor, mas não é todo mundo que tem vocação para ensinar, sem contar que esta é uma atividade perigosa e mal remunerada. Entretanto, existe uma maneira mais fácil de vender essa barreira inicial, que é o famoso “QI” (“quem indica”, ou seja: alguém com poder para influenciar a sua contratação interceder em seu favor na obtenção de uma vaga de piloto) –, e isso parece ser um ponto forte em seu favor. Entenda como funciona o QI na aviação lendo este artigo, complementado por este outro, que acredito vai ser produtivo para você.
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Quais são os nichos salariais de um piloto? Inicial? Experiente?
Em linhas bem gerais, e simplificando bastante, os salários de pilotos funcionam assim. Na aviação comercial, você entra como copiloto, ganhando entre R$6mil/mês e R$10mil/mês; e depois vai para o comando ganhando entre R$12mil/mês e R$20mil/mês – podendo tangenciar os R$30mil/mês, no caso de comandantes de linhas internacionais que voam bastante e, eventualmente, dêem instrução. Na aviação executiva, a variação é imensa, pois você tanto pode ser o piloto de um Corisco do fazendeiro que voa para a sua propriedade uma vez por mês, quanto pilotar o Boeing 737 BBJ do Banco Safra para a Europa e o Japão – por isso, você pode ganhar menos de R$2mil/mês, até mais de R$35mil/mês. Como instrutor de aeroclube, você ganha entre R$20/hora e R$45/hora, e voa umas 50-60h/mês, em média, o que é um parâmetro de salário inicial para você ter uma idéia. Depois, você vai ser copiloto da comercial (ganhando o que expus acima) ou de um táxi aéreo (ganhando praticamente a mesma coisa que na comercial, talvez uns 10%-20% a menos), eventualmente na executiva – onde, em geral, se ganha bem menos inicialmente. Quando você tiver alguns anos de janela como copiloto, você consegue se tornar comandante, cujos salários eu já te falei anteriormente.
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Como se é classificado um piloto? Jr, Pleno, Senior??? Ele é pago de acordo com seu nível ?
Na prática, um piloto com menos de 1500h de voo é um piloto júnior; um piloto sênior está na aviação profissional há mais de 10-15 anos; e um piloto pleno é um intermediário entre estes dois: tem mais de 1500h de voo, mas pilota há menos de 10-15 anos. Sem dúvida, há correlação entre os níveis de experiência e o salário, mas nem sempre essa lógica funciona. Por exemplo, um piloto sênior que voa um Seneca na executiva ganha menos que um piloto pleno que comanda um A320 na ponte aérea. Na verdade, o salário de um piloto varia em função de muitas coisas diferentes, principalmente na executiva: a localidade onde ele está, o equipamento voado, as qualificações do piloto (fala inglês? conhece mecânica? etc.), as atividades que o piloto desempenha quando não está voando (se cuida da manutenção, da burocracia, etc.), e por aí vai.
Agora, para encerrar, eu quero te propor uma estratégia para você fazer a sua transição profissional.
Mesmo passando um dia no hangar, e fazendo o voo de incentivo, você muito provavelmente não terá a certeza de que a aviação é, de fato, uma carreira interessante para você. Por outro lado, você tem uma profissão, e está encaminhado numa carreira – que pode não ser a paixão da sua vida, mas também não é nenhum sacrifício trabalhar em TI para você, pelo que eu entendi. Então, entre devagar na aviação. Faça o curso teórico de PP à noite, ou aos finais de semana – no seu caso, acho melhor fazer o curso presencial do que estudar sozinho (mesmo não sendo obrigatório), pois no curso você terá mais oportunidades de conhecer pessoas e se inteirar sobre a profissão de piloto, que é o que você mais precisa agora. Ao final do curso, você vai ter uma idéia do tipo de conhecimento que você vai precisar ter por toda a sua carreira, e se isso tem a ver com você, com as suas preferências e habilidades. Você vai ver que a maioria das pessoas do curso de PP desiste antes do final justamente porque percebe que aquilo não era para eles.
Depois de aprovado na banca de PP, comece a voar nos finais de semana, nas suas férias, bem cedinho, antes de ir para o trabalho. Voe o PP no aeroclube de sua cidade, mesmo que ele esteja cheio, pois os voos do PP são curtos, e não vale a pena se deslocar, ainda mais no seu caso, que precisa cumprir um expediente de trabalho. Aproveite o tempo em solo no aeroclube para conversar com os instrutores, os pilotos que ficam por lá, visite os hangares vizinhos, enfim, vá sentindo o clima da aviação. Até o final do curso de PP, você vai ter uma idéia bem mais precisa sobre a profissão de piloto, e se essa é uma boa opção para você ou não.
Aí, meu caro, se for isso mesmo o que você quer, o negócio é potência full, mistura rica, trem em cima, e vamo-que-vamo. Voe o seu PC onde tiver uma boa disponibilidade de aviões e instrutores (nesse momento, você já estará se desligando do seu emprego de TI, e poderá inclusive se mudar provisoriamente para o aeroclube/escola que você escolher), e faça tudo o que for possível durante a instrução do PC: MLTE, INVA, Jet Trainer, etc. Entre de cabeça na aviação, e aproveite todas as oportunidades para voar o máximo possível. Você é jovem e solteiro, então não tenha receio de ir voar em localidades distantes. Não se preocupe com salário no início da carreira, o importante é ter hora de voo e experiência diversificada.
E boa sorte, independente de qual for a sua escolha!
Marcelo, eu sinceramente espero que você aproveite bem esta coluna – assim como espero que todas as pessoas em situação semelhante também a aproveitem –, pois eu fiz o meu melhor para te passar a minha experiência no assunto. E espero, em especial, que você tenha entendido corretamente o que eu te falei sobre o seu entendimento equivocado da profissão de aviador. Eu falei aquilo para o seu bem, embora concorde que o que disse possa ter te chocado. Mas eu precisava te chocar para te proteger das suas próprias opiniões, que se expostas nos lugares errados, iriam te prejudicar muito mais do que você imagina. E não se assuste se você ler comentários bem pouco elogiosos à sua pessoa aqui.
Eu só gostaria de te passar uma última recomendação. Como você possui uma formação em TI, eu acho que seria interessante você ler este artigo aqui, que é complementado por este outro. Eles tratam de escalabilidade profissional (e escalabilidade é um termo que faz sentido para você, não é?), o que pode te trazer um outro ponto de vista sobre a sua idéia de mudança de carreira. Era isso.
Um grande abraço, e sucesso!
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