Terror em queda livre

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Pelo alto-falante, ouvimos a chamada para o lançamento de treinamento de TR8. Soube então que Flynn havia combinado de fazer um treino de confraternização do Reino Unido. Juntariam a equipe de TR4 inglesa com a irlandesa, formando assim uma equipe mista de TR8.

Rowan, o mais novo do grupo irlandês cochichou algo com sua equipe e em seguida veio formalmente me convidar para participar do salto. Evidente que eu não faria parte da formação, mas voaria de observador um pouco afastado e acima dos 8 atletas.

Concordei, explodindo de alegria por dentro. Faria meu primeiro salto junto com duas das grandes equipes mundiais de trabalho relativo. Uma honra invejada por muitos outros atletas ali reunidos.

No caminho para o aeroporto já podia perceber que os atletas iniciavam o processo de concentração. Olhos fechados, respiração cadenciada e controlada e murmurando a sequência de movimentos e posições que deveriam executar. Rowan e Clancy faziam movimentos com as mãos quase que perfeitamente sincronizados mesmo estando de olhos fechados.

O Bandeirante que faria o nosso lançamento era meu velho conhecido, embora novidade para os outros. O comandante, Tenente–aviador Braga, experiente em lançamentos fez a preleção sobre o salto. Nivelaria a 13.000 pés e a luz verde acenderia indicando a localização correta para a saída da aeronave.

Os motores roncaram e assobiaram pela pista em sintonia com meu coração e a ansiedade antes de cada salto.

Comecei a prestar a atenção no semblante de cada atleta. Todos concentrados visualizando os próximos momentos. A precisão deve ser absoluta. O tempo de reação deve ser perfeito sob pena de se afastar do grupo e não chegar a tempo de completar as figuras no espaço.

Apenas James, o inglês, parecia diferente. Seu olhar estava mais para alienado que para concentrado, embora pudesse ser implicância minha, uma vez que ele havia me recebido com frieza durante minha visita a barraca deles e bebia bastante.

A luz amarela acendeu indicando que deveríamos nos preparar para o salto. Como ensaiado, ficamos na posição e o mais próximo possível um do outro e pronto para sair assim que avisados. Por último sairia eu, que não participaria da formação, e James que tinha a posição de fechamento da formação de 8 pessoas.

Alguns segundos de espera e a luz verde acendeu. Todos foram se lançando ao ar um pouco desequilibrados ainda pela falta de velocidade, mas que rapidamente chegaria a 200 km/h e estabilizaria nossos movimentos.

Rapidamente a equipe começou a fechar a primeira figura, com quatro integrantes dando as mãos e quatro segurando pelas pernas completando a figura. A estrela estava quase completa faltando apenas James que não havia se agrupado ainda.

Olhei para cima e para meu terror percebi que o inglês havia se atrasado e para compensar a distância que se encontrava do grupo, iniciou uma manobra conhecida por “track”.

Colocando os braços para trás e esticando as pernas, o ângulo de mergulho aumentava, aumentando rapidamente a velocidade de queda em direção ao alvo que naquele momento era a formação quase completa abaixo dele. Em segundos sua velocidade chegou a mais de 300 km por hora.

Seria necessária uma grande precisão de movimentos de corpo para diminuir esta velocidade e estabilizar ao lado do grupo agora a 210 km.

Como eu suspeitava não foi o que aconteceu. James não conseguiu diminuir a velocidade e passou pelo meio do grupo unido causando um verdadeiro “strike” no grupo acertando em cheio a morena irlandesa chamada Scarlett.

Sua velocidade relativa em relação a ela era de mais 80 Km/h. O mesmo que ser atingido por um objeto de 100 quilos a esta velocidade e você parado. O choque foi brutal. Imediatamente, a irlandesa ficou inconsciente e o resto do grupo perdeu o equilíbrio, se dispersando.

Sem sentido o corpo relaxa e toma a posição invertida. A queda passa a ser de costas, braços e pernas tremulando para cima. A forma de gota aumenta a velocidade da queda. Scarlett se afastava de todos rapidamente. James também.

A distância com o solo diminuía rapidamente. As decisões deveriam ser rápidas. Quando olhei James percebi que ele tentava se equilibrar, isto significava que estava consciente. Já a Irlandesa continuava sua queda rumo à morte certa. Flynn avistou-a e colando seus braços no corpo e esticando as pernas entrou em um mergulho rápido em direção a companheira ferida.

Há pouco havíamos passados dos 1000 pés e os outros atletas começaram a comandar seus paraquedas, inclusive James que mesmo ferido de um braço conseguiu comandar o paraquedas principal. Apenas Flynn, eu e a Scarlett ainda nos precipitávamos a 230 quilômetros por hora rumo ao chão.

Flynn habilidosamente diminuiu a velocidade um segundo antes de agarrar Scarlett. Ainda havia tempo de comandar o paraquedas principal dele e o dela, porém não sei por que não o fez. Eu continuei acompanhando e me aproximando dos dois abraçados em queda livre. Quando olhei no altímetro percebi que não haveria mais tempo de comandar o paraquedas principal.

Sem esperar mais comandei o reserva, pois abre em 0,7 segundos. Muito mais rápido que o principal. Ainda alguns segundos depois, Flynn comandou o reserva de Scarlett e imediatamente o seu também.

A abertura havia acontecido tão tarde que a aterrissagem aconteceu apenas alguns segundos após os velames completamente abertos. Como havia comandado antes consegui navegar até perto de onde a mulher ferida havia pousado. Rapidamente me desvencilhei do equipamento e corri em direção dela que se encontrava deitada e inconsciente.

A respiração era fraca mas constante. Seu batimento cardíaco mal era sentido em sua veia carótida. Muito sangue saia de seu nariz e um traumatismo craniano era evidente mesmo sob o capacete de couro que usava. Como imaginava, logo aconteceu a parada cardíaca.

Avisei Flynn para iniciar a massagem ao meu comando e ritmo. Ajoelhado ao lado dela, ele fazia a pressão no meio do peito da colega e no ritmo que eu lhe orientava. Eu era um socorrista experiente e estava acostumado a lidar com estas emergências.

Pedi para ele parar a massagem e chequei a pulsação novamente. Ela havia voltado fraca, mas constante. A respiração ofegante também era facilmente percebida agora. Só nos restava esperar o socorro que não tardou em chegar.

Finalmente pude perguntar para o Flynn por que ele não havia comandado o paraquedas principal quando houve chance. O risco de atrasar a abertura e só abrir o reserva era muito grande. Não morreram por questão de segundos.

Ele explicou que quando a alcançou percebeu que perdia muito sangue e o ferimento na cabeça era muito sério. Se comandasse o paraquedas principal, demoraria muito em chegar ao solo e poderia cair em um lugar de mais difícil acesso. Decidiu então demorar o menos possível em chegar ao solo.

Ainda abalado, mas curioso, Flynn me perguntou por que eu havia atrasado a abertura e feito quase o mesmo que ele, já que não fazia parte do time e poderia ter garantido minha segurança comandando antes.

Disse que calculei que chegaria a tempo de comandar o reserva de ambos ao mesmo se ele não tivesse feito. Tinha tido a mesma ideia que ele e teria o sangue frio para agir se necessário.

Senti uma aprovação e respeito de todos e Flynn olhou em meus olhos e disse com aquele sotaque estranho que jamais esqueceria o que fiz por eles. Apertou minha mão e disse que dali para frente eu seria considerado por ele como seu irmão de sangue. Fiquei comovido pelas palavras e pela tensão que se dissipava dando lugar ao estresse pós-traumático.

Todos nos abraçamos e choramos de alívio.

Franco Rovedo
franco.rovedo@gmail.com

Renato Cobel
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