Voo ilegal

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O voo tinha que ser baixo. Abaixo da cobertura dos radares. Silêncio no rádio e atenção total no tráfego aéreo a sua volta. O terreno de sobrevoo continha poucas opções para um pouso de emergência. Cruzar a fronteira com aquela carga era perigoso, porémaltamente rentável.

Naquele momento ele não tinha escolha. Era obrigado a fazer o serviço. A cada 15 dias recebia uma carta com o destino, aeronave e aeroporto de partida. Voava sem copiloto e a maioria do tempo em condições visuais. O avião não era novo mas parecia ter manutenção constante.

A experiência no garimpo deve ter chamado atenção dos seus contratantes que fizeram o misterioso contato. O pagamento era excelente e fingiu não saber que se tratava de algo ilegal. As contas estavam atrasadas e a única coisa que sabia fazer era voar. Já estava muito velho para as grandes companhias e empresas de táxi aéreo também. Os jovens sedentos de horas de voo ocupavam todas as vagas disponíveis por qualquer preço. Na hora do desespero, qualquer serviço era uma benção. Mesmo aqueles altamente suspeitos.

Enquanto cruzava a fronteira, na volta, havia se decidido a parar após aquela viagem. Já tinha juntado o dinheiro para viver tranquilo por mais alguns anos. Tempo suficiente de arrumar trabalho menos estressante. De repente um contato pela frequência reservada:

– Aeronave não identificada, aqui é o caça da força aérea à sua direita. Balance as asas e baixe seu trem de pouso se entendeu a comunicação.

Aquelas palavras congelaram seu espírito. Havia sido descoberto e as opções eram poucas e nenhuma delas era promissora. O primeiro pensamento foi jogar a carga pela janela, mas eram muitos pacotes e sem copiloto, a aquela altura, descuidar dos comandos era suicídio. Esta opção foi descartada.

A outra opção foi fugir, mas ao olhar para sua esquerda, um pouco recuado e acima, estava um A-29 Super Tucano completamente armado e com ordens de derrubar a aeronave suspeita. Não teve escolha a não ser balançar as asas concordando com os próximos termos do piloto militar.

– Muito bem… Acompanhe minha aeronave em uma curva de 90 graus e permaneça em meu contato visual até o aeroporto. Pouse e aguarde instruções – ordenou o piloto do interceptador.

Mesmo naquela situação angustiante, o velho piloto não pode deixar de ficar fascinado com a beleza da aeronave que poderia matá-lo. Cumpriu a ordem e seguiu o avião de ataque com sua bela pintura camuflada.

Alguns minutos depois, a pista em questão já estava visível. Estava sendo escoltado e teria que pousar primeiro enquanto o avião de caça se certificaria que a aeronave suspeita não arremetesse. A situação era irreversível. Seria preso e condenado. Jamais havia pensado que sua carreira terminaria de um modo tão humilhante.

Pousou suavemente e mesmo antes de parar, já estava sendo seguido por 4 viaturas da Polícia Federal. Sem dúvida o caso era muito sério. Os agentes estavam armados e com metade do corpo para fora dos veículos.

Assim que parou, antes mesmo de chegar até a área de estacionamento, os agentes o cercaram apontando suas pistolas para o piloto.

– Desça de mãos para cima! – Gritou um dos agentes.

Sem opção, o comandante desligou os motores e cumpriu a ordem. Imediatamente foi algemado enquanto outros agentes entravam no avião e retiravam as muitas dezenas de pacotes enrolados com fita adesiva que faziam parte da carga.

Foram horas respondendo perguntas depois de mostrar a documentação. A hostilidade dos agentes não ajudava em nada que houvessem explicações coerentes. Ele havia sido contratado para pegar aquele carregamento de pacotes do outro lado da fronteira e trazer de volta para o aeroporto de origem do voo. O piloto afirmou mais de uma vez que não conhecia a carga e seus contratantes constavam do manifesto de carga. Eles é que deveriam ser procurados.

Depois de um dia e uma noite em condições de muita pressão e medo, um agente entrou na sala onde o piloto estava confinado e disse:

– Ele está limpo.
– Como assim, ele está limpo? – perguntou o agente que o interrogava brutalmente.
– Sim… Está tudo certo com o plano de voo.
– Mas… E os pacotes de cocaína? – perguntou indignado o policial mais antigo.
– Não é cocaína. É farinha mesmo. Todos os pacotes foram testados. Farinha da mais vagabunda – confirmou o segundo agente.
– Não é possível… Tudo indica que é tráfico. Em 20 anos de polícia, jamais me enganei.

Sem mais condições de ser mantido preso, o velho piloto foi liberado e decolou para entregar sua carga como combinado.

Depois deste susto, o piloto ganhou confiança e continuou a realizar os voos fora do comum. A cada 15 dias uma missão, e mesmo sendo constantemente fiscalizado pela polícia, a carga era sempre a mesma: farinha de trigo.

A única diferença que parecia ocorrer com os voos, é que embora a carga fosse sempre a mesma, o avião permanecia 2 dias no hangar do outro lado da fronteira e quando o velho piloto acionava os motores, reparava que tinham um som diferente daquele das viagens de ida.

Interessante também é que o horímetro de cada motor iniciava praticamente no zero a cada decolagem de volta.

Ele quase poderia jurar que a cada viagem os motores eram trocados por outros novos em folha.

Franco Rovedo
franco.rovedo@gmail.com

Renato Cobel
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