Camarão via aérea

posted in: Prof Franco Rovedo, Textos | 2

O negócio era no mínimo… Extravagante. Buscar camarão nas enseadas um pouco mais distantes e revendê-los no mercado da cidade. O lucro era alto a ponto de valer a pena fazer o transporte de avião.

Depois da Segunda Grande Guerra, as aeronaves militares custavam muito pouco. Os americanos queriam se desfazer do equipamento excedente e fazer dinheiro às custas dos parceiros menos industrializados. Assim, no final dos anos 40 ainda havia uma oferta abundante de DC-3, PBY, entre outras aeronaves militares apropriadas para carga. Ninguém mais estranhava aquele pequeno hidroavião na baia de Paranaguá-PR, navegando pelo Rio Itiberê ou atracado no cais do mercado municipal.

A bordo, uma tripulação pouco convencional. O comandante Zieminski era um polonês que frequentou os céus da Grã-Bretanha pelas asas da RAF, pilotando um caça Spitfire durante o conflito. Logo que a guerra terminou, veio para o Brasil onde adquiriu um avião anfíbio Republic RC-3 SeaBee e pronto a fazer qualquer negócio para começar vida nova. A alma de piloto de caça era evidente nos rasantes e manobras radicais que entusiasmavam os expectadores.

O outro tripulante era um conhecido comerciante local. Antonio “Neles” Rovedo era bastante querido em toda a região e sua gama de influência perambulava entre grandes autoridades até simples pescadores caiçaras em toda baía de Paranaguá-PR. Seu avô italiano havia sido um dos fundadores da colônia em Superagui e o espírito aventureiro do neto estava no mesmo sangue que correu nas veias de um dos 1000 de Garibaldi durante a unificação da Itália.

A ideia do empreendimento partiu de Rovedo, a qual o polonês aceitou imediatamente. As contas eram simples e promissoras. Se carregassem apenas 100 quilos de camarão graúdo para o mercado, o lucro já seria fantástico. Se comprado direto do pescador, o comprador pagava menos e a carga era fresca. De avião fariam mais de uma viagem por dia e poderiam chegar a locais aonde ninguém pensava em ir, por ser longe demais para ir de barco e voltar com a carga fresca ainda.

(Foto por John Miller)

Foram meses fazendo voos diários para Guaraqueçaba, Antonina, Superagui e toda enseada onde houvesse a pesca artesanal do camarão pistola. A concorrência fazia a mesma coisa, porém de barco, muito mais lentos que os 220 km/h do anfíbio com seu motor Franklin de 215 Hp. Quanto mais longe buscavam, maiores os camarões e melhor o preço de venda.

O lucro fácil despertou a imprudência de ambos. A aeronave não parava para manutenção e as gambiarras eram constantes. Aliás, invenções e traquitanas foram a especialidade da qual Rovedo foi reconhecido até o fim da vida. Um exemplo foi quando o sistema do trem de pouso hidráulico foi substituído por uma parte de uma bicicleta e quando era necessário pousar em terra, Rovedo pedalava a engenhoca até baixar o trem e travá-lo com uma chave de fenda.

Zieminski, confiante em sua habilidade e nas qualidades do SeaBee, aumentava a carga continuamente, mesmo aumentando a distância da corrida na decolagem.

Os sócios já pensavam em expandir o negócio e planejavam a compra de um bimotor anfíbio PBY-Catalina com muito mais capacidade de carga. Infelizmente não houve tempo de concluir o plano.

No auge da temporada do camarão, a tripulação exagerou no carregamento e o pobre anfíbio não conseguiu decolar. O trajeto de 15 milhas foi feito navegando tal qual uma sofisticada e veloz lancha, enfrentando a marola e bancos de areia. Infelizmente este tipo de navegação forçou demais os rebites causando sérios danos à estrutura, fazendo do voo com carga um perigo que nenhum dos dois sócios quis enfrentar. Sem aeronave o negócio não existia. Os amigos decidiram então vendê-la e cada um seguiria seu próprio caminho de aventuras.

Zieminski sabia que havia um operador de dois Seabees na represa de Guarapiranga em São Paulo. Era Herbert Cukurs, a “Águia do Báltico”, um famoso aviador letão que fazia voos panorâmicos ali e em Santos. A ideia de adquirir o PP-DLV era para canibalizar suas peças de forma a manter suas outras duas aeronaves voando. O negócio de Herbert funcionou até 1996 pelas mãos habilidosas de Gunnar Cukurs e seus filhos.

(Foto por Len-Eric Aslund)

Com o dinheiro do negócio e da venda da aeronave, o piloto de caça polonês abriu uma empresa de táxi aéreo, enquanto Neles Rovedo, o inventor comerciante, montou uma destilaria de whisky. (não exatamente legalizada.)

Passado alguns anos, quis o destino que os velhos amigos voltassem a fazer negócios juntos. O novo empreendimento prosperou por conta do principal cliente do taxi aéreo; um artista famoso do Rio de Janeiro, que encomendava whisky para si e para as festas que promovia. Enquanto todos imaginavam que a bebida era trazida de importadores de Santos-SP, caixas e mais caixas de “Johny Walker Rovedo” eram carregadas no campo de aviação de Paranaguá-PR, fazendo a alegria dos dois velhos companheiros. (Hoje o famoso artista diz que: “Este cara sou eu”).

********************

Navegando pela internet, descobri com alegria o velho PP-DLV em Boituva-SP, pronto para ser recuperado e voar novamente. Será emocionante ver as asas de tantas histórias novamente cruzando o céu e tocando a água que sempre lhe acariciou o ventre.

Também será um momento interessante reunir descendentes de três famílias de aviadores e aventureiros. Alguns Rovedo, Cukurs e Zieminski certamente presenciarão o voo inaugural do SeaBee PP-DLV, e também estarão presentes no coquetel a base de camarão e regado a whisky… Legítimo desta vez.

Franco G. Rovedo
franco.rovedo@gmail.com

Renato Cobel
Redes