Como tirar brevê – E quanto isso vai custar – P.1

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Coluna de Coaching de Formação Aeronáutica – Raul Marinho / Blog Canal Piloto
Tema da semana: Como tirar brevê – e quanto isso vai custar (Parte I)

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*** ATENÇÃO  ***
Devido a alterações no regulamento sobre concessões de licenças e habilitações da
ANAC (RBAC-61) que entrou em vigor após a publicação deste post, partes do conteúdo
abaixo podem estar desatualizadas.  Após a leitura deste post é altamente recomendável
que você acesse a publicação com as atualizações:
“Como tirar brevê e quanto isso vai custar” 

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Caros (futuros) aviadores do Canal Piloto, Oscar Lima Alpha!
 
Nesta semana, nós vamos começar a tratar do básico da formação aeronáutica: como tirar brevê, e principalmente quanto essa formação vai custar (obs.: o artigo ficou muito extenso, e precisei dividi-lo em duas partes, esta é a parte I). Acho importante publicar um artigo com essas informações, pois esta é a principal dúvida de quem tem a intenção de se tornar aviador. Entretanto, nós não vamos nos aprofundar demasiadamente na questão do como; o nosso foco aqui será o problema do custo. Isso porque já há muito material disponível com todos os pormenores da formação aeronáutica básica: o Sales possui um vídeo muito interessante sobre este assunto – o lendário “Canal Piloto 25” do YouTube –, e no meu bloguinho há os posts “Como ‘tirar brevê‘”, que é o texto fundador do meu blog, além do “PP Prático com Cherokee no ASP” e do “PC Prático – minha experiência”, que detalham muito bem todo o processo de formação aeronáutica. O que falta é um texto que ajude o leitor a calcular com razoável precisão os recursos de que precisará dispor para se tornar Piloto Comercial, uma vez que a idéia geral do custo da formação também já foi bastante explorada no post “Quanto custa tirar brevê”. Para todos os efeitos deste artigo, vamos considerar somente a formação completa em aeroclube/escola (não levaremos em conta os voos em avião particular), além do pressuposto de que o aluno parte do zero (não possui licenças de outras categorias de aeronaves, por exemplo), e tem por objetivo a licença de Piloto Comercial. Inicialmente, vamos analisar o caso do PCA (avião), e depois iremos fazer as correções necessárias para o PCH (helicóptero). Então, vamos lá.

Na formação aeronáutica, é preciso lutar em três frentes de batalha distintas: a médica, a teórica, e a prática. Todas essas frentes requerem estratégia e planejamento, não só para evitar estourar o orçamento, quanto para não perder tempo na formação como um todo. O ideal é seguir a seqüência [exame médico -> teoria -> prática], embora seja possível inverter algumas etapas – por exemplo: fazer toda a parte prática, e só depois realizar os exames médicos, ou começar a parte prática sem fazer a prova da ANAC –, mas isso não é recomendável.
 
O exame médico
 
É importante começar pelo exame médico porque nele você vai descobrir em qual das três situações você se enquadra:
 
1. Se está tudo OK, e você pode prosseguir com sua formação sem problemas;
 
2. Se sua saúde não está 100% para ser aprovado, mas é possível regularizar a situação; ou
 
3. Se sua condição de saúde não permite que você se torne piloto.
 
Por isso, se ocorrer a situação #3 – por exemplo: você se descobre daltônico, ou com algum problema neurológico que não possibilite total recuperação –, e você já estiver no meio do curso teórico de PP, você perdeu tempo e dinheiro, pois sua despesa com o curso não vai ter servido para nada. No extremo oposto, se você estiver na situação #1, não há com o que se preocupar, basta não falar bobagem no exame psicotécnico (é muito comum haver reprovação por “imaturidade” ou “ansiedade”, principalmente nos hospitais militares). Mas se você estiver no grupo #2, vai precisar bolar um plano para não ter problemas no exame médico – e isso às vezes custa muito dinheiro. As possibilidades são inúmeras, mas vou citar os problemas mais comuns (para saber todos os requisitos médicos, leia atentamente o RBAC-67, onde é possível encontrar todos os parâmetros de saúde para aprovação, tanto no PP quanto no PC):
 
A) Colesterol ou triglicérides altos: se você possui tendência a apresentar as taxas de colesterol ou triglicérides muito elevadas, o ideal é fazer regime e exercícios físicos para baixá-los antes do dia do exame. Faça um teste de controle em laboratório particular para checar se suas taxas estão num nível aceitável antes do exame “oficial”.
 
B) Desvio de septo nasal: normalmente, não há grandes problemas para o exame de PP, especialmente se ele for realizado em clínicas particulares; mas para o exame de PC, principalmente se ele for realizado em hospitais militares, há grandes chances de que você seja reprovado por este fator. Então, opere antes de chegar o momento do exame de 1ª classe (para PC).
 
C) Visão: verifique se sua acuidade visual com óculos está dentro dos parâmetros (80% de visão para PC e 70% para PP), e faça um exame oftalmológico antes de cada inspeção. No caso de maiores de 40 anos, é muito comum se surpreender com sintomas de presbiopia (dificuldade em enxergar de perto, a popular “vista cansada”) nas inspeções, então verifique se já chegou a hora de ter óculos de leitura.
 
D) Dentição: a maioria das pessoas desconhece, mas a presença de cáries e outros problemas odontológicos também reprova nos exames médicos para pilotos. Por isso, se sua dentição não estiver 100% OK, resolva todas as pendências antes do exame, para evitar dissabores desnecessários.
 
Fora isso, é preciso decidir se você irá realizar os exames em clínicas particulares ou nos hospitais militares. A grande diferença é a comodidade: nas clínicas, você é muito mais bem atendido, e gasta muito menos tempo; mas, em tese ao menos, os critérios de aprovação deveriam ser os mesmos (na prática, não é, os hospitais militares são mais rigorosos).  O custo dos exames é o mesmo nos dois casos, e para saber o valor você deve ligar para as clínicas/hospitais e checar. Fora isso, há o custo dos exames, e neste aspecto há grande diferença: nas clínicas, você precisa levar todos eles, realizados por sua conta em laboratórios particulares; enquanto que nos hospitais, a maioria será feita internamente (verifique junto ao hospital militar que você escolheu quais exames você precisará levar). Se você possui um bom plano de saúde, não haverá diferença de custos entre as duas opções, mas se você precisar pagar os exames do próprio bolso, o valor é elevado.
 
Com isso tudo, o custo total da parte médica será composto por:
 
I) O custo das inspeções iniciais de PP e de PC, mais as eventuais revalidações que se fizerem necessárias;
 
II) O custo dos exames clínicos que você precisará realizar “por fora”, tanto nos exames iniciais quanto nas revalidações; e
 
III) O custo dos tratamentos médicos e/ou odontológicos que porventura sejam necessários.
 
Somando estes três itens, você terá a noção exata de quanto vai gastar com a parte médica da sua caminhada para ser piloto. Se sua saúde for perfeita, e você realizar as inspeções em hospitais militares (ou tiver um bom plano de saúde que cubra os exames em laboratórios particulares, se você realizar as inspeções em clínicas), este custo não será elevado. Mas se você tiver que realizar muitos procedimentos médicos/odontológicos, este item pode ser um dos mais caros da sua formação. Não quero assustar ninguém, mas só com a cirurgia de correção de desvio de septo nasal que eu tive que fazer, gastei mais de R$15mil (ainda bem que eu tenho um bom plano de saúde). Então, muito cuidado na hora de avaliar o custo deste item, para não ter nenhuma surpresa desagradável e ter que parar de voar para pagar o médico.
 
Parte teórica
 
Esta é a parte mais fácil de ser avaliada na arbitragem dos custos para a formação aeronáutica, e não há muito espaço para surpresas. Você terá que fazer dois cursos, o de PP (que hoje não é obrigatório, mas deve vir a ser em breve), e o de PC. Verifique nos aeroclubes e escolas homologadas que te interessam qual o custo e as condições de pagamento dos cursos presenciais. Verifique também os livros, apostilas, e demais materiais (ex. computador de voo) que você precisará adquirir, tanto para o PP quanto para o PC (essa informação também poderá ser obtida nas mesmas escolas/aeroclubes). Fora isso, há ainda os custos com as taxas para realizar as provas na ANAC, que possui uma tabela de preços por matéria. Em cada prova, é preciso pagar 5 matérias, e se você ficar de segunda época, há ainda o custo das matérias que você precisará repetir o exame. Finalmente, deve-se levantar os custos de transporte para realizar os cursos e os exames. Desta forma, o custo da parte teórica será composto pelos seguintes itens:
 
I) Honorários cobrados pelos aeroclubes/escolas pelo(s) curso(s) presencial(is) – lembrando que o curso de PP hoje é opcional;
 
II) Material didático (livros, apostilas, e outros);
 
III) Taxas da ANAC; e
 
IV) Despesas de transporte para o curso e para os exames.  
 
O único item que pode trazer alguma surpresa desagradável é o IV, principalmente se a ANAC deixar de realizar os exames teóricos em locais próximos à sua residência. Eventualmente, será preciso viajar para outras cidades ou estados para fazer a banca da ANAC, então verifique se isto será necessário no seu caso para não se surpreender depois.
 
Parte prática
 
Para poder começar a planejar o custo da parte prática, é preciso conhecer o preço da hora de voo/utilização nos aviões/simuladores que se precisará voar/utilizar, e decidir que tipo de formação se deseja realizar. Serão quatro possibilidades de avião e duas de simulador que você poderá utilizar em sua formação:
 
1) Básico-D: avião monomotor para voos visuais diurnos – Ex.: Paulistinha, AeroBoero, Cessninha (C-150/152), Cherokee, Guri, Tomahawk, Piper Cub, etc.
 
2) Básico-N: avião monomotor para voos visuais noturnos – podem ser os mesmos do grupo #1, acima, ou modelos do grupo #3, citados a seguir.
 
3) IFR-mono: avião monomotor para voos por instrumento diurno/noturno – Ex.: Cessna 172, Tupi, Corisco, Diamond D-20, Cirrus SR20, e em alguns casos, Cessninha e Cherokee.
 
4) Multimotor: avião monomotor para voo visual/instrumentos diurno/noturno – Ex.: Seneca, Baron, Comanche, Apache.
 
5) Simulador AATD: equipamento mais sofisticado, com projeção de cenários, que reduz a necessidade de voos IFR em 20h (para um mínimo de 25h de treinamento em simulador).
 
6) Simulador BATD: equipamento mais simples, sem projeção de cenários, que reduz a necessidade de voos IFR em 10h (para um mínimo de 25h de treinamento em simulador).
(Obs.: especificamente sobre simuladores, leia este artigo)
 
Também é necessário conhecer o custo do “ground school” (treinamento básico de apresentação dos sistemas e limitações do avião) de cada uma das opções de #1 a #4. Com isto, é possível arbitrar todas as possibilidades de formação de PP e de PC. Neste último caso, as opções são as seguintes:
 
A) PC-MNTE/VFR: á a formação mais básica, muito limitante em termos de possibilidades de trabalho, mas que permite realizar o restante da formação (MLTE, IFR, etc) em aviões particulares, ou prosseguir para um curso de instrutor de voo.
 
B) PC-MNTE/IFR: é a formação mais comum, que permite ingressar no mercado de trabalho da aviação geral imediatamente.
 
C) PC-MLTE/IFR: é a formação mais completa, que permite não só ingressar imediatamente no mercado de trabalho da aviação geral com mais opções de aeronaves para voar, como também prepara o piloto para ingressar na aviação comercial assim que ele obtiver as horas de voo requeridas pelas companhias.
 
Agora que você sabe os custos das diferentes horas de voo e o tipo de formação que você quer, vamos começar a arbitrar o custo do treinamento prático, começando pelo mais simples, o PP:
 
Em todo o curso de PP, utiliza-se somente aviões do grupo #1, e não se usa simulador. Então, se você souber o preço da hora de voo do avião que você pretende usar, basta multiplicar este valor pelo número de horas que você vai precisar voar, e somar com o custo do “ground school”, e as taxas do cheque. Muitos aeroclubes/escolas dizem que seria bom você realizar um voo noturno no PP, para checar já sem a restrição para voos noturnos, mas isso é bobagem, pois a retirada da restrição só vale por 120 dias, e no PC você terá que tirar a restrição de novo de qualquer maneira.
 
A única dificuldade para fazer o orçamento do PP será arbitrar a número de horas a ser voada nesta fase. O mínimo exigido pela ANAC são 35h, e leva-se cerca de 2h no voo de cheque, então seria possível obter a CHT de PP com somente 37h de voo. Ocorre que, na maior parte dos casos, esse valor é excedido, e isso pode acontecer pelos seguintes fatores:
 
i) Facilidade/dificuldade de aprendizado do aluno: tem gente que demora menos ou mais para aprender as manobras de pilotagem, e dependendo de como é feito o treinamento – com voos muito espaçados, ou com instrutor com pouca habilidade para ensinar – a quantidade de horas pode aumentar mesmo com alunos com grande facilidade.
 
ii) Tipo de avião utilizado: aeronaves com trem de pouso convencional (aquelas “com rodinha atrás”) são mais trabalhosas para aprender a pousar e taxiar, consequentemente requerem mais horas de voo que as com trem de pouso triciclo (as “com rodinha na frente”).
 
iii) Características do aeródromo utilizado no treinamento: aeroportos localizados nos grandes centros (ex. Campo de Marte, Jacarepaguá, Pampulha, etc.) fazem com que se gaste muito tempo no táxi e no deslocamento até a área de treinamento, enquanto que pistas de pouso do interior permitem que o aluno inicie o treinamento poucos instantes após o acionamento do motor. Logo, será necessário muito mais tempo de treinamento no primeiro caso.
 
A maneira de você saber quantas horas você vai precisar é perguntando para os instrutores e para os alunos do aeroclube/escola em que você pretende voar, ajustando a resposta para o seu auto-julgamento de proficiência. Mas isso não deverá fazer muita diferença no orçamento do treinamento total PP+PC, uma vez que quem faz o PP com menos horas terá que voar mais no PC, e vice-versa (as horas para cheque de PC são totais, desde o PP). No fim das contas, a maior parte das pessoas consegue terminar o PP (incluindo o voo de cheque) entre 40h e 60h de experiência de voo. Com isto, o custo total da parte prática do PP pode ser obtido pela soma dos seguintes itens:
 
I) Horas de voo de treinamento e cheque (No. de horas estimada X preço da hora em avião do grupo #1)
 
II) Taxa de “ground school”
 
III) Taxas da ANAC
 
IV) Honorários do despachante (opcional)
 
Terminado o PP, é hora de iniciar a parte prática do PC, que é bem mais complicado de planejar. Só que isso vai ficar para a semana que vem, pois o PC prático é complicado prá valer, e tem muita informação para ser passada (sem contar que ainda falta falar das adaptações para a formação em helicóptero). Até lá!
Alexandre Sales
Redes
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