“Voar é divino, mas pairar é sublime”.
Oscar Lima Alfa, Srs. Passageiros! Eu sou o Comandante desta coluna e cumprimento todos a bordo em nome da tripulação. Hoje vamos falar sobre o voo pairado.
No último texto falávamos sobre a primeira vez de um Piloto, a sensação de ter os comandos da aeronave, pouco a pouco, em suas mãos e a satisfação de realizar suas primeiras manobras em voo. Você já se sente o próprio Comandante e chega a pensar “puxa vida, achei que isso seria mais difícil…” Até que o INVH coloque na sua ficha de debriefing a seguinte frase “apto para trabalho de solo”.
Imediatamente o meu pensamento foi longe, como todo Piloto Aluno que se preze, e comecei a fazer as associações permitidas pela minha mente criativa relacionadas a solo… Teórico… Ground School… Nacele… Pré-voo… E só aí me dei conta de que essa linda relação de amor entre este ser que vos escreve e a máquina só acontecia lá em cima, existindo um lapso entre o ir e vir do céu.
Contato com a Torre retomado, o INVH me explicou em que consiste o trabalho de solo e eu mal podia esperar a próxima aula.
As manobras em solo exigem muita paciência do instrutor e grande perseverança do aluno, pois é aqui que sentimos todos os efeitos da aeronave e isso faz com que as aulas de Teoria de Voo fiquem cada vez menos abstratas na sua cabeça. Esta fase é bastante crítica, pois chegamos todos muito perto dos limites dessa relação instrutor x máquina x aluno e isso não é uma coisa simples.
Era por volta da 5ª hora de voo e eu estava bastante ansiosa para saber o que iria acontecer. Foi quando eu tive a minha primeira lição: na aviação, você vai estudar – muito! – para sempre. Informação é vida! E quando você achar que está tranquilo e que já viu tudo, pode ter certeza de que algo está errado.
Agradeço muito aos meus instrutores por terem me ensinado isso logo no começo e reproduzirei aqui o que se passa na cabeça de um PP (Pensa que é Piloto) logo no início de sua existência. Foi exatamente assim que começamos a instrução daquele dia:
Instrutor Evil: Hum, então é a senhorita a mocinha que começou na escola. Você tem ideia do que faremos hoje?
PPzinho: Aham, sou eu. Bom… acho que hoje vamos fazer trabalho de solo… dei uma olhada no manual de manobras… (súbito corte)
Instrutor Evil: É, nós não vamos nem decolar hoje, porque tenho certeza de que você não tem estudado o suficiente… Vou fazer uma pergunta e se a senhorita souber a resposta, então, decolamos.
PPzinho: OK, vamos tentar então !
Instrutor Evil: Senhorita, quais são os dois portões de Marte ?
PPzinho: Huuuumm, acho que essa eu sei… Um é na Olavo Fontoura e o outro é na Santos Dumont!
E quem pode dizer que está errado ?? Ninguém !! E, então, fui apresentada às famosas Cartas Aeronáuticas. Neste dia olhamos a ADC (Aerodrome Chart) e a VAC (Visual Approach Chart) do Campo de Marte – que não é a mesma coisa que a WAC. Sabe o que é ? Se não sabe, procure na AIS Web… E aproveite que tem alguém para te falar isso antes do seu instrutor Evil te perguntar.
Feito isto, acionamos e seguimos para a área de “RUN UP” do Campo de Marte (e você já deve saber o que é isso agora) para darmos início aos trabalhos. E que trabalho! Segundos… Minutos… Horas… Dias… Tentando fazer o helicóptero parar… E nada !! Sol… Suor… Chuva… Pressão… Stress… Sem portas… Barulho… Com portas… Tensão… Dores no Corpo… E nada!
O Efeito Pendular não é mais novidade para você, está no seu corpo, te jogando de um lado para o outro. O Efeito Solo ou “colchão de ar” que te manda pra cima e você volta, de novo e de novo. “Olha pro horizonte! Mantenha a proa! O Pedal! Para a mão, para a mão!” era o que os instrutores permaneciam falando… 5ª…7ª…10ª hora… E o máximo que você consegue fazer de vez em quando é sair do pêndulo. “Voo mental” era o que eles escreviam no debriefing… “Treina com a vassoura” era o que eles aconselhavam.
E é neste momento que começam a passar várias coisas pela sua cabeça. Você pensa que aquilo não é para você, que você não entende os comandos e nem o que o instrutor diz. Que você não sabe fazer nada e que provavelmente tenha Mal de Parkinson, porque você jura que a sua mão está parada, mas parece que a aeronave tem vontade própria.
Pior é quando o INVH corrige tudo aquilo com apenas um dedo no cíclico! Eu pensava “gente, que bruxaria é essa que ele tá fazendo?!”. É o fim! !
11ª hora… 12ª hora… quando de repente, como uma força da natureza ou um passe de mágica, a máquina simplesmente para na sua mão. Ali, quietinha, no pairado, inacreditável! Você olha para o lado porque tem certeza de que o INVH está te ajudando… Mas não, é você mesmo!!!
Apenas nos olhamos e o meu instrutor em silêncio, só estendeu o braço, deu um joia na minha frente e riu. Foi uma das melhores sensações que já tive.
E é assim com todas as criaturas PPzinhas da Aviação de Asas Rotativas… Inexplicável, indescritível, inesperado, impressionante e pairado!
Volto em 15 dias. Pro corte, boa!!
Helena Gagine