Livre Pouso 05

posted in: Helena Gagine, Textos | 3

“Se você falar com um homem numa linguagem que ele compreenda,
isso entra na cabeça dele. Se você falar com ele em sua própria linguagem,
você atinge seu coração.”

O.L.A. meus queridos! Dizem que a frase acima é de Nelson Mandela e, inspirada nela, hoje vamos falar sobre Comunicação Aeronáutica… Fonia.

No último texto falamos sobre o voo pairado, todas as dificuldades de consegui-lo e, se fizermos um apanhado de tudo o que conquistamos até aqui, percebemos que já somos capazes de lidar com muita coisa.

Comandamos cíclico, coletivo e pedais, taxiamos, pairamos, fazemos várias manobras de solo (com lombadas e ventos imaginários, mas fazemos!), até os urubus nós já conseguimos perceber… Ou seja, já temos o total controle da situação, certo? Negativo, Comandante!

A partir de agora, entramos em uma etapa de afinação da percepção e da consciência corporal… Minha espécie é reconhecida por ter uma percepção aguçada e aprendemos o que é consciência corporal logo de pequeninas. Sim!

Quando a nossa mãe faz uma brilhante conexão de que somos meninas, logo, temos que ir ao Ballet… Não façam isso com suas filhas, a menos que elas peçam a vocês! Tá? Combinado? Tranquilo?

Enfim… Você está achando este papo de consciência corporal estranho, certo? Não vai ficar tão estranho se antes de iniciar a afinação da sua percepção, colocarem você para fazer a fonia do voo. Espere para ver o quão estranho é o papo das “Top Parades” que rolam nas frequências aeronáuticas!

E como vai complicando ainda mais qualquer outra percepção, quando você passa a ter a responsabilidade de se comunicar na fonia. Mas por que este vocabulário é tão… tão… próprio?

Já ouviu falar em ICAO – Internacional Civil Aviation Organization? Aquela famosa da ONU, que fica no Canadá (e não é a Luiza!), criada com a Convenção de Chicago para organizar, padronizar e desenvolver a aviação internacional, baseada nos princípios da segurança, eficiência e economia…

Lembrou? Não? Então não se preocupe, você ainda ouvirá muito sobre ICAO! Mas a princípio, basta continuar estudando a sua apostila de Regulamentos.

Agora trazendo para a esfera nacional, o DECEA – Departamento de Controle do Espaço Aéreo – tem como Missão o planejamento e gerenciamento das atividades relacionadas à segurança e tecnologia da informação, bem como às telecomunicações aeronáuticas e ao controle do nosso espaço aéreo.

Eles são os responsáveis pelos portais que mais utilizamos na internet, principais ferramentas do nosso trabalho e aprendizagem: REDEMET (Meteorologia) e AIS Web (Cartas e demais Publicações Aeronáuticas).

Na minha escuta até aqui, piloto? Pronto para cópia?

Agora basta acessar a AIS Web e procurar pela publicação ICA 100-12, que é o nosso documento oficial.  Lá encontraremos a resposta para a pergunta inicial no Capítulo 15: “Fraseologia é um procedimento estabelecido com o objetivo de assegurar a uniformidade das comunicações radiotelefônicas, reduzir ao mínimo o tempo de transmissão das mensagens e proporcionar autorizações claras e concisas”.

Vou usar as palavras de um INVH muito querido, bastante comprometido e talentoso na arte da instrução. Uma vez ele me disse que para fazermos a fonia nós tínhamos que respeitar alguns princípios, tais como brevidade, objetividade e indubitabiliddade. Sobre esta lição e outras que tive, vou comentar algumas conclusões das muitas que podemos falar:

NÃO UTILIZARÁS PALAVRAS QUE POSSAM CONFUNDIR O CONTROLE!

Normalmente, para confirmar qualquer coisa podemos dizer SIM ou NÃO, certo? Já na comunicação aeronáutica, deve-se afirmar ou negar uma situação.

Atenção! Positivo NÃO EXISTE para esta circunstância! Afirmativo NUNCA! Essa terminação em “-ativo” pode gerar uma confusão fonética no ouvinte!

Por isso, utilizamos NEGATIVO ou AFIRMO.

POUCO UTILIZARÁS VÍRGULAS E PREPOSIÇÕES!

Pode parecer estranho a maneira de falar como se você fosse um aprendiz da nossa própria língua depois de adulto. Devemos, literalmente, focar apenas na informação essencial, por mais diferente que isso possa soar aos nossos ouvidos.

Isso faz total diferença no tempo investido na mensagem, pois temos que ser rápidos ao falar para não desconcentrar da cabine e liberar a frequência para as outras aeronaves. Imagina numa situação na Coordenação de Helicópteros, veja a diferença:

  • Aqui é o PR-IZE, que está sobrevoando o Memorial da América Latina, seguindo com destino à Estação da Luz.
  • ü  Memorial proa Luz / PR-IZE

Para o piloto de outro helicóptero, mais importa saber sua localização para um possível desvio do que sua identificação. Por isso, sempre deixo para falar a matrícula no final.

ENCURTARÁS, AO MÁXIMO, OS DIÁLOGOS NA FONIA!

Agora imagine uma situação de aproximação no Aeroporto Campo de Marte. Você é um privilegiado, já que está em um voo visual e está atento à fonia. Aguardando a sua vez de chamar a Torre, você avista outra aeronave pousando ou decolando. Veja o seguinte diálogo:

Piloto: Torre Marte, PR-IZE.

TWR: PR-IZE, prossiga!

Piloto: No Memorial, pra ingresso e pouso no Heliponto 2.

TWR: PR-IZE, no visual com o Esquilo na final?

Piloto: Afirmo.

TWR: Siga na retaguarda e ingresse no circuito como número 2.

Veja a diferença:

Piloto: Torre Marte, PR-IZE.

TWR: PR-IZE, prossiga!

Piloto: No Memorial pra ingresso e pouso no Heliponto 2 / visual com um Esquilo na final / ingressará como número 2, se autorizado.

TWR: Mantenha como número 2, reporte na final.

É por esse motivo, ainda, que devemos ouvir o ATIS para retornar ao aeródromo também. Assim, ficamos cientes das condições antes de falar com a Torre e podemos “agilizar” a fonia e deixamos o voo mais seguro, pois temos a oportunidade de efetuar um “double check” das informações, como pista em uso, por exemplo.

Fiquem atentos! A palavra “Prossiga” que a Torre utiliza confirmando a escuta ao Piloto está para sair da Fraseologia para que, desta vez, o sujeito confundindo não seja o Piloto.

NÃO TERÁS CONVERSAS PARALELAS NA FONIA!

É bastante desagradável você precisar fazer um reporte e não conseguir porque dois pilotos amigos se “encontraram” na fonia e resolveram colocar o papo em dia, tricotando sobre família, vida amorosa, escala de trabalho, animais de estimação…

Imagine a situação se no último reporte você percebesse uma aeronave em sentido contrário ao seu e, antes mesmo que você pudesse avisá-la, fosse interrompido por uma destas conversas paralelas, congestionando a fonia por 1-2 minutos, por exemplo. Situação bem perigosa, não é mesmo?

COTEJARÁS AUTORIZAÇÕES E INSTUÇÕES DO CONTROLE!

O piloto deve repetir as autorizações e instruções fornecidas pelo Controle, conforme a ICA 100-12. Ao repetir uma autorização, o Controle tem a oportunidade de realizar um “double check”: ele confirma se o piloto entendeu corretamente a mensagem e ainda verifica se ele próprio passou a mensagem corretamente.

Dessa maneira, o piloto transmite suas intenções para controladores, que passarão as instruções de seu órgão ATS, ambos deixarão outros pilotos cientes da situação e todos garantirão o entendimento mútuo entre os envolvidos na operação.

Não há problema algum em pedir para que o Controle repita uma informação caso você não a tenha entendido corretamente ou tenha alguma dúvida a seu respeito. Você pode utilizar-se das palavras Repita ou Confirme, por exemplo. Na dúvida, pergunte! Caso perceba que passou alguma informação errada, corrija!

E como me disse outro instrutor muito querido e conhecido por ser bem exigente: “Se até papagaio fala, você falará também!”.

Volto em 15 dias! E, se você quer saber o que é consciência corporal, mantenha a posição e esteja por aqui!

Livre Pouso, no Canal Piloto, pro corte… Boa!

Helena Gagine 

Renato Cobel
Redes