Na dúvida, consulte o manual…
Peço desculpas aos amigos internautas pelo período sem publicações, e na medida do possível iremos retornar à constância das nossas matérias sobre manutenção de aeronaves e aviação em geral.
Quero deixar registrado a minha insatisfação com o mercado de trabalho em relação aos mecânicos aeronáuticos, aproveito a oportunidade para dar nota zero a algumas oficinas existentes por ai. Paga-se pouco, tem-se péssimas condições de trabalho, não existem garantias para os novos profissionais que estão estagiando .
Não posso esconder a informação de que muitas revisões poderiam ser feitas dentro do padrão do fabricante, seguindo uma rigorosa lista de itens a serem verificados. Esses serviços são feitos por profissionais não habilitados, e que, por muitas vezes, são preteridos pelos patrões em relação a um profissional recém formado num bom curso de mecânico.
Numa certa ocasião, estava no bugre que levava o planador até a cabeceira da pista, numa tarde de sábado ensolarado. O dia estava perfeito, sem nuvens, ar calmo, o famoso CAVOK. Enquanto preparávamos o planador vi se aproximando uma família, sendo um senhor (o piloto), uma mulher (possivelmente sua esposa), uma garota (com um cachorro) e uma outra senhora (possivelmente a sogra).
Eles pareciam ansiosos para voar num Cessna Skyhawk, essa aeronave por sinal estava em manutenção na oficina numa revisão de rotina.
Lembro ter ajudado a por essa aeronave no macaco, nos posicionamos abaixo das asas e levantamos com os braços. Fiquei ali ao lado, já que não tinha outra coisa pra se fazer no meu setor, logo vi que o colega tinha dificuldades na montagem do cubo, e o mesmo não trouxe o manual de serviço.
Aquilo me deixou meio abismado, pois um retentor de graxa parecia não se encaixar direito, não opinei por ser recém chegado na empresa e o cara poderia não gostar.
Enquanto estava no pátio preparando o planador, a família citada foi em direção ao seu velho Skyhawk. E ele parecia um velho conhecido devido ao respeito e ao cuidado dos seus amigos durante a inspeção pré voo.
O cachorro parecia estar acostumado com aquela rotina aeroportuária, e nem se incomodava com o ronco de um Baron 55 da Fretax no qual era checado os motores feitos no setor que eu trabalhava.
Realmente esse dia estava perfeito pra voar, e como em quase todo aeródromo desprovido de rádio, sempre haviam engraçadinhos se exibindo: Nesse dia vi dois Cirrus empareados dando um raso na pista…
O passeio tinha tudo para ser perfeito, a decolagem foi boa, e o peso parecia na desestabilizar a aeronave na sua razão de subida. E la se foi aquela família rumo ao horizonte daquela pequena cidade mineira, voando na sua recém revisada aeronave. E nós ali na cabeceira da pista dando suporte ao lançamento do planador, rebocado por um velho e eficaz AB180.
Lá pelas 15:00 horas estávamos esperando o pouso do Puchacz e ansiosos pra tomar aquela famosa gelada no boteco do aero. Antes porém, o Skyhawk retornava imponente dos céus com seus amigos tripulantes, felizes por aquele lindo voo panorâmico. Tudo seria perfeito por um infeliz inconveniente…
Durante a aterrissagem, uma das rodas travou, e consequentemente esquentou. Susto enorme, pois o aeródromo, apesar de pequeno e de pouca estrutura, é muitíssimo frequentado por aviadores de diversas localidades (inclusive daqui da cidade que moro).
Só quem trabalha com aviação sabe a tensão que é ter uma aeronave danificada numa pista movimentada, e desprovida de Atc. Tivemos que nos dividir e ajudar a empurrar a aeronave com a roda direita travada até um ponto seguro no pátio.
Por sorte, tinha um mecânico ajustando o motor do Baron 55 que citei no começo. Ele estava no quadrado de testes e viu o momento do pouso, logo veio ver o que tinha acontecido e verificar o motivo do travamento. Era de desapontamento a expressão de todos em redor enquanto o colega desmontava a roda da aeronave.
Primeiro tirou-se a roda, não eram os freios, depois tirou-se o cubo da roda, pegava fogo… Verificando bem a fundo, e tendo em vista os rolamentos praticamente quase fundidos e travados, logo via-se que a roda estava com sua montagem errada.
O dono do avião parecia meio decepcionado e chateado, não disse nada, mas via-se claramente sua desaprovação (embora não tenha dito nada no momento). O mecânico (conhecido meu e altamente profissional, embora não tenha habilitação), disse que poderia trabalhar por fora, durante o fim de semana, disse que a roda parecia ter quebrado um rolamento ou ter entrado um parafuso no interior do cubo.
O senhor já chateado disse que não fizesse o serviço, que deixasse a aeronave no pátio e que fosse refeito o serviço já que o mesmo foi feito na oficina, estando em garantia. O mecânico disse que mostraria ao chefe e que a situação seria prontamente resolvida, terminando assim um fim de semana que tinha tudo para ser perfeito (ou foi perfeito, pois o risco em potencial de uma tragédia maior estava patente).
Moral da história, o mesmo mecânico que fez a montagem errada da roda foi o mesmo que atendeu em socorro na desmontagem. Era bem clara a sua cara de preocupação diante da situação, e nós dois sabíamos muito bem que foi o responsável…
Aprendi várias coisas importantes com esse caso.
- Tenha sempre em mãos o manual da aeronave.
- Na dúvida, chame uma pessoa mais experiente.
- Sempre peça alguém para checar o serviço.
- Um erro menor sempre gera um erro maior.
- Seja homem para assumir seus erros.
Obrigado pelas visitas e comentários.
Alvaro Lemos
Manutenção de aeronaves
alvarocontatos@hotmail.com