O amor é cego | Minha Proa: 048

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“A primeira namorada, é difícil de esquecer […]” (Ângelo Máximo) – No meu caso, por um forte motivo.

No último ano do meu ensino médio eu tinha 17 anos, estava no curso teórico de Piloto Privado, e já estava me preparando para realizar o exame médico da categoria.

Quando criança eu consegui escapar ileso de uma pedrinha atirada com um elástico por um colega, que a acertou em um de meus olhos. Até então, eu tinha isso como o mais próximo que eu passei de perder a visão de um dos meus olhos, o que poderia vir a me barrar na aviação. Mal sabia eu que viria a depender da sorte novamente…

Nesse último ano do ensino médio, eu tive um quase namoro com uma colega que estudava na mesma escola, e morava no mesmo bairro que eu. Ela não foi de fato minha primeira namorada, mas foi a primeira que meu círculo de amigos conheceu, e com isso, acabou assumindo esse título em minha memória.

Certo dia, estávamos no ponto de ônibus rumo à nossa escola, em uma manhã fria de inverno. Entramos no ônibus das 7h, que tinha tanta carga paga que os amortecedores saíam do envelope do fabricante. Seguimos para o fundo, já pensando no desembarque. Havia apenas um lugar, e apesar do meu cavalheirismo em oferecê-lo, eu acabei ficando sentando e segurando nossas mochilas, enquanto ela ficou de pé em minha frente.

Devido ao CG do ônibus, os últimos lugares são sempre os mais instáveis, quase que um simulador de stall. Eis que após um anotação em sua mão, minha querida amizade colorida teve a ideia de tampar tal caneta, que estava com sua tampa na traseira da mesma.

Como um acidente nunca acontece por apenas um motivo, a tampa da caneta ficou aparentemente emperrada. Com isso, ela começou a aplicar força para soltá-la, estando em pé, sem apoio, na traseira de um ônibus em movimento.

Como todo jovem apaixonado, eu não me dava conta da situação, e permanecia focado apenas nela, observando seu cabelo preto liso, pele branca, óculos retangulares, e sorriso de aparelho. Era a Nerd de quem eu gostava.

Ela finalmente consegue soltar a tampa da traseira da caneta… Justamente na hora que a ponta da mesma estava apontada para meu rosto, no exato momento em que o ônibus passava por uma rua esburacada! Com isso ela se desequilibrou e, tal qual uma faca, desferiu a caneta contra, mais uma vez, um de meus olhos.

Em um momento de reflexo e pura sorte, eu consegui apoiá-la a tempo, parando a ponta da caneta a 4 centímetros de meu olho. Ainda na mesma posição, nós nos olhamos, ambos com os olhos arregalados. E eu pude ver no olhar dela que, assim como eu, ela também percebeu o que, por um milésimo de segundo, poderia ter acontecido.

A despedida para todo o meu possível futuro na aviação estava diante dos meus olhos, em uma ponta de caneta.

O amor é cego. Ou pode te deixar cego.

Alexandre Sales
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