Possibilidades de trabalho para pilotos – Parte II

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Coluna de Coaching de Formação Aeronáutica – Raul Marinho / Blog Canal Piloto
Tema da semana: Possibilidades de trabalho para pilotos – Parte II: Análises

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“Como tirar brevê e quanto isso vai custar” 

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Caros (futuros) aviadores do Canal Piloto, Oscar Lima Alpha!
 
Na coluna da semana passada, eu disse que nestes primeiros artigos de 2012 nós iríamos abordar as possibilidades de trabalho que existem para um piloto de aeronaves. Naquela oportunidade, nós nos concentramos na descrição destas possibilidades, e ficou combinado que nesta semana nós nos dedicaríamos às respectivas análises: quais alternativas são melhores para quem; como chegar ao objetivo da melhor maneira; etc. Para tal, eu recomendo que vocês leiam um casal de artigos que eu escrevi no meu bloguinho: o “Pilotos e Escalabilidade” Parte I e Parte II, onde eu defino conceitos importantes para o entendimento desta coluna. Leia-os, que eu te espero. Na volta, comece pelo parágrafo seguinte.
 
O conceito de escalabilidade para o mercado de trabalho é genial para entender corretamente como se posicionar da melhor maneira possível como profissional (em qualquer área, não só na aviação). Para o que nos interessa (atuais ou futuros pilotos de aeronaves), o importante é entender que você não vai ficar rico como piloto, mas que você poderá ter uma vida muito boa pilotando aeronaves (se a ideia for a de tentar ficar rico mesmo, assuma que você vai ter que deixar de pilotar profissionalmente em algum momento de sua vida, como foi o caso do Cmte. Rolim). Isto pode parecer uma informaçãozinha meio besta, mas se você entendê-la bem, ela pode fazer toda a diferença para a sua satisfação profissional e pessoal pelo resto da sua vida.

Eu digo isto porque estou cansado de conhecer gente multi-berimbelada que, depois de lutar por anos para chegar ao comando em uma grande companhia aérea, se diz extremamente infeliz, frustrado, com um casamento em frangalhos, um péssimo relacionamento com os filhos (os quais mal conhece, na verdade). Tudo isto porque o sujeito perseguiu, por toda a vida, uma posição que pagava alguns milhares de reais a mais em termos de salário mensal do que ele ganharia se enveredasse por outros caminhos na aviação, mas que não o fez porque achava que aquilo não era o “topo da pirâmide”. Estou sendo bem enfático quanto a isso porque eu sei que a maioria dos leitores daqui é composta por jovens cujo grande sonho é ser piloto de linha aérea, de preferência internacional; o tipo da pessoa que, hoje, acharia que comandar um Seneca aos 50 anos seria um sinal inequívoco de fracasso profissional. Pessoal, atenção! Mudem a forma de pensar porque senão, daqui a 10, 15 anos, serão vocês que estarão choramingando pelos cantos, tomando antidepressivos, etc e tal. Por isso, antes de entrarmos em qualquer consideração sobre as possibilidades profissionais que existem na aviação, você precisa se despir de todo e qualquer preconceito que porventura tenham, e entender três regras básicas:
  1. Você não vai ser mais rico ganhando 10%-20%-30% a mais ou a menos, o máximo que você consegue é uma casa alguns metros quadrados maior, um carro um pouco mais equipado, mas no fundo, no fundo, você terá o mesmo padrão de vida.
     
  2. Por outro lado, você pode ter uma vida muito melhor se você não precisar se sujeitar a escalas de trabalho absurdas, a exigências profissionais extenuantes, e se você tiver mais autonomia e reconhecimento no trabalho.
     
  3. O avião chique, de milhões e milhões de dólares, é do seu patrão, não seu. Não ache que, por pilotar um jato ultra-sofisticado, isso o torne automaticamente um cara sofisticado. Você pode ser um Mané no comando de um B777, e ser um cara legal num Corisco.
Pilotar um A330 em voos internacionais, ganhando R$30mil/mês é ruim? É claro que não! Mas, se para isto, você tiver que sacrificar muita coisa na sua vida, talvez seja melhor você comandar um King Air em voos pelo interior do Brasil, ganhando a metade disso – é isto o que estou falando. Eu acho importante você saber disso o quanto antes, de preferência logo no início da sua formação, para economizar sofrimento no futuro. E se você for muito ambicioso, meu caro, então caia fora agora, antes de começar, pois a profissão de piloto não deixa ninguém milionário – no máximo, pode te ajudar no início de uma carreira muito escalável, mas não passa disso.
 
Sabendo disto, podemos agora começar nossas análises mais objetivas sobre as possibilidades que existem para pilotos de aeronaves. Nós já fizemos algumas considerações sobre a carreira de piloto militar (ou das polícias e de aeronaves do Estado) na semana passada, então vamos nos concentrar nas análises sobre a aviação civil “de verdade” neste artigo.
 
Comercial X Executiva: o FlaFlu da aviação
 
O dilema básico da carreira de piloto é a decisão “comercial X executiva”, então vamos começar por ela. Em linhas gerais, a aviação comercial impõe escalas de trabalho mais exaustivas (trabalha-se mais dias por mês), mas em compensação o piloto fica restrito à pilotagem da aeronave em si (não tem que se preocupar com plano de voo, manutenção, e burocracia), e tem uma maior previsibilidade sobre suas folgas. Já na aviação executiva, o piloto voa bem menos, mas em compensação sua atividade não se restringe à operação da aeronave em si: ele também é o despachante operacional do voo, o supervisor da manutenção, e o administrador da aeronave em grande parte das vezes. E o piloto da executiva nunca (ou quase nunca) tem certeza de quando estará voando e quando estará de folga com muita antecedência. O que é melhor, então? Impossível responder, depende de quem você é, como sua vida está estruturada, suas habilidades e preferências, e em grande parte das oportunidades que surgem. Além disso, o que é bom hoje, amanhã não é mais, e vice versa: tem coisas que são ruins agora, mas em alguns anos podem ser interessantes – é a tal da “metamorfose ambulante” que o meu xará cantava…
 
O fato é que tanto existem pessoas que dão graças a Deus por conseguirem sair da executiva e entrar na comercial, como tem gente louca para sair da linha aérea e pilotar para um patrão – a grama do vizinho sempre parece mais verde. E dentro de cada segmento existem subdivisões que também são importantes de se conhecer. No artigo da semana passada, eu falei sobre as três possibilidades da aviação comercial (internacional, doméstica e regional) e da executiva (proprietários rurais, profissionais liberais e médios empresários/executivos, e grandes magnatas do mundo dos negócios), e agora eu vou analisar – em linhas bem gerais, somente para se ter uma idéia – as estratégias mais usadas por pilotos profissionais envolvendo a aviação comercial e executiva.
 
Logo depois de sair do aeroclube, o piloto tende a se estabelecer nos nichos mais humildes da aviação executiva, o que significa pilotar para algum fazendeiro aeronaves monomotoras a pistão, ou algum bimotor mais antigo (ex.Piper Twin Comanche, Cessna 310, etc.). O sujeito fica nessa atividade uns 2 ou 3 anos, “fazendo hora” até atingir os mínimos para a aviação comercial, ou então até conseguir alguma oportunidade para pular para aviões mais sofisticados na própria executiva, muitas vezes migrando para um turbo-hélice (King Air é o caso clássico). Se o piloto tiver ido para a comercial, geralmente acontecem duas coisas: ou o sujeito fica na linha aérea até se aposentar; ou em algum momento (por volta de depois de 15 anos de trabalho na linha aérea, mais ou menos) ele retorna para a aviação executiva, geralmente com o convite para assumir o comando de algum jatinho. Já o piloto que ficou na executiva, em grande parte das vezes fica fiel a um mesmo patrão por muitos anos, pilotando a aeronave que este possuir no momento – e se o patrão comprar um jatinho, lá vai ele para o mundo dos jatos. Pode haver trajetórias profissionais muito diferentes destes estereótipos – e há, de fato! –, mas é mais ou menos isto o que ocorre em boa parte das biografias de pilotos veteranos que estão na ativa hoje em dia. Em função disso, algumas situações costumam ocorrer com mais freqüência:
  • Pilotos mais maduros e/ou com mais habilidades administrativas costumam ser mais valorizados na aviação executiva, que requer muito mais dos pilotos que somente conduzirem a aeronave no ar ou em solo.
     
  • Profissionais mais jovens (principalmente os solteiros) tendem a se adaptar melhor à rotina da linha aérea, e grande parte dos que retornam à executiva o fazem após atingirem certa idade e constituírem família.
     
  • A aviação comercial passa por crises cíclicas (a última foi quando Varig, Vasp e Transbrasil faliram num curto espaço de tempo, nos anos 2000), mas a aviação executiva também possui suas armadilhas: o patrão que se desfaz da aeronave de uma hora para outra é a maior delas.
     
  • Não é raro que pilotos da aviação executiva acabem construindo carreiras paralelas à aviação, tornando-se pequenos empresários, representantes comerciais, consultores, etc. Trata-se, na verdade, de uma maneira de aproveitar a carreira de piloto como uma fonte de renda pouco escalável (mas mais segura) para alavancar uma carreira mais escalável (e arriscada) que eu falei no meu artigo “Pilotos e Escalabilidade – Parte II”.
     
  • Hoje em dia, o domínio do inglês tem sido um aspecto determinante para algumas carreiras na aviação. Na aviação comercial, e em segmentos mais sofisticados da aviação geral, é impossível ter sucesso atualmente sem um ICAO-4, pelo menos. Mas você pode ser bem sucedido como comandante da executiva, pilotando somente em território nacional, ou então em determinados segmentos da aviação, como a asa rotativa e a aviação agrícola.
     
  • Especificamente sobre a asa rotativa, eu recomendo a leitura deste artigo aqui, em que tratei exclusivamente da carreira de pilotos de helicópteros.
     
Ok, e como conseguir um emprego na aviação comercial e na executiva? A regra básica é a seguinte: para a comercial, o principal é ter um currículo de acordo com o exigido, o que implica em experiência e penduricalhos; e para a executiva, o mais importante é o aspecto de “QI & Relacionamentos”. É óbvio que um bom currículo também vai ser importante na executiva, assim como o QI ajuda na comercial, mas essa regra básica enfatiza as diferenças e não as semelhanças entre a aviação comercial e a executiva.
 
Táxi aéreo & Aviação de carga
 
Num meio termo entre a comercial e a executiva, existe a possibilidade de pilotar em empresas de táxi aéreo, ou então aviões cargueiros (estou me referindo às empresas exclusivamente cargueiras, não à TAM Cargo, Gol Log, etc.). Em geral, paga-se uns 10%-20% a menos no táxi do que na linha aérea para uma função equivalente (as cargueiras pagam mais ou menos o mesmo das companhias aéreas), mas em compensação é possível conseguir esquemas de trabalho mais vantajosos. Por isso, tem muita gente que prefere trabalhar num táxi/cargueira ganhando menos, mas tendo mais qualidade de vida, ou viabilizando uma outra carreira – como o que relatei acima, sobre a aviação executiva. Também é possível ingressar num táxi aéreo com pouca experiência, principalmente nas empresas “maloteiras” – mas, atenção: este segmento está atravessando uma grave crise atualmente, por causa de uma mudança nas regras de compensação de cheques, que não mais requerem ser transportados fisicamente de uma cidade para outra (um nicho importante para o segmento). No táxi aéreo, assim como nas empresas de transporte de cargas, o QI também costuma ser muito importante para a contratação.
 
Aviação agrícola
 
Um segmento da aviação que atrai muita gente, especialmente no interior do país, é a atividade de pulverização agrícola. Entretanto, para conseguir se estabelecer como PAGR, é necessário romper a “barreira das 1000h”, imposta pelas seguradoras (é pior que o caso dos helicópteros, que costuma exigir 500h de experiência). Assim, para o interessado em ingressar na carreira, o ideal é passar uma boa temporada como instrutor de voo antes, adquirindo experiência com aviões configurados com trem de pouso convencional. O QI também é muito importante neste segmento, dominado por pequenas empresas, geralmente dirigidas por PAGRs da ativa ou aposentados. Assim, não espere grandes ganhos no curto prazo na aviação agrícola, pois o início da carreira costuma ser bem sacrificado no segmento.
 
Instrução de voo
 
Embora a grande maioria dos instrutores de voo atue na profissão de maneira temporária, como uma forma de “fazer hora” para entrar na aviação comercial, também há a possibilidade de fazer carreira como INVA/INVH. Nos aeroclubes de São Paulo e Jundiaí, existem vários instrutores de voo antigos, que encaram a profissão como um fim em si, não como um meio. Isto pode fazer sentido econômico se você não atuar exclusivamente na instrução, e se qualificar para exercer as atividades mais rentáveis do ensino aeronáutico: ser INVA em voos MLTE e IFR, atuar como checador, e ministrando aulas teóricas e treinamento em simulador. Atuando desta forma, dá para obter um ganho mensal na faixa dos R$5mil/mês, e realizar trabalhos pontuais (traslados, substituições, etc.) que rendam mais ou menos a mesma quantia, talvez um pouco mais. No fim das contas, dá para ganhar tanto quanto um piloto médio da executiva, dormindo toda noite em casa. Não é um mau negócio.
 
Para ingressar na carreira (temporária ou não), os aeroclubes/escolas tradicionalmente preferem contratar os pilotos formados em suas próprias instalações – assim, um instrutor do aeroclube X é um piloto que fez o PP, o PC e o INVA no aeroclube X. Mas, atualmente, com a baixa oferta de INVAs (as companhias aéreas os contrataram às centenas no ano passado) aliada à alta na demanda por instrutores (dado o aumento do interesse do público pela aviação) subverteu essa regra, e os aeroclubes/escolas estão contratando o instrutor que aparecer, não importa de onde ele venha. Para a instrução, de fato, está muito fácil encontrar emprego na aviação hoje em dia – muito embora isto não tenha se refletido nos salários, que permanecem muito baixos. Mas é evidente que o piloto precisa ser bom: os aeroclubes/escolas preferem ficar com o avião parado do que colocar um manicaca para causar um acidente e manchar a reputação da instituição.
 
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O tema das análises sobre as possibilidades na aviação é praticamente infinito, e poderíamos ficar aqui falando horas sobre ele, e não esgotaríamos todas as possibilidades. O meu objetivo aqui foi o de passar as principais diretrizes, os principais conceitos, e se alguém se interessar por explorar algum aspecto mais a fundo, peço que comente abaixo, que vou fazer o máximo para esclarecer o assunto. Mas, independente disto, gostaria de lembrar novamente aos leitores que quem quiser enviar sua história para que seja realizado um estudo de caso como foi o “Caso do Marcelo”, a proposta continua valendo. Caso seja conveniente manter a identidade em sigilo, o caso pode ser enviado diretamente para o meu e-mail: raulmarinho@yahoo.com.
 
Um grande abraço a todos, e até a semana que vem!
Alexandre Sales
Redes
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