A História de Dimitri

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É o fim de mais uma tarde no aeroporto de aviação geral mais movimentado do estado, nesse momento um grupo de três amigos entra no restaurante de alto nível anexado na área do aeroclube, escolhem uma mesa no canto do lugar, próxima a parede com uma vidraça que dá visão para o lado de fora do restaurante, e assim se sentam nesse lugar.

O mais jovem dos amigos atendia pelo nome de pista “Alex”, estava fazendo o curso prático de Piloto Privado de Avião no aeroclube daquele aeródromo, na ocasião tinha apenas 12h de voo, é o primeiro aviador de uma família de classe média. Cmte Pacheco, o mais experiente dos amigos, pilotava um King Air em um táxi aéreo que possuía alguns hangares no lugar, era a voz da experiência do grupo. O terceiro integrante era um Piloto Comercial recém checkado, ele se chamava Dimitri, era filho de um rico executivo e fez toda sua formação no aeroclube em que estavam e pretendia pilotar em alguma empresa do lugar, devido também a proximidade com a sua casa. Todos tiveram a sorte de se conhecer na mesma ocasião, durante um show aéreo que ocorre todo ano naquele aeródromo.

Os três companheiros permanecem na mesa sem muito assunto, todos em algum momento olham para as duas portas de entrada do restaurante, localizadas no começo e no fim no saguão, eles procuram a quarta figura desse encontro que irá ocupar a cadeira vazia na mesa, trata-se do Cmte. Pinheiro, dono do segundo maior táxi aéreo do aeródromo.

Apesar de voar em outra empresa, Pacheco ainda mantinha contato com o Cmte. Pinheiro, ambos haviam se formado na mesma turma de aviadores vários anos atrás e desde então mantinham uma forte amizade. Dias atrás havia sido divulgado que devido ao mercado aquecido, novas vagas para co-pilotos estavam sendo abertas na empresa, e sabendo disso Pacheco marcou esse encontro, com a esperança de que seu amigo Dimitri pudesse sair do restaurante já empregado.

Enquanto os amigos bebem uma lata de refrigerante que custou R$ 6,00 cada, Dimitri percebe que alguém senta rapidamente na cadeira vazia ao seu lado, quase esbarrando no seu copo. Os três amigos olham para a figura e ficam calados por alguns segundos sem entender: Um jovem garoto, vestindo uma camiseta branca com o logotipo da Esquadrilha da Fumaça, bermuda preta, de chinelos e com o rosto e blusa sujas com manchas escuras, algo bem incomum em um lugar onde a vestimenta social é a mais vista.

Pacheco logo quebra o silêncio quando começa a rir da cara estática dos seus amigo, esse logo explica:

-Esse é o Jorginho, volta e meia ele aparece aqui pelo Aeródromo, algo me diz que ele vai seguir os nossos passos até chegar nas nuvens!

Alex abre um sorriso vendo a situação e começa a conversar com o garoto, como se já o conhecesse de vista, o jovem se mostra muito comunicativo e não demora muito para começar a falar dos seus voos virtuais no Flight Simulator.

Apesar da aparente alegria dos amigos com o garoto, Dimitri permanece sem falar com o jovem futuro aviador mesmo após quinze minutos de conversa, ele não se esqueceu que aquela cadeira estava reservada para o seu possível futuro chefe, o Cmte. Pinheiro, que ainda está demorando a chegar. Pensando nisso, Dimitri pergunta:

-Garoto, você veio sozinho pra cá? Já está anoitecendo, onde está sua mãe?

-Vim com meu pai, tô esperando ele acabar o trabalho, ele tá acabando de limpar o chão – Diz o garoto

(Filho do faxineiro, ocupando a cadeira do meu chefe, é só o que faltava) – Pensa Dimitri

Percebendo a aparente aflição de Dimitri, Jorginho tenta continuar o assunto e pergunta:

-Você sabe pousar um 747 no Flight Simulator?

A resposta se limita a uma palavra:

-Não…

-Então eu mesmo com minha pouca idade, sei mais que você é? Responde o garoto com um sorriso no rosto.

Ao ouvir a aparente insolência do filho do faxineiro, Dimitri olha para o garoto com uma feição de poucos amigos, puxa um ar de deboche somando com sua impaciência diante de tudo e desabafa:

-Pra começo de conversa toda essa sua “experiência” é irrelevante, pois você nunca vai ser um aviador se você não se comportar como um aviador, um piloto de verdade não despreza o outro porquê ele é menos experiente em algum ponto, sugiro que você vá procurar outro lugar, pois como você pode ver, nesse grupo, você não se encaixa, portanto a minha reposta para a sua pergunta é sem dúvidas: Não.

Depois dessa cena o filho do faxineiro se levanta e começa a se distanciar da mesa, enquanto os outros dois amigos ficam calados diante daquela situação devido ao choque do evento, aparentemente o garoto nunca vai esquecer aquelas palavras. Logo em seguida um senhor entra pela porta no exato momento em que o filho do faxineiro estava saindo cabisbaixo do lugar; o homem o cumprimenta e ambos caminham juntos novamente em direção a mesa, o garoto se senta no mesmo lugar do qual havia sido “expulso”, e o senhor em questão puxa uma quinta cadeira para se juntar aos amigos:

-Bom fim de tarde senhores, desculpe a demora, eu estava na área de manutenção resolvendo um caso… Acho que os mais jovens não conhecem essa figurinha, esse garoto aqui é o Jorginho, um dia ainda vai ser um grande piloto! – Diz com bom humor o Cmte. Pinheiro, enquanto se senta na quinta cadeira.

Nem o garoto e nenhum dos três amigos preferem comentar o momento tenso que havia se passado instantes atrás.

O grupo com os quatro aviadores e o pequeno futuro aviador conversam durante vinte minutos, ao decorrer de todo esse tempo Dimitri não consegue se acostumar ao filho do faxineiro e seus assuntos de Flight Simulator que esse coloca na conversa de tempos em tempos, a cada momento ele torce para o faxineiro acabar o seu trabalho e vim buscar o seu filho, vendo que já está anoitecendo.

O tempo vai passando até que Cmte. Pinheiro afirma:

-Bom, mas vamos ao assunto principal, eu sei que vocês marcaram esse encontro para me conseguir um novo co-piloto, Pacheco, quem aqui dos jovens é o mais experiente? Alex ou Dimitri?

Dimitri logo iria tomar a palavra da conversa quando o jovem garoto solta a pérola:

-Experiente? Se horas no Flight Simulator contarem, o mais experiente sou eu! – Diz Jorginho com um sorriso no rosto.

Diante daquela situação, Dimitri não consegue mais conter seus sentimentos diante a aparente ousadia do filho do faxineiro, ele respira fundo e fala calmamente com um tom de sarcasmo:

-Que tipo de palhaçada é essa? Você, expert do Flight Simulator, será que você não se toca? Você não percebe que esse é um encontro de profissionais? Você com essa conversinha de muleque só está atrapalhando e atrasando o assunto desse encontro, que como o grande Cmte. Pinheiro disse aqui, é a contratação de um piloto profissional da “aviação real”! Você não tem experiência nem para estar aqui conversando com a gente!

O filho do faxineiro novamente não responde e repete a feição de abatido, enquanto começa a se afastar da mesa para se levantar e ir embora. Vendo isso, Cmte. Pinheiro toma palavra:

-Acho que está havendo um grande mal entendido

-“Mal entendido” é pouco, Pinheiro – Diz Pacheco, com a mão no rosto como se estive envergonhado.

Nesse momento, Alex, que até então era o mais calado da conversa dá a informação que vale por tudo:

-Querido amigo Dimitri, você sabe o nome desse garoto?

-Claro que sim, o nome “disso ai” é Jorginho, ou Jorge, tanto faz!

-Sim, o nome dele é Jorge… Jorge Pinheiro

Um frio sobe pela espinha de Dimitri quando ele percebe que havia dito tudo aquilo para o filho do seu futuro chefe.

-Eu pensei que ele era o filho do faxineiro! – Diz Dimitri tentando se explicar – Ele disse que o pai dele estava limpando o chão!

-Eu estava – Diz Pinheiro – Maurício, o meu auxiliar de limpeza, teve que sair mais cedo para levar a filha no médico, e como já é tarde não havia mais ninguém essa hora, eu e meu filho estávamos limpando uma mancha de óleo no chão do hangar, e quando eu vi que ia me atrasar, mandei ele vim procurar o nosso amigo Pacheco, e ficar fazendo companhia para vocês enquanto eu acabava de limpar o chão.

Nenhuma palavra é dita na mesa durante alguns segundos.

-Eu acho que prefiro não perguntar por quê o meu filho estava saindo daqui quando eu estava chegando… – Diz Pinheiro

– Mas eu ainda vou conseguir o cargo não é?! Eu tenho 230h de experiência, e tenho o “Multi” – Clama Dimitri interrompendo Pinheiro

– Sem problemas, eu tenho a solução – Diz Pinheiro se levantando junto com o filho, ficando ambos ao lado da mesa.

-Filho, o mal entendido foi com você, então essa vai ser a sua primeira de muitas decisões na vida profissional: Ele merece pilotar no nosso táxi aéreo?

Jorginho ao lado de seu pai, na presença de seus amigos Alex e Pacheco, olha para Dimitri e diz:

– Pra começo de conversa toda essa sua “experiência” é irrelevante, pois você nunca vai ser um aviador se você não se comportar como um aviador, um piloto de verdade não despreza o outro porquê ele é menos experiente em algum ponto, sugiro que você vá procurar outro lugar, pois como você pode ver, nesse grupo, você não se encaixa, portanto a minha reposta para a sua pergunta é sem dúvidas: Não.

Nessa noite, acabou a história de Dimitri, um piloto formado, um piloto com muito para aprender, um piloto que fora traído por suas próprias palavras.

A moral dessa história se resume em apenas uma palavra: Humildade

Mesmo depois de outras tentativas, “Dimitri” não conseguiu nenhum cargo de piloto no aeródromo em que se formou, atualmente ele pilota em outro aeródromo, no interior do estado. 

(Essa história é fictícia com pessoas e eventos fictícios… Ou será que não?)

Por Alexandre Sales

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