Ar nosso de cada dia

Durante minhas navegações do PP, lembro-me que sempre tive vontade de voar nos FLs mais altos possíveis. Não sei se isso acontecia só comigo, mas era algo que eu desejava muito. Sempre que planejava alguma rota longa, eu escolhia FLs como 095 ou 115. Claro que eram rotas bem longas, como Londrina- São Paulo, então era vantajosa tal subida. Além disso, a aeronave em que eu voava tinha uma sobra de potência considerável. Consequentemente, fui ficando cada vez mais à vontade com a temperatura do ar e a mudança de pressão.

Certo dia, fui liberado solo (os voos solos onde fiz meu PP eram intercalados com os duplos, ou seja, um solo e um duplo até o check), e subi para a área de instrução. Decidi subir rapidamente para o FL 055 e por ali realizei manobras bruscas. Lembro-me que me senti muito feliz, até a hora do regresso. Muito satisfeito e visual com o aeródromo na minha vertical, decidi cortar o motor e descer em planeio acentuado para pouso. Recordo que me senti bastante confortável (uma sensação bem estranha) durante a descida. Cheguei à altitude de base pra final e simplesmente não consegui raciocinar, nem fazer absolutamente nenhum – isso mesmo – NENHUM procedimento para pouso. Inclusive, ingressei na cabeceira oposta à de operações normais, recebendo um vento de cauda forte, fazendo-me descer e passar rasante sobre a pista… Por sorte, algo me fez reagir e retomei a noção da situação, voltando a mim e pousando em segurança, graças a Deus.

O tema dessa semana vai abordar uma situação que nem todos os pilotos experimentaram, e provavelmente se experimentaram não perceberam: a hipóxia.

A hipóxia é a simples rarefação de oxigênio na corrente sanguínea. Taxas normais ficam entre 97% e 100%. Na hipóxia, o oxigênio vai caindo de forma gradual, deixando de alimentar o cérebro e fazendo o piloto não responder aos estímulos corretamente. Durante a Segunda Guerra esse foi um problema tal qual o desenvolvimento de motores a jato, pois a tecnologia exigia que os pilotos voassem a altitudes elevadíssimas, da ordem de 20 mil pés, o que sem dúvida matou muitos aviadores e decidiu várias batalhas antes mesmo de acontecerem. 

Hoje, na aviação civil, poderíamos pensar que estamos livres disso, o que seria um mero engano. No Brasil, não temos aeronaves de aviação geral que possuam tecnologia como as que operam nos EUA e Europa. O custo de se manter um Cessna 210 pressurizado é absurdo, sendo que em alguns modelos a faixa de altitude de melhor operação é em torno de 12 mil pés. Há ainda o fato de que os atuais pilotos da aviação civil não se equiparam aos pilotos militares da Segunda Guerra. Consegue observar, caro leitor, que o tempo só passou, mas o problema continua existindo?

Durante esta semana, vou falar dos principais sintomas da hipóxia, das suas conseqüências na aviação civil e militar, bem como de tecnologias e equipamentos que seriam úteis para sua solução.

Conhecer e mitigar os riscos também faz parte da aviação (anexo 13 ICAO)

Eduardo Mateus Nobrega
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