As Três Mais – Parte 1: Varig

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A matéria a seguir será apresentada em duas partes,
a próxima irá ao ar na próxima Sexta (20/01/2012)
 
Viação Aérea Rio Grandense é o significado da sigla que representou a companhia aérea que provavelmente foi a companhia aérea mais amada do Brasil. Para alguns brasileiros, desde os que possuem vergonha desse país, até mesmo aos mais patriotas, é classificada como a mais amada companhia brasileira que existiu. Até hoje, vejo pessoas relembrando os bons tempos, onde um avião com a rosa dos ventos em qualquer lugar do mundo era considerado uma embaixada brasileira não-oficial.
 
Pena que não foram todos que tiveram o privilégio de voar com a Estrela Brasileira. Nesse artigo, vamos falar de suas origens, até sua “morte”, sendo uma pequena homenagem àquela que foi a empresa aérea brasileira mais importante do país e a mais conhecida no mundo.

Primeiros Anos
 
Otto Ernst Meyer nasceu em Hanôver, Alemanha, no ano de 1897, mas foi naturalizado brasileiro. Foi oficial-aviador da Luftwaffe na Primeira Guerra, e chegou ao Brasil em 1921. No dia 8 de maio de 1927, fundando juntamente com outras personalidades gaúchas aquela que seria a primeira companhia aérea que o Brasil teve e uma das mais antigas do planeta: a Viação Aérea Rio Grandense, mais conhecida como Varig.
 
No começo de sua vida, a empresa voava no estado do Rio Grande do Sul, operando aviões alemães. Como a primeira de suas façanhas, inaugurou o Registro Aéreo Brasileiro com a sua primeira aeronave, o P-BAAA, um Dornier Wall, batizado de “Atlântico”, que foi alocada na chamada Linha da Lagoa, entre Porto Alegre e Rio Grande.
 
Sua segunda aeronave foi o P-BAAB, um Dornier Merkur batizado de “Gaúcho”. Essas duas aeronaves foram entregues à Varig como participação de um dos sócios, o Condor Syndicat.
 
Em 1929, a empresa comprou dois Klemm L25, com capacidade para dois lugares mais um piloto, matriculados como P-BBAC e o P-BBAD, mas eram insignificantes perto do Gaúcho de do Atlântico. O antigo Condor Syndicat foi transformado no Sindicato Condor em dezembro de 1927. Dezesseis anos depois, seria transformado na futura Cruzeiro do Sul. Uma proposta de fusão foi apresentada à Varig, onde o Condor assumiria a Varig, proposta totalmente aceita. Mas, em meados de 1930, a Varig era uma companhia sem aviões, pois o Sindicato abandonou a empresa, e levou o “Atlântico” e o “Gaúcho”.
 
A Varig assinou o seu primeiro contrato de subvenção estadual em 24 de abril de 1930, antes da saída do Condor. Sem aviões por alguns meses, o Governo do Rio Grande do Sul deu duas aeronaves para a empresa, que eram o Morane Saulner MS130 P-BAAC e o Nieuport Delage 641 P-BAAD. Ambos eram aviões com rodas, e por isso foi registrado o pequeno Junkers A50, o P-BAAE, acidentado em 25 de abril de 1931.
 
O Governo gaúcho ajudaria a empresa, e chegariam dois Junkers F13 e outro Junkers A50, para treinamento. Enquanto eram preparados campos depouso para as linhas Porto Alegre – Pelotas, Rio Grande – Bagé – Livramento e Porto Alegre – Santa Maria, com a primeira dessas inaugurada dia 18 de abril de 1932, encerrando o jejum de dois anos sem linhas, desde a saída do Sindicato Condor.
 
Enquanto os novos aviões não entravam em serviço, o “Gaúcho” reassumiu a Linha da Lagoa, transportando um piloto mais um passageiro ou malas postais.
 
Os Junkers F13 tinham como matrículas P-BAAF “Livramento” (depois PP-VAF, de acordo com o novo modelo de registro) e P-BAAG “Santa Cruz” (depois PP-VAG), formando a frota comercial, pois quando muito, para transporte de correio e treinamento.
 
Dois Junkers Junior chegaram em 1932, os P-BAAH e P-BAAI, mas o primeiro se acidentou em serviço. Para a sorte e posterior azar da companhia, chegou um Messerschmitt ME-108, que era um pequeno monomotor com quatro lugares, mas que se acidentou em um pouso, antes de entrar em serviço.
 
A primeira aeronave realmente comercial foi o “Aceguá” ou “Pepê-Vaca”, um Messerschmitt M-20B de matrícula PP-VAK, recebido em 30 de abril de 1937. O avião foi colocado na Linha do Livramento, prolongada até Uruguaiana. Vale lembrar que a aeronave era popular pela sua asa alta e a baixa altitude de seus vôos, que proporcionavam uma boa visibilidade aos seus 10 passageiros.
 
Em 1938, chegou um Junkers JU-52/3M, da South African Airways. Com capacidade de 17 pessoas e três tripulantes, foi matriculado PP-VAL “Mauá”.
 
Com quatro aviões na frota, foram alugados dois Focke-Wulf FW-58 Weihe do Condor, os PP-CBM “Aquiri” e o PP-CBN “Cacuri”. Mas para mais o azar da Varig, o “Mauá sofreu o primeiro acidente fatal da empresa, ficando irrecuperável. Para substituí-lo, o único Fiat G2 do planeta foi parar nas mãos da empresa como PP-VAM, ou “Jacuí”. Com capacidade de seis passageiros e dois tripulantes, não possuía condições de substituir o JU-52/3M, pois levava quase 1/3 de sua capacidade, servindo de 1942 a 1944.
 
O último avião de origem alemã foi o Cant Z.1012, mas que não operou na empresa, pois por erro da tripulação, fez um pouso de barriga.
 
No dia 18 de agosto de 1942, chegou o PP-VAN “Chuí”, um de Havilland DH-89 Dragon Rapide,que inaugurou a primeira linha internacional da empresa, Montevidéu-porto Alegre. Serviu até 1944 na empresa.  
 
Por causa origem alemã, Otto renuncia à presidência da companhia em 1942, entregando o cargo ao seu primeiro funcionário, Rubem Martim Berta.
 
Berta seria responsável pela expansão e consolidação da companhia como a maior e a principal do país. Antes desse crescimento, teve uma idéia brilhante, mas que seria o ovo da serpente no futuro: Instituiu a Fundação dos Funcionários da Varig, renomeada após sua morte como Fundação Rubem Berta. Ele achava que se fatiasse a propriedade da companhia entre seus funcionários, o futuro estaria garantido.
 
A Fundação agiria da seguinte maneira: funcionaria como um grêmio estudantil, com representantes eleitos pelos próprios funcionários, que agiriam como poder moderador das decisões dos executivos da empresa. Mas conforme os anos se passavam, os poderes da Fundação cresciam, dividindo com os presidentes decisões fundamentais, tendo peso na condução do dia-a-dia da companhia.
 
Cabe lembrar que até o fim da Segunda Guerra Mundial, sua frota era basicamente uma coleção de aviões alemães, mas após o começo da guerra, as peças eram escassas, mesmo com algumas peças sendo fabricadas no Brasil. Com a mudança de apoio do governo brasileiro, que trocou sua simpatia nazista pelo apoio americano, houve a troca dessa frota por tipos norte-americanos, como os Lockheed 10A Electra I, DC-3, C-46 Commando e Convair 240.
 
Oito Electras I chegaram em 1943, os primeiros de 50 Douglas DC-3/C-47 chegaram em 1946, e em 1947, chegaram alguns Curtiss C-46  da futura frota de 26 aeronaves. E por último, em 1954, chegaram os Convair 240. Todas essas aeronaves operaram até o fim da década de 60.
 
Como toda companhia pequena, infelizmente estava presa ao Rio Grande do Sul, mas tinha a vantagem de poder voar internacionalmente. Para piorar, surgiu uma nova empresa, a SAVAG – S.A, com o apoio da Panair e da Cruzeiro do Sul. Em defesa de seus interesses, a companhia da rosa dos ventos lançou mão de vários recursos, como operar em determinados aeroportos exclusivamente. Naquela época, começou a voar para o norte do país, chegando até o Rio de Janeiro, São Paulo, Montevidéu, Santa Catarina e Paraná, passando a concorrer com Vasp, Cruzeiro, Real/Aerovias e Panair, graças a importante e ousada aquisição da Aero Geral, que voava do Rio de Janeiro até Natal, houve o incremento de mais exemplares para a frota e o crescimento da companhia.
 
A Cruzeiro do Sul resolveu voar para os Estados Unidos, adquirindo dois DC-4. Mas o Governo Federal não deu a subvenção da linha, coisa que fez para a Varig alguns anos depois. Sabendo que voar para lá era a maior oportunidade da empresa, comprou o avião comercial mais elegante de todos os tempos, considerado o melhor da época: encomendou três exemplares do Lockheed L-1049G Constellation. O vôo fazia escalas em São Paulo, Rio de Janeiro, Belém, Port of Spain e Ciudad Trujillo antes de chegar à Nova York e Washington.
 
Para o azar da companhia (mais um na sua longa lista, diga-se de passagem), o primeiro exemplar de matrícula PP-VDA foi perdido em um pouso forçado em Puerto Plata, na República Dominicana. Para por a cereja nesse bolo, a Real/Aerovias também se expandia para a terra do Tio Sam. Saindo novamente na frente, a Real chegou ao Japão, um prolongamento da linha original, que era até Los Angeles. Por razões desconhecidas, a empresa de Linneu Gomes transferiu seu controle acionário para a Varig, que também herdou os Convair 330 e 440, Douglas DC-6 e Lockheed L-1049H Constellation.
 
Antes, Linneu Gomes encomendou o jato comercial mais veloz do mundo, o Convair CV-990 Coronado e os recém lançados Lockheed L-188 Electra II como última jogada. A princípio, a empresa não queria receber nenhuma dessas aeronaves encomendadas, mas se viu obrigada por contrato a honrar a compra.  
 
Alinhada as novas tendências, a companhia resolveu encomendar jatos, e em setembro de 1957 dois Boeing 707-441 e três Sud-Aviation SE210 Caravelle, os bimotores chegaram antes. Os Boeings foram matriculados como PP-VJA e PP-VJB, e os Caravelle como PP-VJC, PP-VJD e PP-VJI.
 
Os Caravelle chegaram em 1959, e os Boeing em 1960. Os bimotores foram colocados na linha até Nova York até a chegada de seus irmãos maiores. Após isso, operaram nas rotas latino-americanas.
 
No dia 10 de fevereiro de 1965, a Panair do Brasil “faliu”, por determinação do Governo Federal, à época governada pelos generais com porte de gorilas. A Varig assumiu suas rotas internacionais e frota de longo alcance. Os DC-8 operariam até 1975.
 
Outro recorde digno de nota foi a Varig ter sido a única empresa no mundo a operar simultaneamente os principais jatos de longo alcance de primeira geração fabricados nos Estados Unidos: seus próprios 707, os DC-8 da “falência” da Panair e os CV-990 da Real. Mas Rubem Berta repentinamente falece, justamente quando a companhia comemorava o primeiro lugar no mercado.
 
A Morte de Berta e a Entrada de Erik de Carvalho
 
Rubem Berta dedicava-se em tempo quase integral à companhia, tanto que em 1965, seu médico pessoal recomendou diminuir o ritmo de trabalho. De acordo com Alice Klausz, a mais influente e longeva comissária da história da aviação comercial brasileira, Berta prometeu diminuir o ritmo de trabalho, mas morreu em sua mesa de trabalho, de ataque cardíaco. O ano era 1966, e provavelmente imaginando que não teria muitos anos de vida após a consulta em 1965, preparou seu sucessor, Erik de Carvalho, seu vice-presidente, oriundo da também saudosa Panair do Brasil.
 
Erik foi o responsável pela expansão da Varig, e no dia 23 de outubro de 1970, trouxe o primeiro Boeing 727, o PP-VLD. Com a chegada de mais aparelhos desse tipo, as rotas nacionais foram assumidas pelo valente trijato. Mas foi em 1974 que a companhia inaugurou a era Widebody no Brasil: O McDonnel Douglas DC 10 PP-VMA foi o primeiro de vários que a empresa operaria até o fim da década de 90, sendo que alguns foram aproveitados na subsidiária Varig Cargo, futuro embrião da Varig Log.
 
Em 1975, chegaram os primeiros Boeing 737-241 Advanced da empresa. O primeiro jato, de matrícula PP-VME, foi operado até 2003, quando foi vendido para a Rico Linhas Aéreas. Com essa aeronave, começou o caso de amor entre a empresa do Ícaro com o Boeing 737, o avião mais numeroso na longa história da companhia.
 
A Estrela Brasileira teve um salto tecnológico em menos de 10 anos: Operando com vários turboélices antigos e alguns jatos, ela passou a ter uma frota composta apenas de jatos, seja para rotas curtas e médias (Boeing 727 e 737) ou jatos adequados para longas e prestigiosas rotas internacionais (DC8, DC10, Convair CV990 Coronado e Boeing 707). Também estava entre as 10 companhias mais rentáveis do planeta, o que na crise do Petróleo era algo digno de nota.
 
Sucumbida pelo poder entre as autoridades, a companhia se intitulava imortal perante as autoridades militares. Mas esse erro custaria muito caro: a própria sobrevivência da empresa 30 anos depois, o que era imaginável a uma companhia do tamanho que possuía.
 
O Governo dos truculentos militares via que o mercado estava com muitas companhias e que tinha saído do interior do país, se concentrando nas capitais. Para ajudar no desenvolvimento do país, foi criado o SITAR, obrigando o uso do Embraer 110 Bandeirante. O país foi dividido em cinco regiões, cada entregue a uma companhia aérea regional. Em associação com um taxi-aéreo, foi criada a Rio Sul Serviços Aéreos Regionais, que operava as tais rotas determinadas pelos militares e de “brinde”, ganhou as rotas que a companhia mãe operava na região Sul, delimitada pelo governo e entregue nas mãos da Rio Sul. Na prática, foi o “útil unido ao agradável”, que foi o estímulo necessário à Embraer e o desenvolvimento da rede de rotas do Brasil. Mas outra cartada iria assegurar o posto de companhia mais importante do país à empresa de aviões com barriga em metal polido.
 
Em 1976, operava nas rotas internacionais com os 707, inclusive com mais aparelhos do tipo e os DC-10. Nas rotas domésticas e latino-americanas, eram operados o Boeing 727 e o 737, juntamente com o Electra II, sendo este último o único modelo na rota mais prestigiosa da Aviação Brasileira por quase 15 anos, até a entrada dos 737-300 das concorrentes e da própria Varig.
 
Em 1975, sua principal concorrente no passado, a Cruzeiro do Sul, estava em dificuldades financeiras. Foi vendida à Vasp, mas ninguém sabe o que houve, pois ela foi parar nas mãos da empresa gaúcha. Foi mantida no ar até 1997, sendo que na maioria das vezes, funcionava como “companhia de testes”. Além disso, a Pioneira usava dos acordos de code-share da Cruzeiro.
 
Com problemas de saúde, Erik de Carvalho teve um derrame cerebral e renunciou ao cargo, assumido interinamente por Harry Schuetz por menos de um ano, interinamente. O conselho da FRB elegeu Helio Smidt. Helio seria o último presidente da Varig com fibra e manteria a empresa até sua morte, em 1990.
 
(Continua na coluna da próxima semana)
Alexandre Sales
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